terça-feira, 5 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 9. Retrato do Brasil. Paulo Prado.

 Esse é o nono trabalho do presente projeto

 - http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html.

Trata-se da resenha escrita por Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da UNESP de Araraquara, do livro Retrato do Brasil, de Paulo Prado. O texto encontra-se em Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, livro organizado por Lourenço Dantas Mota, das páginas 191 a 213. O livro de Paulo Prado (aquele que teria tornado possível a Semana da Arte Moderna), teve a sua primeira edição no ano de 1928. 

No volume I., a nona resenha.

Paulo Prado nasceu em São Paulo no ano de 1869 e morreu no Rio de Janeiro em 1943. Pertencia à aristocrática família Prado, sobrinho de Eduardo, o mais envolvido com as atividades culturais. Marco Aurélio Nogueira faz a sua primeira observação da obra, destacando a data de sua publicação. 1928. Nesse ano já era possível antever as crises que pairavam no horizonte e que ocorreriam a partir dos anos 1930. A década de 1920 fora uma década de efervescências. A Semana de Arte Moderna, a criação do Partido Comunista Brasileiro, os tenentes... O país estava em busca de uma identidade. Paulo era muito próximo do historiador Capistrano de Abreu.

Paulo Prado concebia o Brasil como um país inaceitável. O seu passado colonial fora horroroso. Considerava o país atrasado até a medula, carregado de vícios e deformações, com um povo largado e elites mesquinhas, ou em citação sua no post scriptum do Livro: "O Brasil, de fato, não progride: vive e cresce, como cresce e vive uma criança doente, no lento desenvolvimento de um corpo mal organizado". Os males do nosso período colonial. O Brasil Império não trouxe alternativas.

A essa altura o livro faz a pergunta fundamental, a de como chegamos a ser o que somos? A resposta já pode ser encontrada no primeiro parágrafo do livro: "Numa terra radiosa vive um povo triste. Legaram-Lhe essa melancolia os descobridores que a revelaram ao mundo e a povoaram. O esplêndido dinamismo dessa gente rude obedecia a dois grandes impulsos que dominam toda a psicologia da descoberta e nunca foram geradores de alegria: a ambição do ouro e a sensualidade livre e infrene que, como culto, a Renascença fizera ressuscitar". Os impropérios contra a colonização continuam: "Corsários, flibusteiros, caçulas das antigas famílias nobres, jogadores arruinados, padres revoltados ou remissos, vagabundos dos portos do Mediterrâneo, anarquistas, em suma, na expressão moderna, e insubmissos às peias sociais - toda a escuma turva das velhas civilizações, foi deles o Novo Mundo". Tudo o que veio a acontecer, aconteceu sob o domínio do homem branco e num ambiente em que havia a falta completa de mulheres, os males da mestiçagem apareceram. Vejamos:

"Do contato dessa sensualidade com o desregramento e a dissolução do conquistador europeu surgiram as nossas primitivas populações mestiças. Terra de todos os vícios e de todos os crimes. Segundo o próprio testemunho dos escritores portugueses contemporâneos, a imoralidade dos primeiros colonos era espantosa, e excedia toda medida". Aqui esses colonizadores, após vencerem as hostilidades da natureza "nenhum obstáculo encontravam para a satisfação dos vícios e desmandos que na Europa reprimiam uma lei mais severa, uma moral mais estreita e um poder mais forte. Entregavam-se com a violência dos tempos à saciedade das paixões de suas almas rudes". Junto aos males de sedução, uma outra paixão, ainda mais tirânica o dominaria: "a cobiça insaciável, na loucura do enriquecimento rápido". Mas também constata que o ouro empobrecera o país: "Os olhos fixos na loteria da mina surgindo de repente, a população vivia entre a mais abjeta indolência e frenesi de mineração desordenada. De fato só o negro trabalhava". E sintetiza toda essa situação:

"Na luta entre esses apetites - sem outro ideal, nem religioso, nem estético, sem nenhuma preocupação política, intelectual ou artística - criava-se pelo decurso dos séculos uma raça triste. A melancolia dos abusos venéreos e a melancolia dos que vivem na ideia fixa do enriquecimento - no absorto sem finalidade dessas paixões insaciáveis - são vincos sem fundos na nossa psique racial, paixões que não conhecem exceções no limitado viver instintivo do homem, mas aqui se desenvolveram de uma origem patogênica provocada sem dúvida pela ausência de sentimentos afetivos de ordem superior. Foi na exaltação desses instintos que se formou a atmosfera especial em que nasceu, viveu e proliferou o habitante da colônia".

Assim estaria o Brasil atado a um passado colonial irreversível, provocado pela luxúria, pela cobiça e pela melancolia. No Brasil, ele concluirá, "o véu da tristeza se estende por todo o país". E neste véu de tristeza, todos estariam incluídos: negros, índios, mamelucos, reinóis, colonos, ricos, pobres, livres e cativos. Todos estavam contaminados por uma melancolia incapacitadora, alienante e regressiva. A isso ainda se somaria o romantismo.

Creio que já devem ter se perguntado. E saídas? Elas existem? Marco Aurélio aponta que certamente Paulo Prado previa as crises que se prenunciavam. Lembrem-se que o livro chegou às livrarias em 1928. Guerra ou Revolução? Revolução que não fosse uma mera conquista de poder. Como romper com o passado é uma pergunta a qual ele não responde. Não aplaudiu a ascensão de Getúlio e, em 1932, segundo Marco Aurélio, foi tomado pelo "paulistismo". Na direção da Revista Nova, faz duras críticas a Vargas, especialmente ao Vargas ditador. Parece que o próprio Paulo Prado, depois do êxito inicial do livro, com ele meio que se decepcionou, não promovendo nenhum esforço por reeditá-lo.

Deixo três críticas ao livro: A do historiador Nelson Werneck Sodré, que o considerava como um retrato de classe e não do povo. Discordava dele pela visão negativa a respeito do povo inferiorizado pelas suas origens e dizia que ele representava "o desespero burguês ante a falta de perspectiva histórica para a sua classe". Lembrando, Werneck era um historiador marxista. A segunda crítica, de Oswald de Andrade, é bem humorada. Afirma que o livro é um "glossário histórico de Macunaíma" e que " a luxúria brasileira não pode ser julgada pela moral dos conventos inacianos". A terceira é de Sérgio Milliet, certeira: "Essa tristeza doentia que brota da conjugação da vontade de poder somada à luxúria e à cobiça se há de afigurar aos estudiosos da psicologia social extremamente imaginosa e bem pouco objetiva. No diagnóstico apressado e brilhante de Paulo Prado não entram nem os fatores econômicos nem as condições biológicas. Romântico e fácil é o pensamento que veste uma forma clássica e trabalhada".

Deixo ainda a resenha do trabalho anterior, Capítulos de História colonial de Capistrano de Abreu.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/um-banquete-no-tropico-8-capitulos-de.html 


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