quinta-feira, 7 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 13. Coronelismo, enxada e voto. Victor Nunes Leal.

 Este é o décimo terceiro trabalho do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se da resenha feita por Bolívar Lamounier, que foi diretor do IDESP (Instituto de Estudos Sociais e Políticos do Estado de São Paulo), do livro de Victor Nunes Leal, Coronelismo, enxada e voto. A resenha encontra-se no livro Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, livro organizado por Lourenço Dantas Mota, nas páginas 273 a 292. O livro teve a sua primeira edição no ano de 1948, portanto, já sob a luz da redemocratização brasileira e da Constituição de 1946.

No volume I, a décima terceira resenha.

Victor Nunes Leal nasceu em Carangola, Minas Gerais, em 1914. Formou-se em Direito na atual UFRJ e exerceu importantes cargos políticos, entre eles, a chefia da Casa Civil no governo JK, e Ministro do STF., cargo no qual foi aposentado em 1969, pela ditadura militar. O livro, originariamente teve finalidades acadêmicas e tinha por título O municipalismo e o regime representativo no Brasil: contribuição ao estudo do coronelismo. Na publicação, por sugestão do editor, ganhou um título mais palatável para efeito de público, Coronelismo, enxada e voto. Funcionou. Foi um título chamativo para um livro árido. Ele se constituiu numa primeira análise sistêmica da política brasileira, de como funcionava o processo político, as nossas instituições. O coronel era parte integrante desse sistema.

Por coronelismo entende-se, na política brasileira, o poder conferido aos cidadãos poderosos, comandantes da Guarda Nacional, no tempo do Império. Depois se estendeu aos poderosos em geral. Num sistema rural, por óbvio, o poder vinha da propriedade da terra, do latifúndio. O livro não é uma denúncia contra esse sistema, mas uma análise, uma reconstrução histórica e jurídica do sistema. A sua tese central desmente a hipertrofia do papel político eleitoral dos proprietários rurais, de sua superposição ao poder político. Ao contrário, eles estão em fase de declínio, em face da ascensão do poder público centralizado, de maneira especial, a partir da República. Os coronéis controlavam a vida política nos municípios, conforme seus interesses, junto ao Estado e à União, mantendo sob seu controle milhares de eleitores despolitizados. O voto de cabresto. Mostra um interior decadente, mas que ainda se impunha, perdendo força, à medida que o país se urbanizava.

O livro tem sete capítulos: 1. Indicações sobre a estrutura e o processo do "coronelismo". 2. Atribuições municipais. 3. Eletividade da administração municipal. 4.  Receita municipal. 5. Organização policial e judiciária. 6. legislação eleitoral. 7. Considerações finais. No primeiro, apresenta as teses centrais, que vai desenvolvendo ao longo dos capítulos dois a seis. No sétimo, retoma o primeiro, acentuando a decadência do sistema.

No primeiro, apresenta o fenômeno, simples apenas na aparência, para mostrar que ele abrange toda a  estrutura de poder, embora em decadência. É um sistema em que o poder é exercido por reciprocidades e favores entre o poder político centralizado e o poder rural. Ainda era muito forte, pois, os coronéis detinham os votos dos empregados, meeiros e agregados. Esse poder, inclusive aumenta, à medida em que o voto tende a se universalizar, com a aprovação do voto feminino. Em contrapartida, o coronel recebia favores, empréstimos e um poder extra legal das forças de segurança. São votos cabresteados em favor de um  poder central maior. Esse extra legal foi uma das anomalias que ajudou a fortalecer o sistema. 

O segundo capítulo mostra o tamanho do poder local, que aumenta ou diminui, conforme as disposições do poder maior. Assim as Câmaras Municipais eram fortes no período colonial, quando exerciam funções administrativas, executivas, judiciárias e policiais. Era o tempo do apogeu de seu poder em virtude da fragilidade do poder central. Com a mineração perderam força para juízes de fora, ouvidores e governadores e mais ainda, em 1808, com a vinda família real ao Brasil. Esse poder se manteve enfraquecido ao longo do tempo, com a nomeação do poder municipal ao encargo do poder estadual. A situação se altera apenas com a Constituição de 1946, a Constituição da redemocratização. Lembremos que o livro é de 1948.

No terceiro, mostra a forma como eram eleitos ou indicados os executivos do poder municipal. Tudo obedece à lógica das Constituições de 1891, 1934, 1937 e 1946. Em geral eles eram indicados pelos governos estaduais. O poder de intervenção sempre era maior nas capitais, estâncias hidrominerais e áreas de segurança. Nos anos 1940 o eleitorado rural chegava a quase 90% do total. No Estado Novo a nomeação dos prefeitos era função do interventor estadual, sob o pretexto de evitar a volta dos coronéis.

O quarto capítulo fala das rendas. Elas sempre foram ínfimas, de penúria, mesmo. O autor apresenta um quadro do início da República. 63% das rendas eram da União, 28% dos estados e 9% dos municípios. A situação começa a se alterar em 1946, quando ganharam o direito de tributar e passaram a receber 10% do Imposto de Renda. Apenas as capitais e grandes centros urbanos usufruíam de alguns privilégios. O autor analisa também a oposição que havia entre o meio rural agrícola e o industrial urbano. Apenas o mundo urbano e a melhora da situação social do campo poderia favorecer o mercado interno, requerido pela industrialização. A miséria do campo era um dos sustentáculos do coronelismo.

No quinto capítulo são mostradas as maiores aberrações do sistema. A instituição policial e judiciária será confiada e atuará em função da manutenção do poder. O poder da força será exercido em favor dos detentores do poder político. No período colonial as forças eram uma só. Na independência a máquina policial e judiciária atuavam à serviço do Império. Na República, uma das funções essenciais era a garantia das eleições a serviço da manutenção do poder. Aos poucos começam os ares de profissionalização das instituições.

O sexto capítulo examina a questão das eleições e o seu ordenamento jurídico. No Império havia o poder das mesas. Na República se institui o bico de pena, em que as decisões ficam a cargo das mesas eleitorais. Há ainda o instrumento da degola, pela qual as assembleias tinham poder de vetar nomes da oposição que não agradavam. Em 1932 é criado o Código Eleitoral e na Constituição de 1946 é criada a Justiça Eleitoral, como um dos órgãos do Poder Judiciário. De maneira geral, a sua atuação é sempre em favor do sistema.

No sétimo capítulo, as teses do livro são retomadas. O coronelismo é mostrado como um sistema de afirmação de um poder anormal, pela manipulação de uma multidão de eleitores incapacitados para votar. Reafirma que os coronéis eram o elo fraco de um sistema de poder dominado pelo poder dos Estados. 1930 representava o fim desse sistema de poder, que, no entanto, tem poder de sobrevida, para influenciar negativamente toda a vida brasileira. Assim se expressa Bolívar Lamounier ao final de sua resenha: "O senhorio rural que se formou a partir da agricultura latifundiária foi, em nossa história, um poderoso fator de retardamento na modernização do país. Esse retardamento não se deveu apenas às disfunções econômicas de uma agricultura com alta concentração da propriedade fundiária. Deveu-se também, ou sobretudo, à característica tendência dessa camada dirigente de se apoderar do poder público para fins privados (o chamado patrimonialismo) e à acentuada desigualdade social que sempre tolerou e até estimulou, e cuja prova maior é o extremo atraso educacional do interior brasileiro.

Queria aproveitar para destacar essa importante característica na formação anômala da sociedade brasileira. O Patrimonialismo. Poucas vezes o vi tão clara e precisamente definido: "uma tendência  dessa camada dirigente de se apoderar do poder público para fins privados".

Lembrando que os limites do livro se estendem até o ano de 1948. O autor previu melhoras no sistema de poder, em função de três elementos que enfraqueciam o antigo sistema de poder: O crescimento da população e a sua concentração urbana; o aperfeiçoamento do sistema eleitoral sob o comando da Justiça Eleitoral e uma maior politização da população brasileira. Deixo o parágrafo final da resenha: "Atuando em conjunto, esses fatores comprovaram a tese que Victor Nunes Leal expôs com notável argúcia já em 1948: a de que o 'coronelato' rural tenderia a perder rapidamente a sua velha importância política, entreabrindo-se dessa forma amplos horizontes para o desenvolvimento, entre nós, da democracia representativa".

O livro que eu possuo é da Companhia das Letras, 7ª edição. 2013. Ela tem três prefácios. O da sétima edição, assinado por José Murilo de Carvalho, o da terceira edição, de Alberto Venâncio Filho e o da segunda edição, de Barbosa Lima Sobrinho. Simplesmente preciosidades. Profundos e saborosos. Contextualizações e recepção da obra.

Duas observações. O notável Antônio Cândido aponta Coronelismo, enxada e voto como um dos dez livros mais representativos para explicar e se compreender o Brasil. E quem seriam os coronéis de hoje que entravam a verdadeira representação eleitoral e mantém as bases injustas e emperradoras de uma economia mais dinâmica e pujante? E só para pensar! Agronegócio. Comunicações. Indústria cultural. Centrão. Deixo ainda a resenha anterior. Caio Prado Júnior. Formação do Brasil Contemporâneo. Colônia. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/04/um-banquete-no-tropico-12-formacao-do.html


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