quinta-feira, 28 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 36. Os índios e a civilização. Darcy Ribeiro.

Este é o trigésimo sexto e último trabalho do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se da análise de João Pacheco de Oliveira, antropólogo do Museu Nacional - da Universidade Federal do Rio de Janeiro, de Os índios e a civilização, de Darcy Ribeiro. A resenha encontra-se em Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, volume II, nas páginas 403 - 422, livro organizado por Lourenço Dantas Mota. O conceito fundamental do livro é o de transfiguração étnica e a sua primeira publicação data do ano de 1970. Esse conceito está explicitado no subtítulo - a integração das populações indígenas no Brasil moderno.

Trigésima sexta resenha. A última. Volume II. Os índios e a civilização.

João Pacheco inicia a sua resenha falando que Darcy escreveu este livro tendo presente duas lealdades fundamentais: com a seriedade do trabalho científico e com uma profunda vinculação humana com as populações indígenas, com as suas diversidades socioculturais, com a sua penosa integração social e com o destino trágico de suas micro etnias. A sua segunda lealdade confere ao livro um grave tom de indignação e de denúncia.

O resenhista situa o livro como "escrito em linguagem simples e direta, despreocupado em exibir racionalidades ou uma erudição sufocante, tornando explícito seu comprometimento com as populações que estuda, Os índios e a civilização constitui um leitura útil e fascinante mesmo para o leitor comum. Sua carga informativa não é excessiva nem desvinculada dos conceitos que possibilitam compreender qual é e como foi gerada a condição presente das populações indígenas brasileiras, bem como a significação dos mecanismos e políticas acionados por diversos agentes para resolver a questão indígena". Ainda o situa ao lado das grandes interpretações de Brasil como Casa-Grande&Senzala Raízes do Brasil. Entra também nas grandes polêmicas da época, a respeito da integração ou desaparecimento dessas populações.

Afirma a característica da miscigenação como uma das marcas da população brasileira, destacando a presença da mulher indígena no primeiro século de colonização. Não havia praticamente mulheres brancas ou negras. Também apresenta dados históricos como a das tentativas da escravização, o isolamento e as constantes investidas coloniais na expansão da pecuária, das lavouras e de atividades extrativistas e mineradoras, com grandes perdas de núcleos tribais, populacionais e socioculturais. As tendências apontavam para a extinção ou para a adaptação. Apresenta os dados de Julian Stewart, de que no ano de 1500 havia no Brasil 1,1 milhão de indígenas e em 1948, apenas 50 mil, e que, entre 1500 e 1957 houve o desaparecimento de 87 etnias. Às etnias sobreviventes seria necessário garantir a sobrevivência. Vejamos o resenhista: 

"Para conseguir sobreviver essas etnias devem responder a desafios urgentes, buscando preservar sua identidade e autonomia étnica, bem como 'assegurar a continuidade de sua vida cultural mediante alterações estratégicas que evitem a desintegração de seu sistema associativo e a desmoralização completa do seu corpo de crenças e valores'. Esse processo adaptativo, que se impõe como imperativo aos grupos indígenas que sobreviveram ao extermínio, faz com que eles permaneçam indígenas 'já não nos seus hábitos e costumes, mas na auto-identificação como povos distintos do brasileiro e vítimas de sua dominação'. É a isso que Darcy Ribeiro chama de 'transfiguração étnica', afirmando que 'o impacto da civilização sobre as populações tribais dá lugar a transfigurações étnicas e não a assimilação plena"'.

Darcy Ribeiro não é apenas um intelectual, um professor ou um escritor. Ele não atua no abstrato. É também um ator. Aprendeu com Rondon, mas foi para muito além dele. Foi Darcy quem deu os fundamentos do indigenismo brasileiro e quem contribuiu decisivamente para a criação do Parque Indígena do Xingu. Além disso, sempre disse um grande não para a neutralidade. Sempre pôs o seu conhecimento a favor das populações indígenas.

O próprio Darcy define o objetivo de seu livro e de seu trabalho. "Alcançar uma compreensão acurada das situações de interação entre índios e frentes de expansão, a fim de chegar a generalizações significativas sobre o processo de mudança cultural". O plano da obra se divide em três partes. A primeira, visa uma visão de conjunto da sociedade indígena e as frentes de expansão agrícola, pastoril e extrativista, formas de expansão arcaica e despótica, que indicavam para a extinção das culturas. Na segunda, ele mostra as formas de integração entre índios e brancos, a etnocêntrica, romântica e absenteísta. Visou a superação das visões extremadas, em favor da igualdade de condições. Historia a fundação (1910) e a atuação do SPI, até a sua extinção, em 1967, mostrando ainda a atuação dos sertanistas. Na terceira parte ele aprofunda a questão das transfigurações étnicas e analisa o destino dos índios no Brasil.

Darcy também tem clareza  da relação que se estabelece entre a ciência e a ética, sendo a sobrevivência física das populações indígenas a sua preocupação maior, frente as ameaças representadas pela frentes expansionistas das fronteiras econômicas, pelas forças de mercado. Analisa os postos indígenas e a atuação dos antropólogos, condenando as transposições mecânicas. Aí volta para o tema da transfiguração étnica, um processo de sucessivas alterações. Ela obedece a quatro níveis diferentes: o ecológico; o biótico; o tecnológico e sócio econômico; o étnico cultural e sócio psicológico. Visou fundamentar um estatuto teórico para os seus trabalhos de preservação da identidade cultural das populações indígenas brasileiras.

Considera que a integração sempre foi uma acomodação penosa e apresenta dados do ano de 1957, com a diminuição da população e desaparecimento de etnias, apelando para sentimentos humanitários contra a tendência de destruição. Assim ele se manifesta, argumentando que "representando apenas um por mil da população brasileira, os índios são hoje quase inexpressivos no conjunto da nação e seus problemas são imponderáveis como problema nacional [...] as terras de que necessitam e a assistência de que carecem lhes podem ser concedidas sem grandes sacrifícios". Hoje ocupam 18,4% do território da Amazônia e 10% do território brasileiro, muitas dessas  terras em áreas de mananciais e de preservação ambiental. Ele ainda aponta para as perspectivas que se ofereciam ao tempo da escrita do livro, assim apresentadas pelo resenhista: "Embora o Estado brasileiro continue a ser responsável em última instância pelo bem-estar e pelo respeito aos direitos dos índios, não mais possui um poder de tutela sobre eles, que se fazem representar por organizações próprias, que já operam com recursos e parcerias múltiplas, mobilizando apoios em muitos níveis de ação". E João Pacheco de Oliveira assim termina a sua resenha:

"Afastando-se dessas posturas divergentes, Darcy aponta para os cientistas brasileiros uma direção original e crítica - a de uma ciência social consciente de seu enraizamento em uma conjuntura histórica específica, preocupada com o exercício da pesquisa empírica e com a elaboração teórica mas compromissada com os grupos sociais mais desfavorecidos. Recusando-se à condição de ideólogo e justificador do status quo, tomando os índios do Brasil e seus problemas como referência, com esse livro Darcy alcançou projeção nacional e internacional, produzindo o mais lido e conhecido estudo sobre os povos e culturas indígenas de nosso país".

Assim chego ao final desse trabalho levando uma certeza. Quem mais aprendeu fui eu. Como gostaria, que ao menos o mundo acadêmico, tivesse a oportunidade da leitura desses verdadeiros clássicos. Apresento ainda o link das cenas finais da vida de Darcy, quando ele recebe a extrema-unção de Leonardo Boff. Seria o que eu chamaria de uma boa morte. Darcy seguramente partiu em paz.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2013/04/darcy-ribeiro-recebe-extrema-uncao-de.html

E, ainda uma indicação de Antônio Cândido, do que ele considera o melhor livro sobre o tema nos tempos atuais. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2013/12/indios-no-brasil-historia-direitos-e.html

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