segunda-feira, 4 de julho de 2022

Jorge Amado. A fundação do PT. Navegação de cabotagem.

No quinto volume dos livros de Élio Gaspari sobre a ditadura militar, A ditadura acabada, ele fala do declínio dos partidos comunistas ao longo e, especialmente, ao final dos anos 1970, como partidos hegemônicos da esquerda brasileira. É um fenômeno mundial de corrosão do socialismo real na União Soviética, já a partir dos meados da década de 1950. Em 1956 ocorreu o XX Congresso do PCU e nele são feitas revelações bombásticas do que foi o regime sob o stalinismo. Com o declínio dos partidos comunistas surge uma nova esquerda, seja em âmbito mundial, seja no Brasil. Deixo o link, a respeito da matéria do Élio Gaspari.http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/02/final-dos-anos-1970-os-partidos.html


Navegação de cabotagem. O livro de memórias de Jorge Amado. Companhia das Letras. 2012.

Agora, revendo o livro de Jorge Amado, Navegação de cabotagem, me deparo com os seus apontamentos sobre a fundação do Partido dos Trabalhadores. Creio que todos sabem que Jorge Amado foi um ardoroso militante do Partido Comunista. Foi deputado constituinte pelo Partidão em 1946. Foi o responsável, inclusive, pela inscrição nessa Constituição do artigo sobre a liberdade religiosa. Sem dúvida, um grande feito. As observações de Jorge, ocupam parte das páginas 37 e 38. Eis o que diz:

São Paulo, 1981. Esperança vã.

"A FUNDAÇÃO DO PARTIDO DOS TRABALHADORES, em pleno regime militar, me entusiasma, o PT nasce nos sindicatos, parido pelas greves dos metalúrgicos, auspiciosa notícia. Vamos ter, por fim, um verdadeiro partido operário, integrado, orientado, dirigido por trabalhadores. Acaba-se o tempo dos falsos partidos operários - os partidos comunistas e trotskistas, os trabalhistas - nos quais intelectuais, em sua maioria medíocres e presunçosos, pequeno-burgueses arrogantes e vazios, ditam ordens com acento portunhol, arrogam-se representantes do proletariado, em seu nome sonham assumir o poder e mandar brasa. Fardam-se com uniformes de dirigentes revolucionários, leem, sem muito entender, brochuras traduzidas do russo ou do chinês, para o espanhol, consideram-se sábios, arrotam teorias, juram por Marx e Lênin, por Stálin (ou Trótski) e Mao, seriam grotescos se não fossem perigosos: no poder não há quem os segure, serão capazes de qualquer estupidez, de qualquer monstruosidade, como está sobejamente provado - Stálin continua a ser o ídolo a imitar.

Conheci e tratei com muitos desses indivíduos, em escalões diversos de poder - por vezes o pequeno poder de uma célula do Partido -, alguns não eram más pessoas, mas estavam todos deformados. De repente perdiam a fisionomia humana, bonecos repletos de ideologia de segunda mão, de marxismo, de leninismo, de maoísmo, aprendida de oitiva, pois não são de muito ler - no particular não lhes nego certa razão, pois Marx reinventado em soviético é dose para elefante, fica tão estulto quanto chato.

Ah! o bode perde o pelo mas não perde o ranço, ao saber da fundação do PT bati palmas, veemente, tomado de entusiasmo, rasguei elogios nas colunas dos jornais, congratulei-me com Eduardo Suplicy. A ilusão durou pouco, logo o PT virou frente de grupelhos e de siglas radicais, os mesmos subintelectuais dos pecês (acrescidos dos padres corajosos e sectários da teologia da libertação), sob o comando de ex-dirigentes stalinistas e maoístas que perderam toda e qualquer perspectiva política, já não acreditam em nada: são apenas aproveitadores. O PT ficou igual a qualquer dos antigos partidos operários, a qualquer dos partidos brasileiros, um saco de gatos.

Em verdade não existem partidos políticos no Brasil com princípios e compromissos, existem frentes onde cabem todos os segmentos ideológicos, onde convivem direita e esquerda no vaivém dos interesses pessoais. Não são partidos, são siglas que se intitulam democráticas, trabalhistas, social-democráticas, liberais, socialistas, sem que tais denominações tenham a ver com a tomada de posição, razão de luta ou de governo, uma desfaçatez. E ainda por cima pretendem estabelecer o parlamentarismo. Parlamentarista que sou, tremo de medo. Parlamentarismo sem partidos, ah! esse parlamentarismo à brasileira vai ser uma graça, uma bombachata"!

Poucas vezes vi Jorge Amado tão ácido em sua crítica e, vejam, ela é datada. A primeira edição do livro é de 1992. A memória retrocede ao ano de 1981. Seu falecimento ocorre em 2001. O que diria Jorge se estivesse vivo nos dias de hoje? Sem dúvida, Jorge é uma voz autorizada. E que texto para fazer reflexões nos dias de hoje. E uma palavra sobre o livro. Que livro maravilhoso! Adoro livro de memórias.



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