quarta-feira, 6 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 11. Raízes do Brasil. Sérgio Buarque de Holanda.

 Este é o décimo primeiro trabalho do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se da resenha feita por Brasílio Sallum Jr., professor de sociologia da Universidade de São Paulo, do livro Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. A resenha encontra-se no livro Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, livro organizado por Lourenço Dantas Mota, nas páginas 235 a 256. A primeira edição do livro data do ano de 1936. O Brasil está sob a efervescência dos acontecimentos da Revolução de 1930 e sob o cenário da aceleração do processo de urbanização e industrialização.


No volume I, a décima primeira resenha.

Inicialmente quero deixar registrado que à medida que vamos avançando em nosso processo de construção histórica, econômica e social, as análises se tornam mais complexas e novas categorias de análise vão tomando conta do cenário. É o que ocorre com o pequeno livro, simples e aparentemente de fácil leitura, Raízes do Brasil. Sérgio Buarque de Holanda nasceu em São Paulo em 1902. Ali fez os primeiros estudos, para, depois, formar-se em Direito no Rio de Janeiro. No Rio iniciou sua atividade profissional como jornalista e crítico literário. Completou seus estudos na Alemanha. Depois, após nova passagem pelo Rio, volta para São Paulo, para o Museu Paulista e para a USP. Em 1969 dela afastou-se, em solidariedade aos colegas vitimados pelo AI-5.

O pequeno livro, de sete capítulos, se ocupa de uma questão central. A transição vivida pelo Brasil nos anos 1930. Lembre-se que o livro tem a sua primeira publicação em 1936. Estamos, portanto, vivendo um tempo presente exprimido entre um passado a ser superado e um futuro se gestando sob as amarras comprometedoras desse seu passado. "As forças do passado ainda nos oprimem", diz o autor. O arcaico de nossa construção histórica só poderia ser superado por um processo revolucionário, um processo em aberto. Mas esse passado precisa ser conhecido.

Considera as nossas origens, o nosso passado ibérico e português, bastante singular e problemático. Considera que os pilares dessa construção são a cultura da personalidade, a valorização extremada do indivíduo, a sua autonomia e o espírito de não dependência dos outros. Essas são marcas deixadas pela nobreza e não da burguesia ascendente. Mas essa burguesia assimilou essas marcas, permitidas por uma menor hierarquia na estruturação das sociedades ibéricas. Seria uma ética de fidalgos. "A burguesia mercantil não precisou em Portugal adotar um novo modo de viver absolutamente novo, que marcasse predominantemente o seu predomínio. Ao contrário, procurou associar-se às antigas classes dirigentes e assimilar muitos dos seus princípios, guiar-se pela tradição, mais do que pela razão fria e calculista". Essa "razão fria e calculista" que não é portuguesa, nem ibérica, está presente em toda a sua análise. Por ser uma questão central, vamos ouvir Sallum Jr. em sua análise:

"Em suma, no mundo ibérico a cultura da personalidade associava-se a certa frouxidão da estrutura social, a uma falta de hierarquia organizada, em que os privilégios hereditários jamais tiveram influência muito decisiva, importando menos o nome herdado que o prestígio pessoal, relacionado com a abundância dos bens de fortuna, os altos feitos e as altas virtudes". Segundo o autor a conduta dos colonizadores se pautou por uma fraca capacidade de organização social, sempre superada pelos interesses particulares, pelo mérito pessoal, sempre considerado como superior aos méritos hereditários e pela imposição do Estado, como uma força externa, a manter e impor a ordem. Seria uma herança do Santo Ofício, pergunta. Depois seguem uma série de questões relacionadas ao trabalho.

O trabalho livre, explorador, aventureiro ou o trabalho "mecânico", ordenado e repetitivo? O trabalho visto sob o olhar da ética protestante ou por uma ética anterior a esse conceito? Aqui, afirma, sempre predominou o primeiro tipo, que sempre olhou para o objetivo final e pouco atentou para os meios. Assim o autor se expressa. "O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho". Esse foi o espírito que dominou a colonização e que permitiu rápidas adaptações e cópias de experiências alheias bem sucedidas. Além de cópias, também houve um espírito perdulário com a terra. Nenhuma preocupação com o ambiente. Esses fatores foram os responsáveis pelo êxito da colonização portuguesa e o insucesso dos holandeses que preferiram se concentrar em torno do centro urbano de Recife.

Numa parte intitulada - herança rural - o autor examina as relações na América portuguesa até a abolição da escravidão. Elas eram rurais. Somente após a abolição é que o Brasil começou a se urbanizar. E no mundo rural o domínio da família patriarcal foi absoluto. Uma herança do Direito Romano e do Direito canônico. O latifúndio era totalmente autossuficiente. Não havia a necessidade de centros urbanos. E o comportamento do "patriarca" era dentro do parâmetro do trabalho aventureiro. Ocorreu tudo dentro de um universo mental personalista, o que causou dificuldades a empreendedores liberais posteriores. Apesar de muitas de suas análises serem comuns aos povos ibéricos, traça diferenças entre os portugueses e os espanhóis. Aos portugueses, ele considera como semeadores e aos espanhóis como ladrilhadores. O semeador é mais solto, "desleixado".

Segue aí o famoso conceito de "homem cordial". Assim o define: "a lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, mas também a inimizade e outras condutas similares, desde que nascidas do coração. A cordialidade não tem nada a ver, como se poderia supor, com boas maneiras, com a civilidade e a polidez". É o oposto à "razão fria e calculista". É a busca de um novo viver em sociedade, "uma tentativa de reconstrução fora do ambiente familiar, no plano societário, do mesmo tipo de sociabilidade  da família patriarcal, de um tipo de sociabilidade dependente de laços comunitários".

Com os novos tempos, após a independência e da urbanização, criaram-se os descompassos. Novas realidades emergem, mas elas são obstaculizadas pela herança de um mundo rural, patriarcal e patrimonialista que impedem a renovação da sociedade. A raiz personalista e o caráter aventureiro continuam produzindo resultados. A aversão ao trabalho sistematizado continua. Mesmo entre os profissionais liberais, existe abandono de profissão em busca de ganhos maiores e mais fáceis. Vejamos o autor.

"A ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós. Só assimilamos efetivamente esses princípios até onde  coincidiram com a negação de uma autoridade incômoda, confirmando o nosso instintivo horror às hierarquias. [...] A democracia no Brasil sempre foi um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos e privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas. E assim puderam incorporar à situação tradicional, ao menos como fachada ou decoração externa, alguns temas que pareciam os mais acertados para a época e eram exaltados nos livros e discursos". Tudo tende para a conservação e não para a transformação.

Em suma, conclui Sallum Jr. na análise da obra, que as transformações em curso, da passagem de um mundo rural para um mundo urbano, do qual a abolição da escravidão foi o fato central, continuam arraigados, especialmente, o patriarcalismo e o patrimonialismo. Reformas estruturais e não cópias das Revoluções Francesa e Independência dos Estados Unidos, teriam que ocorrer. Essas cópias sempre foram mais aparato do que substância. Outro problema nosso sempre foi a aproximação impossível entre o liberalismo e o caudilhismo. Aqui sempre predominou um caráter oligárquico que "despersonalizou a nossa democracia".

Sallum Jr., nas conclusões da análise da obra, considera que transformações mais profundas, verticais, precisariam ocorrer. "Haveria que incluir no Estado as camadas sociais até então excluídas, romper com o padrão oligárquico do mando, democratizá-lo efetivamente; haveria que substituir as revoluções horizontais por uma 'revolução vertical' [...] que trouxesse à tona elementos mais vigorosos, destruindo para sempre os velhos e incapazes". Vejamos ainda os parágrafos finais de seu trabalho.

"Para Sérgio Buarque, uma revolução deste tipo não deveria excluir, expurgar, as classes superiores mas amalgamar a elas os elementos novos, as camadas até então marginalizadas da vida política.

Não se imagine, porém, que essa revolução vertical era, para o autor de Raízes, mera aspiração político-intelectual; era processo já em curso em vários países da América Latina, mormente o México e o Chile.

Mesmo que se reconhecesse que a referida transformação encontraria a resistência dos adeptos do passado, Raízes do Brasil finaliza com um tom otimista.

É que haveria certas características na formação nacional que favoreceriam o seu trânsito para uma forma verdadeiramente democrática de sociedade. Forma que não haveria de ser artificial e imposta, mas que teria que nascer organicamente das necessidades da sociedade brasileira em seu conjunto. Com isso se completaria a 'nossa revolução', a transição que é objeto intelectual, experiência vivida e aspiração política de Sérgio Buarque de Holanda".

Sempre que falei de Sérgio Buarque de Holanda ressaltei essa questão de que as transformações trazidas pela urbanização e industrialização poderiam ocorrer. O nosso passado não ofereceria heranças intransponíveis para que isso acontecesse. Lembro ainda um dos últimos atos de sua vida. No ano de 1980, ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores, passando a ser o portador da ficha número três de filiação, depois de Mário Pedrosa e Antônio Cândido. Deixo ainda a resenha do trabalho anterior, http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/04/um-banquete-no-tropico-10-casa-grande.html



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