segunda-feira, 4 de julho de 2022

Um banquete no trópico. 8. Capítulos de história colonial. Capistrano de Abreu.

Esta é a sétima resenha do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html. Trata-se da análise que Ronaldo Vainfas, professor de História Moderna, da Universidade Federal Fluminense, faz da obra de Capistrano de Abreu Capítulos de História Colonial, contida no livro Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, livro organizado por Lourenço Dantas Mota, nas páginas 171 a 189. A obra de Capistrano de Abreu mereceu, do historiador José Honório Rodrigues, um elogio muito singular. A obra prima da historiografia brasileira.

No volume I., a sétima resenha.

Vainfas começa a sua resenha apresentando breves traços biográficos de Capistrano de Abreu. Ele nasceu em Maranguape, região metropolitana de Fortaleza, no Ceará. Sempre foi um autodidata, muito estudioso. Vindo ao Rio de Janeiro, passa por empregos na livraria Garnier, torna-se professor no Colégio Pedro II., funcionário da Biblioteca Nacional e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Foi amigo pessoal de Paulo Prado. Isso não era pouco. A tradicional família Prado. Morre no Rio de Janeiro, em 1927. Os Capítulos de História Colonial  são do ano de 1907.

O passo seguinte de Vainfas foi o do desejo de Capistrano em escrever os Capítulos. A razão era muito simples. Só havia até ele, uma única história, a História Geral do Brasil, de Francisco Adolpho de Varnhagen, uma história oficial, com a qual ele tinha pouca concordância. A considerava uma obra fria e insensível. A que ele se propunha seria viva e vivaz. Rejeitava a vinculação oficial de Varnhagen que se empenhara "em construir uma história à feição dos interesses imperiais da elite dominante. Elite centralizadora e escravocrata", além de manifestar desprezo pelo índio, sem falar dos negros e de sempre desqualificar as rebeliões populares. Queria por o povo, a sociedade brasileira e o território na sua versão.

Em sua época houve a instituição de um prêmio para o melhor trabalho sobre "Como se deve escrever a História do Brasil". A premiação foi vencida por Von Martius e recomendava que os estudos de nossa história deviam ter a sua centralidade na fusão das três raças. O Instituto passou a recomendar esses princípios. Isso não foi seguido por Capistrano. Ele se dispôs, dito por ele, a fazer reedição crítica da obra de varnhagen. Logo, seria ela, a tese guia. Estabeleceu também o ano de 1800 como a data limite. Ao longo da escrita se queixou muito das dificuldades que um pesquisador enfrentava nessa época, o que é perfeitamente compreensível. A sua obra é composta de onze capítulos. Mas não são longos. Eu tenho o livro da edição da Folha de S.Paulo, da coleção Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro, edição comemorativo aos "500" anos do descobrimento. Esse livro tem 222 páginas. 

A partir desse momento o autor faz um breve relato de cada capítulo. Dou o título e alguns tópicos. I. Antecedentes indígenas: Esse capítulo reflete a paixão de Capistrano pela geografia. Localiza o Brasil, descreve as regiões, as serras, os planaltos, os cerrados, as baixadas, as caatingas, os rios, o clima, a flora e a fauna. Os índios merecem apenas duas páginas, onde, analisando a relação meio e o homem reforça o estereótipo da preguiça indígena, pela sua indolência natural. II. Fatores exóticos. Mostra a presença dos estranhos no continente, começando pelos portugueses e pelos negros. Mostra a mescla cultural e toca de leve na miscigenação racial.

III. Os descobrimentos. Conhecia bem o tema, que lhe rendeu a cátedra no Colégio Pedro II. Começa pela expansão marítima portuguesa e a viagem de Cabral. Descreve os primeiros contatos. Dá alguns toques relativos a miscigenação. Vainfas aponta as omissões do capítulo, como a intencionalidade ou não do descobrimento, a presença de navegadores de outros povos, bem como a de náufragos e degredados e sua adaptação. IV. Primeiros conflitos. Apresenta-o como um dos capítulos mais curtos (59 a 63) mas, em compensação um dos mais inteligentes e originais. Apresenta a disputa entre portugueses e franceses. Representa um grande avanço com relação a Varnhagen, que vê nas terras um direito português e não um território em disputa. Mostra também o envolvimento das populações indígenas nesses conflitos. Eles tomam posição.

V. Capitanias hereditárias. Mostra o ânimo e os meios utilizados pelos portugueses para a manutenção do litoral brasileiro sob seus domínios. Aponta-a como uma experiência feudal, enfraquecedora do poder real. Com exceção de Pernambuco e São Vicente, foram um grande fracasso. O fracasso da Bahia merece uma descrição especial. VI. Capitanias da Coroa. É uma sequência do capítulo anterior. O fracasso da experiência leva a um outro modelo, o da criação de um Governo Geral, com a retomada da capitania da Bahia e a fundação da cidade de Salvador em 1549. Mostra a presença francesa no Rio de Janeiro, abordando também a questão da Confederação dos Tamoios. Faz referência à presença do padre Antônio da Nóbrega e as missões dos jesuítas e o seu modelo de educação, destacando a docilidade indígena e a busca de mudança em seus hábitos.

VII. Franceses e espanhóis. É o período em que o trono português foi dominado pelos espanhóis. Capistrano viu nesse fato uma oportunidade de expansão territorial, tanto no norte, por incursões pelo rio Amazonas, quanto no sul, pela bacia do Prata. Nesse capítulo ele faz uma pausa para um breve balanço dos primeiros cem anos. Ele toca na questão da estratificação social, chegando até o seu topo com os senhores de engenho. O autor também mostra o pesquisador, que descobre toda a literatura existente na época e a incorpora em sua obra. VIII. Guerras flamengas. Agora mostra as desvantagens das guerras europeias, É o momento da ocupação de Pernambuco pela Companhia das Índias Ocidentais. É um capítulo próximo a Varnhagen, na expressão de um sentimento de identidade nacional, com a expulsão dos holandeses. Ele já o havia demonstrado quando da expulsão dos franceses.

IX. O Sertão. Aqui, segundo Vainfas, Capistrano atinge o seu grau máximo de originalidade, ao descrever as entranhas da América, com a colonização do Nordeste, das áreas entre os rios São Francisco e o Parnaíba. Um capítulo que serviu de inspiração para muitos trabalhos posteriores. Também faz a abordagem da demanda para as minas auríferas. É uma bela amostragem dos vários Brasis. X. Formação de limites. Entra em cena, mais uma vez, uma história oficial. O capítulo se dedica à expansão territorial, com as revisões do Tratado de Tordesilhas, com especial enfoque no Tratado de Madri (1750). É uma mostra da história da diplomacia.

XI. Três séculos depois. Este é apontado por Vainfas como o melhor dos capítulos. Três séculos depois dos antecedentes indígenas, até o ano de 1800, Capistrano faz uma análise do ocorrido. Mostra a população brasileira, a sua distribuição, as regiões e as suas ocupações econômicas e os contrastes. Seria uma primeira análise etno-histórica? É uma análise da sociedade que se formou ao longo desses trezentos anos, mostrando a estratificação e suas decorrências, apontando para os "indóceis e rixentos mulatos". Chega a dar um toque na análise das mentalidades. Nas páginas finais, segundo Capistrano, ele retoma a tese de sua obra: "... muitos brasis, portanto, predomínio de forças centrífugas e dissolventes, eis o resultado de três séculos de colonização". A grande ausência da obra é a conjuração mineira e Tiradentes. Ele não aceitou a simbologia da Republica e a transformação de Tiradentes em herói.

Deixo um dos parágrafos finais de Vainfas relativo à importância histórica dos Capítulos de história colonial: "Exagero de Capistrano (relativo a pouca importância de sua obra). Capítulos de história colonial é obra de máxima importância na historiografia brasileira, por mais que, à luz de critérios atuais, nela encontremos muitas imperfeições, seja de concepção, seja de interpretação. Se fosse o caso de eleger um grande mérito dos Capítulos, apenas um, diria que simplesmente deslocou o foco da história do Brasil e repensou o  próprio objeto. Pois se a história do Brasil colonial era até então, desde Varnhagen, a história da colonização portuguesa, os Capítulos fizeram da colônia - da sociedade colonial - o protagonista da história. Sociedade múltipla e diversificada, com seus contrastes e tensões". É o povo a fazer história. Representou uma ponte entre Varnhagen e os modernos intérpretes que se seguiram.

Perceberam a raiz dos livros de História do Brasil utilizados em nossas escolas? O livro da coleção da Folha de S.Paulo, tem uma apresentação relativamente longa, de José Honório Rodrigues, assinada em 1953. É uma das razões para a volta ao livro. Em breve. Deixo ainda o trabalho anterior, sobre Os Sertões.  http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/um-banquete-no-tropico-7-os-sertoes.html

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