segunda-feira, 19 de março de 2018

Juliano. Gore Vidal.

Na leitura do magnífico livro O Oráculo - O segredo da antiga Delfoshttp://www.blogdopedroeloi.com.br/2018/03/o-oraculo-o-segredo-da-antiga-delfos.html me chamou atenção uma referência a Juliano, o Imperador Romano que tentou restaurar as crenças do helenismo, após a declaração do cristianismo como religião oficial do Império por Constantino e de ter unificado o principal de sua doutrina, através do Concílio de Niceia, em 323. Numa rápida busca, vi que o Imperador mereceu uma biografia escrita por Gore Vidal, fato que me motivou para a sua leitura.
Uma das edições do livro de Gore Vidal, Juliano.

Eu conhecia algumas coisas sobre Constantino e o Concílio de Niceia, mas muito pouco sobre Juliano. Uma vaga lembrança dos tempos de seminário me remetia a um tal de Juliano, o apóstata. Comprei o livro e empreendi a leitura. A sua biografia foi escrita sob a forma de um romance, com uma tríplice narração. As memórias do imperador, escritas pelo próprio e complementos de dois professores dos seus tempos de juventude e que o acompanharam em seu curto reinado, Libânio e Prisco. Prisco havia se apoderado destas memórias. Libânio, um fervoroso admirador de Juliano, as negocia com Prisco, para efeitos de publicação e de perpetuação do ídolo. 

O livro, por sinal bastante longo, inicia com a troca de correspondência entre Libânio, residente em Antioquia e Prisco que morava em Atenas. Libânio não mediu esforços para tornar públicas estas memórias, em virtude de compartilhar com o Imperador a defesa da restauração da cultura helênica no Império Romano, depois de sua cristianização. Quando Prisco envia para Libânio as cópias é que começa efetivamente a história de Juliano. O livro está dividido em três partes: Juventude; César e Augusto. Tempos de formação do jovem, tempos do César das Gálias e tempos de Augusto Imperador.
Os tempos de juventude mostram o interesse do menino pelos estudos clássicos e o desejo da família em torná-lo padre da religião do galileu, religião que passara a ser, sob o reinado de seu tio Constantino, a religião oficial. É educado junto com o seu meio irmão, Galo, alguns anos mais velho. O medo assolava os dois. Galo logo terá um destino trágico e Juliano não espera melhor sorte. Mas como está colocado na linha de sucessão, o imperador Constâncio, o nomeia como César nas Gálias. Se sai bem. Obtém vitórias contra os germanos e passa a ser muito querido pelos soldados e por seus comandantes. Constâncio assim o estava preparando para a sucessão. 

Esta veio quando Constâncio foi acometido por uma violenta febre que o vitima. Juliano assume o Império, passando a ser o Augusto. O Império estava em combate com os persas. Juliano obtém vitórias significativas. Como era apaixonado pela cultura helênica, procurou restaurá-la. Este fato provocou o ódio e o desespero dos cristãos, que após a oficialização de sua religião passaram a destruir, sistematicamente, os antigos símbolos religiosos. Juliano sofre muitas represálias em função desta sua devoção. Interrompia batalhas para prestar homenagens para as antigas divindades helênicas, sempre envolvidas em mistérios e predições, especialmente, no que dizia respeito ao futuro e o destino das batalhas.

Deixo aqui algumas datas para facilitar a compreensão do tempo histórico. Constantino foi Imperador entre os anos 306 e 337, Constâncio entre 337 e 361 e Juliano entre 361 e 363. Todos eram da mesma linhagem familiar. O livro se torna longo em função da descrição das batalhas e das intrigas no governo de Constâncio. Com a ascensão, Juliano obtém significativas vitórias contra os persas e, quando já está voltando destas batalhas, ainda enfrentando pequenas escaramuças, ele é ferido por uma lança, ferida branda, tudo indicava. Mas não. A ferida atingira o fígado e foi mortal. Acontece que a lança era uma lança romana.

Aí a narrativa ganha o sua fase de suspense. Prisco, com quem estão as anotações de Juliano e  passados 20 anos, lembra de Calisto, soldado que lutara ao lado do Imperador, quando de seu seu ferimento. Prisco o procura e lhe arranca segredos inconfessáveis. Fora ele o portador da lança romana e autor do ferimento mortal. Vejamos a sua confissão: "Depois da batalha de Maranga, parti as presilhas do peitoral dele. - Os olhos de Calisto cintilavam de prazer com a lembrança. - Felizmente para nós, os persas atacaram no dia seguinte, e o imperador foi obrigado a entrar em combate sem a armadura. Ele e eu fomos apanhados na confusão dos persas em retirada. Juliano ia voltar quando eu gritei: 'Senhor, por aqui!' E levei-o para o mais aceso da luta. Por um momento, pensei que os persas iam matá-lo. Mas estavam apavorados demais. Quando reconheceram o imperador, fugiram. Foi então que compreendi que Deus me havia escolhido para instrumento de sua vingança. Calisto ainda reclamou para Prisco sobre o seu anonimato, depois deste seu ato heroico. Heroico do ponto de vista dos cristãos.

Tramas por tudo que era lado. Calisto agia a mando de Vítor, um dos generais cristãos do imperador. Com a morte de Juliano o Império Romano voltaria a ser cristão. Gore Vidal produziu um belo romance. Por ele nos ambientamos a estes terríveis anos em que o Império já prenunciava o seu ocaso. Ainda demoraria mais um pouco. O que mais me motivou para a leitura foi este histórico da construção do cristianismo, primeiro como a religião oficial do Império Romano e, depois, a sua expansão por toda a Europa para, finalmente, atingir o mundo inteiro, sempre com as suas duas armas, as armas da cruz e da espada, a força do poder da violência e a força do poder simbólico. O livro foi fruto de uma exaustiva pesquisa histórica. A bibliografia aparece ao final da obra, bem como uma breve biografia de Gores Vidal, famoso como roteirista do filme Ben-Hur. Quem não se lembra?

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