quarta-feira, 13 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 22. História geral do Brasil. Francisco Adolfo de Varnhagen.

 Este é o vigésimo segundo trabalho do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se da resenha escrita por Lúcia Maria Paschoal Guimarães, professora de historiografia brasileira da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e pesquisadora da USP, da obra História geral do Brasil, de Francisco  Adolfo de Varnhagen, visconde de Porto Seguro. A resenha encontra-se em  Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, livro organizado por Lourenço Dantas Mota, nas páginas 75 a 96, do volume II. O livro, importante e polêmico, teve a sua primeira edição lançada em Madri, no ano de 1854. 

Volume II. A resenha da obra de Varnhagen.

A resenha começa com a apresentação de dados biográficos. Varnhagen nasceu em Piracicaba em 1816, filho de um coronel, engenheiro militar alemão, que trabalhava para a Coroa portuguesa e que cumpriu uma missão no Brasil. Varnhagen fez os seus estudos no Real Colégio Militar de Lisboa, mas desde cedo mostrou inclinação pelos estudos de história. Radicado no Rio de Janeiro, irá trabalhar no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fundado em 1838, com subsídios imperiais. Tornou-se próximo do imperador. Cumpriu várias missões diplomáticas, fato que lhe permitiu viagens e acesso a muitas fontes para as suas pesquisas. Morreu no ano de 1878 em Viena.

O passo seguinte da resenha é a apresentação da obra e uma análise de seu conteúdo. É uma obra longa, que com o tempo e as revisões foi se tornando mais enxuta. A sua delimitação vai dos descobrimentos até a proclamação da independência. O autor segue a ordem cronológica dos fatos e o Brasil é visto como uma continuidade da história de Portugal, começando pela viagem de Cabral. O tratamento dado aos indígenas foi a parte da obra que mais recebeu críticas, mas ele não a alterou em nada. A visão que tem deles é absolutamente negativa. São mostrados como selvagens, "falsos, infiéis, desconfiados e ingratos". O livro registra a origem do nome, derivado da primeira riqueza comercial aqui encontrada, o pau-brasil. A descrição continua com a apresentação das características territoriais, acidentes geográficos, clima, paisagens, a flora e as imensas florestas. E também os índios e a sua língua.

Mas onde o historiador se dá melhor é na análise dos documentos oficiais. A colônia será vista como uma herança portuguesa do Tratado de Tordesilhas, pelo qual o mundo foi dividido entre os Avis e o Reino de Castela. Reconhece que houve navegadores anteriores a Cabral, mas que este teve um plano de viagem, com a finalidade da instalação de feitorias no oriente. Transcreve também a carta dos descobrimentos, a carta de Caminha. A descrição segue mostrando o pouco interesse português nos primeiros anos, em virtude dos interesses concentrados na Índia e que a mudança de atitude só ocorreu em virtude da presença dos francesa e a sua celebração de alianças com os indígenas. Assim recebemos, com Martim Afonso de Sousa, o primeiro empreendimento colonizador. Capitanias hereditárias foram doadas, com imensas vantagens para a Coroa. Celebra-se o Pacto Colonial.

Depois das questões institucionais, a descrição continua com os relatos da vida cotidiana. Aparece a sua visão tendenciosa contra os indígenas e condizente com os colonizadores, reconhecendo porém, uma série de influências que eles exerceram sobre a vida dos colonos, que em muito facilitaram suas vidas e lhes asseguraram a própria sobrevivência. Com exaltações celebra a sobrevivência e o domínio dos hábitos europeus, especialmente os da vida religiosa. As relações de trabalho também recebem a sua atenção e, mais uma vez, manifesta a sua visão preconceituosa. Foi a indolência dos índios que forçou a escravidão dos negros africanos. A crítica também será pesada contra os padres jesuítas pela sua proteção aos indígenas e os acusa de quererem formar um Estado dentro do Estado.

A escravização dos negros em massa, que só ocorreu após a proibição da escravidão indígena, não era estranha a Portugal. Já a praticavam, junto com o tráfico, na Ilha da Madeira e nos Açores. Deplorou as condições do tráfico e da escravidão, embora a considerasse muito mais branda que a dos Estados Unidos. Reconheceu a sua importância para a economia brasileira em toda a sua extensão, da lavoura canavieira até a cafeeira. A cor negra deveria desaparecer com o tempo, através da miscigenação. Também critica a vida dos colonos e atribui os excessos praticados, às necessidades de povoamento. Essa necessidade foi também a responsável pelo grande afrouxamento moral. Infratores de toda ordem foram aqui tolerados.

A narrativa segue com a implantação dos Governos Gerais. Por eles deveria ser assegurada a posse dos territórios, bem como promover a sua expansão, se possível até o Peru, na busca do cobiçado ouro. Nessa parte as invasões estrangeiras ganham destaque, especialmente, a dos holandeses. Essa parte é reconhecida pelos historiadores como uma das melhores de seu livro. Também faz um balanço geral das guerras do açúcar e ressalta que a expulsão dos holandeses provocou um primeiro sentimento nativo e sedimentou a unidade de três raças em torno de uma única causa. Daí em diante, segundo a resenhista, a obra perde fôlego. Os temas abordados são os da ocupação do interior, bandeirantes, Colônia do Sacramento e os quilombos.

Ainda segundo a resenhista, a obra retoma o seu fôlego com a entrada no século XVIII, com a descrição do ciclo do ouro e o grande deslocamento de populações para as minas, quando "O Brasil é povoado de um só golpe", numa expressão de Capistrano de Abreu. Ainda, na expressão desse historiador, o século XVIII "é o século das minas, das guerras espanholas, das demarcações de fronteiras, da expulsão dos jesuítas, das tentativas de independência". Capistrano considerava que Varnhagen não tinha estofo intelectual para examinar esse período. Varnhagen considerou arbitrárias as ações da Coroa, relativas ao ciclo do ouro, com destaque para a proibição da instalação de manufaturas e a derrama. Isso provocou, segundo ele, a "prematura" ação de Tiradentes.

O livro termina com a vinda da família real ao Brasil e a instalação da corte no Rio de Janeiro. D. João VI é descrito como um homem de "bondoso caráter, pio, dotado de felicíssima memória, e sem maiores ambições políticas". Em torno dele teria se formado uma certa corte intelectual, com destaque para José Bonifácio. Ao traçar o panorama cultural da colônia, fala das nefastas influências do iluminismo e da presença de escritores subversivos "infectados dos abomináveis princípios franceses". Aqui chegaram as chamas incendiárias da Revolução Francesa e das rebeliões negras de S. Domingos (Haiti) e até ideias socialistas, como na Conjuração dos Alfaiates, na Bahia, em 1798. Desmereceu a Revolução Pernambucana, classificando-a como um motim de quartel, de militares insubordinados.

O livro não termina com a independência, causada fundamentalmente pela Revolução do Porto, mas com o relato positivo de viajantes que por aqui passaram. Aí a resenhista, depois de apresentada a obra, parte para as suas apreciações finais, destacando duas questões: a extrema lealdade do historiador a D. Pedro II e a má recepção de sua obra, lançada em Madri (1854 - 1857 - em 2 volume), aqui no Brasil, por parte do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em virtude da visão preconceituosa contra os indígenas, ainda mais, em tempos do romantismo.

A resenhista conta que a reabilitação veio com Capistrano de Abreu, que nos apresenta um pesquisador incansável, passível de críticas, extremamente erudito e de absoluto rigor no trato com as fontes. Assim ela termina a sua análise: " A História geral do Brasil, com suas páginas cheias de referências luso-brasileiras, retrata também a atmosfera de uma época. Escrito no início da década de 1850, o livro reflete a problemática do processo de consolidação do Estado nacional. Se a discussão acerca das raízes da nacionalidade dividia as opiniões dos letrados, não havia dúvidas quanto às origens do Estado. Essa questão já estava bem definida, sobretudo no âmbito do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que desde 1838 vinha construindo a memória do país recém-independente, dotando-o de um passado adequado às pretensões da monarquia instaurada. Memória marcada pelo traço da continuidade, em que o Estado estabelecido em 1822 constituía-se no legítimo herdeiro e sucessor do Império ultramarino português. Legado que se sustentava desde o idioma de Camões até a presença de um representante da dinastia de Bragança no Trono brasileiro. E não resta dúvida de que Varnhagen foi o autor que melhor desenvolveu essas premissas". Deixo ainda a resenha do trabalho anterior, da obra de Serafim Leite.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/05/um-banquete-no-tropico-21-historia-da.html

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