quinta-feira, 21 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 32. Populações meridionais do Brasil. Oliveira Viana.

Este é o trigésimo segundo trabalho do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se da resenha feita por Gildo Marçal Brandão, professor do departamento de Política da Universidade de São Paulo, de Populações meridionais do Brasil, de Oliveira Viana. A resenha encontra-se no livro Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, volume II, páginas 299 a 325, livro organizado por Lourenço Dantas Mota. O livro possui dois volumes, sendo o primeiro publicado em 1920 e o segundo em 1952. Um terceiro volume foi projetado, mas nunca publicado.

No volume II, a resenha de Populações meridionais do Brasil.

A culpa dos problemas brasileiros deve ser debitada na conta dos liberais, por quererem transplantar para cá o parlamentarismo inglês, a democracia liberal francesa e o federalismo e a descentralização dos Estados Unidos. Por sermos distintos desses povos, não poderíamos ter copiado suas instituições, mas sim, ter criado as nossas, a partir do conhecimento de nós mesmos, pelo conhecimento de nossa formação histórico-social, pela criação de instituições políticas próprias. Como remédio, pregava a necessidade de uma "coragem infinita", de "contravir ostensivamente às ideias de liberdade" e construir um poderoso Estado centralizado, "capaz de impor-se a todo o país pelo prestígio fascinante de uma grande missão nacional". É assim que, mais ou menos, Gildo Marçal Brandão abre a resenha do livro de Oliveira Viana, Populações meridionais do Brasil.

Para isso, Oliveira Viana, fluminense de Saquarema, formado em direito pelo Rio de Janeiro, militante na imprensa do estado, se embrenhou por um vasto campo de pesquisas, das quais deveriam sair três livros. Dois efetivamente aconteceram. O primeiro foi escrito entre 1916-1918 e publicado em 1920, com o título Populações meridionais do Brasil. O livro foi recebido com raro entusiasmo e se somava à todas as críticas que se dirigiam ao regime republicano brasileiro. Ele estudava as populações de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. O principal fundamento da obra é o racismo e a condenação da mestiçagem, que serviram de artilharia contra ele, disparadas por autores como Sérgio Buarque de Holanda, Nelson W. Sodré, Dante M. Leite, José Honório Rodrigues e Vanilda Paiva. Bateram pesado em suas concepções arianizantes, de centralização e de um Estado forte e autoritário.

Se jogássemos fora essas velharias racistas, nos assegura o resenhista, o livro poderia figurar ao lado da obra de Gilberto Freyre e de Caio Prado Júnior, na estante de livros sobre a formação do pensamento social e político brasileiro. Apesar de tudo ele aponta para as grande feridas incrustadas em nossa história. O seu livro estuda as instituições e a psicologias das populações, paulista, fluminense e mineira, no primeiro volume e os gaúchos, no segundo. Este segundo volume aparece apenas em 1952, livro póstumo e em condições que já não lhe eram mais favoráveis. O terceiro volume, sobre as populações setentrionais, com foco maior no Ceará, não chegou nem a ser começado. Trata-se de um projeto extremamente ambicioso.

Qual era a sua intenção? O que lhe interessa, afirma o resenhista, é, com base nesse conhecimento 'realístico" e "objetivo, formular um projeto de um novo Estado e uma nova diretriz política capaz de criar uma nação solidária, retomando a obra interrompida dos "reacionários audazes" que salvaram o Império. A crítica dirige-se a intelectuais juridicistas como Ruy Barbosa.

Os seus livros constituíam assim, um projeto de salvação para o país. O resenhista aponta tratar-se de um livro de difícil leitura, por falta de uma maior sistematização e em que o principal nem sempre está evidente. São matérias ajuntadas, sem as costuras de ligação. Os dois volumes poderiam ter sido bem enxugados. No volume sobre o sul aborda o conflito entre portugueses e espanhóis, entre outros temas, como os dez anos da República Piratini. O seu principal foco é o da formação de uma aristocracia rural, dotada de rara nobreza. Se formaram três grandes tipos de povo, conforme as diferentes regiões. Também existe uma certa tensão entre os dois volumes. Não consegue harmonizar "a franca apologia ao espírito guerreiro e político, autoritário e democrático do gaúcho, nem sempre compatível com a "função providencial" e "força ponderadora" que reserva às populações meridionais", nos assevera o resenhista.

O resenhista também faz uma importante observação com relação ao método da obra. Por método se entendia a posição que o autor tomava diante da realidade, bem como o uso do conhecimento para mudar essa realidade. Dessa forma seus inimigos eram o bacharelismo dos políticos e juristas, com raciocínios abstratos e soluções livrescas, contra as quais apresentava suas soluções fundadas no conhecimento obtido através de suas pesquisas. Considera que ao longo dos primeiros séculos coloniais houve duas grandes rupturas: A primeira, a da independência, com muitas permanências e a segunda, com a República e a descentralização. Esta foi precedida pela abolição, com a desestruturação total da nossa economia. Dá grande destaque para a questão de que na formação brasileira o rural prevaleceu sobre o mundo urbano. Nesse mundo rural formou-se uma aristocracia, merecedora de todos os seus elogios.

E aí, como nos aponta a resenha, seguem-se as partes mais criticadas do livro. Afirma que os primeiros portugueses que aqui aportaram não eram degradados, mas pertenciam a mais alta nobreza, eram cultos, ativos e empreendedores. Eugenicamente eram e se mantiveram puros. Reproduziram os seus valores em São Paulo e em Pernambuco. Ao longo de três séculos passaram por um processo seletivo de formação de uma aristocracia rural. Tinham pela frente um mundo a explorar. Os caminhos apontavam para o interior, como aconteceu, especialmente com a descoberta do ouro em Minas Gerais.

Esta aristocracia rural se constitui no "centro de polarização dos elementos arianos da nacionalidade". Mantiveram as melhores qualidades de sua ancestralidade lusitana. A dissolução acontecia na plebe, que acusa de debilidade moral. Mas estes não ascendiam. Vejamos uma citação sua: "Os preconceitos de cor e sangue, que reinam tão soberanamente na sociedade do I e II e III séculos, tem, destarte, uma função verdadeiramente providencial. São admiráveis os aparelhos seletivos, que impedem a ascensão até às classes dirigentes desses mestiços inferiores, que formigam nas subcamadas da população dos latifúndios e formam a base numérica das bandeiras colonizadoras".

Além da miscigenação, a grande propriedade levou ao imperativo da escravidão e, pela ausência de oportunidades, à simplificação da estrutura social, sempre apenas, dual. Em suma, os primeiros séculos foram marcado por poucos conflitos externos, nada além de escaramuças litorâneas e no sul e na questão interna nem índios, nem quilombolas ofereceram grande resistência. Os clãs patriarcais marcaram três séculos de colonização. Havia pouca solidariedade social e a justiça era um instrumento de dominação do senhor. Assim sintetiza esse período colonial:

"As instituições de ordem administrativa e política, que regem nossa sociedade durante a sua evolução histórica, não amparam nunca, de modo cabal, os cidadãos sem fortuna, as classes inferiores, as camadas proletárias contra a violência, o arbítrio e a ilegalidade. Por outro lado, esse amparo também não encontram elas em quaisquer outras instituições de ordem privada e social".

A terceira e quarta parte dos dois volumes são dedicados às funções sociais da aristocracia. Elas eram alijadas das decisões. Todas elas eram da competência da Coroa. A vinda da família real afetou profundamente a estrutura social, com uma crescente tendência à urbanização. Todos queriam viver próximos à "Versalhes Tropical". E ao lado da aristocracia rural forma-se uma burguesia urbana, composta de portugueses sem pedigree. Ao redor da corte forma-se também um círculos de parasitas funcionários. A partir de 1818 começam as hostilidades contra os portugueses. Também as elites regionais, municipais e estaduais merecem a sua atenção.

O acidente da vinda de D. João alterou significativamente a nossa estruturação social. Com a independência entramos em nosso IV século de história, o mais promissor, em que o imperador conseguiu conter os caudilhos, em alternância de poder entre conservadores e liberas e vivemos um período de "unidade, ascendência, consolidação e estabilidade". Para isso muito contribuíram o Conselho de Estado e o Senado. O conselho era formado pelos homens da aristocracia rural. As medidas centralizadoras de 1841, tudo fizeram para melhorar a situação. A ordem centralizadora do império precisaria ser retomada. A ordem prevaleceria sobre a liberdade, para a construção da "boa ordem".

Por fim, o resenhista aponta para os objetivos da obra, - primeiro: "Realizar, pela ação racional do Estado, o milagre de dar a essa nacionalidade em formação uma subconsciência jurídica, criando-lhe a medula da legalidade, os instintos viscerais da obediência à autoridade e à lei, aquilo que Ihering chama 'o poder moral da ideia do Estado"' e, segundo:

"A predominância da autoridade sobre a liberdade resultava, portanto, da inorganicidade da sociedade civil. Nação e liberdade não sobreviveriam sem um Estado forte, qualificado, imune aos particularismos, capaz de subordinar o interesse privado ao social e controlar os efeitos destrutivos desencadeados com a Abolição. Direitos civis e unidade nacional garantidos pela centralização política, eis o programa de Oliveira Viana. O amplo diagnóstico de Populações meridionais do Brasil contém uma política - o fortalecimento e a modernização do Estado, o resgate das raízes agrárias da vida social, a educação das oligarquias, a recusa à democracia liberal e representativa, etc. -, mas será preciso esperar os anos 1930 para que ela se converta em políticas, em instrumentos estatais de intervenção social". Deixo ainda o livro de Oliveira Viana, Instituições políticas brasileiras, aqui já resenhado.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/04/um-banquete-no-tropico-14-instituicoes.html e, como de hábito, o último trabalho publicado, História da literatura brasileira de José veríssimo.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/05/um-banquete-no-tropico-31-historia-da.html

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