segunda-feira, 11 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 19. A revolução burguesa no Brasil. Florestan Fernandes.

Este é o décimo nono trabalho do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se da resenha feita por Gabriel Cohn, professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo, da obra A revolução burguesa no Brasil, de Florestan Fernandes. A resenha encontra-se no livro Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, livro organizado por Lourenço Dantas Mota, nas páginas 393 a 412. O livro tem toda uma história. Ele sofreu interrupção na sua escrita, assim como a própria vida acadêmica do autor. Uma obra que fala da autocracia da burguesia brasileira. O próprio Florestan nos conta:

Mais uma resenha. Também do volume I.

"Comecei a escrever este livro em 1966. Ele deveria ser uma resposta intelectual à situação política brasileira que se criara com o regime instaurado em 31 de março de 1964". A aposentadoria compulsória na USP o levou à Universidade de Toronto. Tempo integral nessa nova tarefa. Nesse período havia escrito a primeira e a segunda parte, que foram retomadas em 1973, quando foram escritos também os capítulos 6 e 7. Ele fala do caráter não acadêmico do livro e, assim o apresenta: "Trata-se de um ensaio livre, que não poderia escrever, se não fosse sociólogo. Mas que põe em primeiro plano as frustrações e as esperanças de um socialista militante". Em 1974 o ensaio é publicado. Uma obra extremamente complexa.

Gabriel Cohn inicia sua resenha exatamente por essa apresentação de dados biográficos. Reforça a sua condição de militante socialista, com a participação na fundação do Partido dos Trabalhadores em 1980 e como deputado constituinte da Constituição de 1988. Como se trata de um trabalho extremamente complexo, tanto o livro quanto a resenha do especialista, deixo o sumário do livro, que sempre considero um bom guia.

Primeira parte: As origens da revolução burguesa. Introdução. Capítulo 1. Questões preliminares de importância interpretativa. Capítulo 2. As implicações sócio econômicas da independência. Capítulo 3. O desenvolvimento histórico da revolução burguesa.

Segunda parte: A formação da ordem social competitiva (fragmento). Capítulo 4. Esboço de um estudo sobre a formação e o desenvolvimento da ordem social competitiva.

Terceira parte: Revolução burguesa e capitalismo dependente. Introdução. Capítulo 5. A concretização da revolução burguesa. Capítulo 6. Natureza e etapas do desenvolvimento capitalista: - emergência e expansão do mercado capitalista moderno; - emergência e expansão do capitalismo competitivo; - emergência e expansão do capitalismo monopolista. Capítulo 7. O modelo autocrático burguês de transformação capitalista: - dominação burguesa e transformação capitalista; - contra-revolução prolongada e "aceleração da história"; - estrutura política da autocracia burguesa; - resistência ou colapso da autocracia burguesa.

Continuando a sua resenha Cohn apresenta o tema do livro. Do que ele trata? Da revolução burguesa ou do Brasil ou de ambos? "É do Brasil que se trata, e do Brasil contemporâneo, aquele no qual Florestan estava visceralmente envolvido, como intelectual e como cidadão politicamente oposicionista em nome de antigos compromissos de militância socialista", nos mostra o resenhista. Ele continua: "Estudar a revolução burguesa no Brasil significa, para Florestan, reconstruir como se dá nesta particular configuração histórica um processo de proporções mundiais que é simultaneamente econômico, político, social, cultural e que se estende até a estrutura da personalidade e às formas de conduta individuais. Reconstruir esses níveis nas suas diferenças e nas suas articulações em cada fase do processo é a principal e a mais espinhosa tarefa da análise. Não se trata, portanto, nem de perseguir traços gerais da organização social própria ao capitalismo nem de realizar análise comparativa, confrontando o caso brasileiro ao britânico, digamos. E não é propriamente a expansão do capitalismo que está em pauta. A dimensão central da análise não é econômica, mas sim, sociopolítica; daí a ênfase na revolução burguesa. Florestan tem a formulação exata para dar conta disso tudo. Trata-se de examinar a formação de um "estilo especial de revolução burguesa".

Cohn continua em sua análise: "Para melhor situar esse drama é indispensável uma referência preliminar ao seu principal personagem: a burguesia, claro, pois está em jogo a revolução burguesa. Personagem bem problemático, sem dúvida, sempre à beira de um ataque de nervos. Florestan diferencia a burguesia brasileira da europeia. A nossa não se constituiu como classe mas como estamento, um agrupamento em torno de interesses privados [...] garantias, privilégios, interesses privativos do grupo são seus lemas". Não são um "campo aberto", como as classes.

O livro de Florestan não é um livro de história ou de historiografia, mas a pressupõe e, em muita profundidade. E é por aí que continua o seu trabalho. A nossa independência foi uma espécie de placa que anunciava que estávamos "sob nova direção", sem mudanças na estrutura econômica e social. Ao longo da análise vai introduzindo conceitos como polarização, polarização dinâmica e um dos mais importantes, o da autocracia. Autocracia é mais do que autoritarismo ou ditadura, embora não prescinda dela. É "concentração exclusiva e privatista de poder". Isso transformou a nossa história em um círculo fechado, num gato perseguindo o seu próprio rabo, num sentido perverso para essa imagem, representando um círculo fechado de poder.

Nas conclusões, Cohn retoma os principais conceitos trabalhados: "...numa sociedade capitalista dependente como a brasileira verifica-se 'uma forte dissociação pragmática entre desenvolvimento capitalista e democracia; ou uma forte associação racional entre desenvolvimento capitalista e autocracia'. Em suma, o regime compatível com a natureza peculiar da revolução burguesa no Brasil traz o timbre de uma classe dominante que, não obstante estar inscrita historicamente num processo de transformação da sociedade, não suporta a polarização". Ela sempre tenderá para o despotismo político para o controle da economia. Atenta porém para os seus limites, pois não poderá prevalecer 'com base na violência e na opressão permanente'. Seguem os dois parágrafos finais da análise.

"Não houve, então, revolução burguesa no Brasil, e muito menos haverá? Estamos diante do relato de uma experiência histórica frustrada? Não se trata disso. O que Florestan mostra é que esta é a revolução burguesa que teve como se realizar na trajetória histórica concreta da sociedade brasileira. A burguesia fez e faz o que está ao seu alcance dentro de sua perspectiva de classe. Os seus limites não são apenas os do seu campo de formação e atuação (do contrário passaríamos da imagem da 'burguesia frustrada' para a da 'burguesia vítima'). Os limites históricos de uma classe só podem ser estabelecidos por outra classe; na ausência disso o poder de uma classe na sua relação com as outras classes da sociedade se concentra sem freios, por mais diminuto que seja na sua relação com grupos econômicos e outras instâncias de poder externas. Em suma, converte-se, no interior da sociedade, em alguma forma de autocracia.

O que Florestan nos diz é que, deixada a burguesia, numa sociedade como a brasileira, solta e à sua sorte, sua revolução, aquela que a leva a conformar a sociedade à sua imagem e semelhança, não tem como ser democrática mas sempre estará sob o encanto da solução autocrática. Portanto, não revolução burguesa e muito menos revolução democrático-burguesa. E não avanço autônomo e progressivo das classes burguesas, mas aceleração confinada num circuito fechado, que exige outras forças históricas para se abrir".

Conheci pessoalmente Florestan Fernandes em seu gabinete na Câmara dos Deputados, durante a Assembleia Constituinte. Um rosto sereno e um olhar introspectivo. Sabia o que estava fazendo. Uma figura mítica de nossa história. Ao que tudo indica, morreu vítima de erro médico. Deixo ainda a resenha do trabalho anterior. Conciliação e reforma no Brasil. José Honório Rodrigues.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/04/um-banquete-no-tropico-18-conciliacao-e.html

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