Nunca deixei de manifestar o meu apreço por biografias e livros de memória. Estes livros nos situam o biografado ou o autor de memórias dentro de seu tempo e nos oferecem uma contextualização de uma época. É impressionante o número deste tipo de livros que está surgindo, bem como a sua elevada qualidade. Agora terminei de ler Caio Prado Júnior - uma biografia política. O autor é Luiz Bernardo Pericás. A Editora é a Boitempo. O ano da publicação é 2016.
Da Boitempo. Uma biografia política. Um comunista de verdade.
Caio Prado Júnior pertenceu a mais alta elite paulistana, como podemos constatar numa história bem humorada, que consta no livro/biografia, que também, bem nos mostra a sua filiação ideológica. "Ainda naquela época, segundo Florestan Fernandes, ocorreria um episódio divertido. Certo dia, o jovem foi com seu pai visitar Caio Prado Júnior, que tinha acabado de fazer sua corrida matinal. Muito suado, ele contou que, na porta de casa, havia sido parado por dois rapazes da TFP, que lhe entregaram alguns folhetos e alertaram para o perigo vermelho, sem saber que estavam diante de um comunista histórico. A conversa correu desta forma: 'Me diga uma coisa, vocês são de família importante'?, perguntou o intelectual. 'Não!' retrucaram. 'Pois a minha é muito importante, sou da família Prado. Vocês tem tradição'? 'Não!', responderam os jovens. 'Eu tenho, estão vendo essa mansão? É minha. Me digam uma coisa, se vocês não são de família importante, não tem tradição e nem propriedades, porque perdem tempo nas ruas fazendo propaganda para mim'? Os dois arregalaram os olhos, baixaram a cabeça e foram embora. Caio Prado Júnior deu uma gargalhada: 'Florestan, me vinguei do Plínio Correia de Oliveira', desabafou, referindo-se ao fundador da organização de direita Tradição, Família e Propriedade, que naquele dia deve ter perdido dois militantes"! (Página 271).
Para situar e datar o biografado, vamos aos dados. Ele nasceu em São Paulo no ano de 1907 e faleceu, na mesma cidade, em 1990, aos 83 anos de idade. Viveu a plenitude do chamado século curto, com todos os seus grandes acontecimentos: duas guerras mundiais, a ascensão do socialismo e a Guerra Fria. Mas a sua grande paixão era o Brasil, do qual passou a ser um dos mais reconhecidos historiadores. Ao longo de toda a sua vida militou no Partido Comunista do Brasil, o famoso partidão, mas não se enquadrou dentro de sua ortodoxia, manifestou as suas discordâncias, mas também não sofreu a expulsão de seus quadros, como a tantos ocorreu.
O livro é longo e denso. Se estende por mais de quinhentas páginas, entre texto, notas e um belo álbum fotográfico. São doze capítulos, precedidos por uma introdução, que bem nos dão uma ideia do livro. Vamos acompanhá-los. 1. O ingresso no PCB; 2. Leitores (e leituras) marxistas de Caio Prado Júnior; 3. Primeira viagem ao mundo do socialismo; 4. Os anos de fogo: da ANL ao cárcere; 5. Novas trincheiras de luta; 6. A batalha das ideias; 7. De volta ao mundo do socialismo; 8. Do golpe de 1964 aos debates sobre a revolução brasileira; 9. A hora das fornalhas; 10. Reforma, revolução e socialismo; 11. O homem que inventou esse tal de marxismo no Brasil; 12. Últimos anos.
Na introdução nos é apresentado um rico panorama da recepção das obras de Marx na América, tanto no norte, quanto no sul. Ainda na introdução o biografado nos é apresentado, bem como a sua família e o contexto da São Paulo da virada do século XIX para o XX. Entre os seus familiares aparece o seu tio avô, Eduardo Prado, autor de A ilusão americana, primeiro livro censurado no Brasil republicano.
No primeiro capítulo é mostrado o seu ingresso no PCB, depois de uma breve passagem pelo Partido Democrático. São mostrados os seus primeiros dilemas. Os incômodos na família, no partidão, as acusações de trotskista e de raízes burguesas. No mínimo, era um estranho no ninho. O segundo capítulos nos mostra a formação intelectual e a assimilação da obra de Marx que começa a chegar ao Brasil, ao longo dos anos 1920. É o momento das primeiras grandes interpretações de Brasil (os anos 1930) e ele já oferece a sua primeira grande contribuição para o debate com Evolução política do Brasil. Este livro é a expressão de sua grande vocação como historiador deste país.
No terceiro capítulo é mostrada a sua primeira viagem à URSS e na volta, as impressões de sua viagem são publicadas em URSS - um novo mundo. O livro foi uma antítese à propaganda anti soviética existente em larga escala. Os anos de fogo retratados no quarto capítulo nos narram os anos de Vargas, a formação da ANL, a sua prisão sob o Estado Novo, o seu exílio, a volta e o pessimismo em relação às disputas internas no Partido. Quanto as novas trincheiras de lutas do quinto capítulo, veremos o Partidão na legalidade, a sua disputa eleitoral como candidato a deputado federal constituinte, sua derrota e vitória como deputado estadual e ainda, a chegada da Guerra Fria e o PCB na clandestinidade.
No sexto capítulo, referente a disputa de ideias, mostra a sua atividade gráfica e literária, com a Editora e a Revista Brasiliense e a publicação de Dialética do conhecimento e a reimpressão de seus livros anteriores História Econômica do Brasil e Formação do Brasil Contemporâneo. Disputa uma cátedra na USP, à qual nunca pertenceu formalmente. Foi o último colocado mas obteve a livre docência. Comenta o famoso XXº Congresso do PCU e se equilibra na manutenção no Partido. No sétimo capítulo é narrada a sua volta à URSS, sua ida à China e assiste as disputas dentro do mundo socialista, como os conflitos entre a URSS e a China. Os debates chegam ao Brasil e se desenham as dissidências do período. Maoísmo, coexistência pacífica, PCB X PCdoB.
No oitavo capítulo o golpe de 1964 ganha destaque, assim como a preocupação de Caio Prado com a Revolução Brasileira, que merece o livro homônimo que publica, defendendo suas posições e mostrando-se contrário à luta armada. É um tempo de grandes dificuldades, passando da clandestinidade para o exílio. A referência às fornalhas, do nono capítulo é a explosão das agitações dos anos sessenta, em particular ao ano de 1968, tanto no mundo capitalista, quanto no socialista. Se posiciona quanto às intervenções soviéticas no leste europeu.
O debate entre a Revolução e as reformas ocupam o décimo capítulo. São as sua teorizações deste difícil período. Defende a democratização radical como o caminho ao socialismo e recusa, mais uma vez, a luta armada como o caminho. Compila as ideias de Marx a respeito do tema. A referência jocosa que dá título ao décimo primeiro capítulo é uma fala de um militar, num julgamento seu, já nos anos de chumbo da ditadura militar brasileira, após a edição do AI-5. Os caminhos do mundo (1968) lhe dão novo ânimo, mas no campo de sua vida particular, sofre um duro golpe, com o suicídio de seu filho Roberto, o mais moço, com apenas 25 anos de idade.
No último capítulo o esgotamento da ditadura é mostrado. Greves, crescimento das oposições sindicais, movimento contra a carestia, a Anistia, entre outros, são os sintomas do declínio. Também começa a sua derrocada pessoal com a chegada do ocaso da vida, com problemas físicos e o mal de Alzheimer. Como ele não quer entregar os pontos, ele sofre uma interdição judicial, para coibir o indesejado. Ao contrário de muitos intelectuais ligados ao Partidão, ele não se filiou ao Partido dos Trabalhadores. O seu momento derradeiro ocorreu em 23 de novembro de 1990.
Numa breve conclusão são mostrados os maiores valores que Caio Prado Júnior teve ao longo de sua existência. Toda a sua vida foi marcada pela sensibilidade social que o levou para o marxismo e a ele sempre permaneceu fiel, em meio a todas as contradições que viveu e analisou em profundidade em sua vida de historiador. Não optou pela vida fácil que a sua condição familiar lhe proporcionou. Um grande brasileiro.
Da Boitempo. Uma biografia política. Um comunista de verdade.
Caio Prado Júnior pertenceu a mais alta elite paulistana, como podemos constatar numa história bem humorada, que consta no livro/biografia, que também, bem nos mostra a sua filiação ideológica. "Ainda naquela época, segundo Florestan Fernandes, ocorreria um episódio divertido. Certo dia, o jovem foi com seu pai visitar Caio Prado Júnior, que tinha acabado de fazer sua corrida matinal. Muito suado, ele contou que, na porta de casa, havia sido parado por dois rapazes da TFP, que lhe entregaram alguns folhetos e alertaram para o perigo vermelho, sem saber que estavam diante de um comunista histórico. A conversa correu desta forma: 'Me diga uma coisa, vocês são de família importante'?, perguntou o intelectual. 'Não!' retrucaram. 'Pois a minha é muito importante, sou da família Prado. Vocês tem tradição'? 'Não!', responderam os jovens. 'Eu tenho, estão vendo essa mansão? É minha. Me digam uma coisa, se vocês não são de família importante, não tem tradição e nem propriedades, porque perdem tempo nas ruas fazendo propaganda para mim'? Os dois arregalaram os olhos, baixaram a cabeça e foram embora. Caio Prado Júnior deu uma gargalhada: 'Florestan, me vinguei do Plínio Correia de Oliveira', desabafou, referindo-se ao fundador da organização de direita Tradição, Família e Propriedade, que naquele dia deve ter perdido dois militantes"! (Página 271).
Para situar e datar o biografado, vamos aos dados. Ele nasceu em São Paulo no ano de 1907 e faleceu, na mesma cidade, em 1990, aos 83 anos de idade. Viveu a plenitude do chamado século curto, com todos os seus grandes acontecimentos: duas guerras mundiais, a ascensão do socialismo e a Guerra Fria. Mas a sua grande paixão era o Brasil, do qual passou a ser um dos mais reconhecidos historiadores. Ao longo de toda a sua vida militou no Partido Comunista do Brasil, o famoso partidão, mas não se enquadrou dentro de sua ortodoxia, manifestou as suas discordâncias, mas também não sofreu a expulsão de seus quadros, como a tantos ocorreu.
O livro é longo e denso. Se estende por mais de quinhentas páginas, entre texto, notas e um belo álbum fotográfico. São doze capítulos, precedidos por uma introdução, que bem nos dão uma ideia do livro. Vamos acompanhá-los. 1. O ingresso no PCB; 2. Leitores (e leituras) marxistas de Caio Prado Júnior; 3. Primeira viagem ao mundo do socialismo; 4. Os anos de fogo: da ANL ao cárcere; 5. Novas trincheiras de luta; 6. A batalha das ideias; 7. De volta ao mundo do socialismo; 8. Do golpe de 1964 aos debates sobre a revolução brasileira; 9. A hora das fornalhas; 10. Reforma, revolução e socialismo; 11. O homem que inventou esse tal de marxismo no Brasil; 12. Últimos anos.
Na introdução nos é apresentado um rico panorama da recepção das obras de Marx na América, tanto no norte, quanto no sul. Ainda na introdução o biografado nos é apresentado, bem como a sua família e o contexto da São Paulo da virada do século XIX para o XX. Entre os seus familiares aparece o seu tio avô, Eduardo Prado, autor de A ilusão americana, primeiro livro censurado no Brasil republicano.
No primeiro capítulo é mostrado o seu ingresso no PCB, depois de uma breve passagem pelo Partido Democrático. São mostrados os seus primeiros dilemas. Os incômodos na família, no partidão, as acusações de trotskista e de raízes burguesas. No mínimo, era um estranho no ninho. O segundo capítulos nos mostra a formação intelectual e a assimilação da obra de Marx que começa a chegar ao Brasil, ao longo dos anos 1920. É o momento das primeiras grandes interpretações de Brasil (os anos 1930) e ele já oferece a sua primeira grande contribuição para o debate com Evolução política do Brasil. Este livro é a expressão de sua grande vocação como historiador deste país.
No terceiro capítulo é mostrada a sua primeira viagem à URSS e na volta, as impressões de sua viagem são publicadas em URSS - um novo mundo. O livro foi uma antítese à propaganda anti soviética existente em larga escala. Os anos de fogo retratados no quarto capítulo nos narram os anos de Vargas, a formação da ANL, a sua prisão sob o Estado Novo, o seu exílio, a volta e o pessimismo em relação às disputas internas no Partido. Quanto as novas trincheiras de lutas do quinto capítulo, veremos o Partidão na legalidade, a sua disputa eleitoral como candidato a deputado federal constituinte, sua derrota e vitória como deputado estadual e ainda, a chegada da Guerra Fria e o PCB na clandestinidade.
No sexto capítulo, referente a disputa de ideias, mostra a sua atividade gráfica e literária, com a Editora e a Revista Brasiliense e a publicação de Dialética do conhecimento e a reimpressão de seus livros anteriores História Econômica do Brasil e Formação do Brasil Contemporâneo. Disputa uma cátedra na USP, à qual nunca pertenceu formalmente. Foi o último colocado mas obteve a livre docência. Comenta o famoso XXº Congresso do PCU e se equilibra na manutenção no Partido. No sétimo capítulo é narrada a sua volta à URSS, sua ida à China e assiste as disputas dentro do mundo socialista, como os conflitos entre a URSS e a China. Os debates chegam ao Brasil e se desenham as dissidências do período. Maoísmo, coexistência pacífica, PCB X PCdoB.
No oitavo capítulo o golpe de 1964 ganha destaque, assim como a preocupação de Caio Prado com a Revolução Brasileira, que merece o livro homônimo que publica, defendendo suas posições e mostrando-se contrário à luta armada. É um tempo de grandes dificuldades, passando da clandestinidade para o exílio. A referência às fornalhas, do nono capítulo é a explosão das agitações dos anos sessenta, em particular ao ano de 1968, tanto no mundo capitalista, quanto no socialista. Se posiciona quanto às intervenções soviéticas no leste europeu.
O debate entre a Revolução e as reformas ocupam o décimo capítulo. São as sua teorizações deste difícil período. Defende a democratização radical como o caminho ao socialismo e recusa, mais uma vez, a luta armada como o caminho. Compila as ideias de Marx a respeito do tema. A referência jocosa que dá título ao décimo primeiro capítulo é uma fala de um militar, num julgamento seu, já nos anos de chumbo da ditadura militar brasileira, após a edição do AI-5. Os caminhos do mundo (1968) lhe dão novo ânimo, mas no campo de sua vida particular, sofre um duro golpe, com o suicídio de seu filho Roberto, o mais moço, com apenas 25 anos de idade.
No último capítulo o esgotamento da ditadura é mostrado. Greves, crescimento das oposições sindicais, movimento contra a carestia, a Anistia, entre outros, são os sintomas do declínio. Também começa a sua derrocada pessoal com a chegada do ocaso da vida, com problemas físicos e o mal de Alzheimer. Como ele não quer entregar os pontos, ele sofre uma interdição judicial, para coibir o indesejado. Ao contrário de muitos intelectuais ligados ao Partidão, ele não se filiou ao Partido dos Trabalhadores. O seu momento derradeiro ocorreu em 23 de novembro de 1990.
Numa breve conclusão são mostrados os maiores valores que Caio Prado Júnior teve ao longo de sua existência. Toda a sua vida foi marcada pela sensibilidade social que o levou para o marxismo e a ele sempre permaneceu fiel, em meio a todas as contradições que viveu e analisou em profundidade em sua vida de historiador. Não optou pela vida fácil que a sua condição familiar lhe proporcionou. Um grande brasileiro.
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