quinta-feira, 1 de março de 2018

Trama Fantasma.

Com a data da cerimônia do Oscar se aproximado, fui novamente ao cinema, para assistir mais um dos indicados à estatueta maior. Agora foi a vez de Trama fantasma. Um belo filme, diga-se, antes de tudo. Gosto dos dramas vividos pelo ser humano. Uma complexidade inexplicável. Muitas vezes, como é o caso do filme, ele é incapaz de estabelecer a característica que mais o marca e que o constitui, a sua relacionalidade. Reynolds Woodcock se relacionava apenas com o seu sucesso. Os seres humanos, para ele, não passavam de fantasmas, a seu serviço.


O tema do filme é o mundo da alta costura, da exploração da vaidade humana, do ser em ostentação, para se diferenciar dos comuns. Isso por si só já entra no complexo mundo das relações sociais e das diferenças que se estabelecem. É um mundo à parte. Este mundo cria os seus mitos. E um destes mitos é Reynolds Woodcock, da famosa casa Woodcock, a casa que vestiu o mundo dos notáveis, da realeza e da alta elite britânica do mundo pós guerra. Parece que a felicidade de Reynolds é inversamente proporcional ao seu grande êxito profissional.

Reynolds Woodcock é absolutamente excêntrico. Solteiro por convicção, vive de lembranças de sua mãe e, aparentemente, a única pessoa que o compreende e com quem estabelece relações, é a sua irmã Cyril (Freud que nos ajude). É um perfeccionista e a busca da perfeição o torna um homem unidimensional. Esta unidimensionalidade o afasta do convívio social, que poderia servir, inclusive, para a manifestação de seu reconhecimento. Ele é um ser absolutamente recluso, com raras aberturas para a alteridade.

Num desses raros momentos, num café da manhã, Reynolds é atendido por uma bela garçonete. A ela exibe uma fome voraz. Ela o atende com toda a presteza. Parece haver um toque de sensibilidade humana. Ou seria um engano. Estes momentos se alternam com outros de extrema estupidez e, digamos, grossura. Os momentos mais aflitivos são aqueles em que ela procura seduzi-lo com gestos de grandeza, delicadeza e agrado. Ela tem o significativo nome de Alma. Cyril constantemente previne Alma das excentricidades do irmão, avesso a qualquer tipo de agrado. Como o ser humano é capaz de desagradar, quando assim o quer.

Alma dá vida nova ao artista. Passa a ser a sua grande inspiração. Quando tudo parece encaminhar-se para um gran finale, ele tem as recaídas. Seriam poucas as mulheres que teriam a paciência de Alma, no lidar com o gênio em seus piores momentos. A cena do jantar íntimo que ela lhe prepara e o elogio que lhe dirige sobre o vestido de noiva para a princesa da realeza britânica ultrapassam até o inimaginável. Ele reage na direção oposta da aposta de Alma. Se existem algumas raras cenas em que a afetividade aflora, em momento algum isso ocorre com a sexualidade. Alma não passa de uma bela fantasma a ser vestida, a lhe despertar a imaginação criativa de seu veio artístico.

É fácil imaginar a dificuldade que o roteirista e diretor encontrou para concluir o seu filme, mas mais alguns momentos de expansão da relacionalidade passam a ocorrer. Mas não ocorre o Happy and, dos filmes mais tradicionais. Meio misterioso e transcendental. Retratar um artista não é tarefa fácil. Mergulhar na profundidade da complexidade do ser humano é uma aventura em que poucos se atrevem. O ser humano é complexo e multidimensional.

O filme não teve um glamour tão grande e algumas de suas indicações ao Oscar não eram nem mesmo esperadas, incluindo aí, inclusive, direção e melhor filme. É isso que aponta a crítica. Não entro nesse mérito. O certo é que eu gostei do filme. Ele tem seis indicações ao Oscar: melhor filme; melhor direção (Paul Thomas Anderson, que também assina o roteiro); melhor ator (Daniel Day Lewis no papel de Reynolds Woodcock); melhor atriz coadjuvante (Lesley Manville no papel de Cyril Woodcock, a irmã de Reynolds); melhor figurino e melhor trilha sonora original.

Teria que necessariamente ganhar esta estatueta e ganhou. Também foi a única. Melhor figurino.

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