quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Ânsia eterna. Contos. Júlia Lopes de Almeida.

Meu irmão, Hédio José, mora em Mondaí, no oeste catarinense. Ele é o mais velho entre cinco irmãos e já completou noventa anos de vida. Volta e meia ele me manda livros, especialmente os que tem como tema a colonização do oeste de Santa Catarina. Dessa vez ele me mandou um bem diferente: Ânsia eterna, um livro de contos de Júlia Lopes de Almeida. Esta escritora ganhou notoriedade, mais recentemente, quando os seus livros ganharam indicação para os vestibulares das mais prestigiadas universidades brasileiras. A escritora nasceu no Rio de Janeiro em 1862 e morreu na mesma cidade em 1934.

Ânsia eterna. Contos. Júlia Lopes de Almeida. Vermelho Marinho. 2023.

Ela, acima de tudo, foi uma cronista de seu tempo. Um tempo de profundas transformações. Em sua obra, de romances, crônicas e contos, essas transformações estão muito presentes. Ela esteve profundamente envolvida no ambiente econômico, político e cultural de sua época e a nada assistiu passivamente. Ela assistiu os movimentos abolicionistas, tomando partido, assistiu a proclamação da República e os incipientes movimentos de industrialização e urbanização do Brasil. Participou também ativamente da criação da Academia Brasileira de Letras, embora a proibição de dela participarem as mulheres. Ah, a sociedade patriarcal! Seu marido, o jornalista e poeta Filinto de Almeida, foi um de seus fundadores.

O seu livro de contos Ânsia eterna, teve a sua primeira publicação em 1903, e reúne trinta contos. Eles são expressão plena de seu tempo. Na apresentação da edição da Vermelho Marinho, Gabriela Simonetti Trevisan, autora de um livro sobre a escritora - A escrita feminista de Júlia Lopes de Almeida, assim descreve a sua biografada: "Tecendo críticas contundentes à cultura patriarcal de seu tempo, a autora ainda reflete em seu texto que, por mais que se tente aprisionar as mulheres na domesticidade, o pensamento não pode ser escravizado, e, dessa forma, aponta para a dimensão libertária do pensamento crítico feminino e feminista. [...] Dessa forma, a literata sustenta a defesa das múltiplas possibilidades para as vidas femininas, as quais não caberiam em categorias determinadas pela inferiorização sofrida pelas mulheres diante de seus pares masculinos, segundo ela". E ela prossegue:

"De fato, ao longo de sua vida, Júlia conformou seus posicionamentos feministas, que começam a se tornar mais explícitos em seus escritos a partir da virada para o século XX. Já na década de 1910, a autora passa a se posicionar nos jornais a favor do divórcio e, em 1919, como aponta Leonora de Luca, aparece como participante do grupo fundado por Bertha Lutz, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino".

Entre os contos que mereceu maior destaque está o - Os porcos. Nesse conto, a indignação da escritora, diante da situação de uma gravidez indesejada, é profunda. Vejamos a descrição da biógrafa: "Nesse conto, a autora narra sobre a cabocla Umbelina e sua gravidez indesejada, fruto de sua relação com o filho do patrão. Ameaçda pelo pai de ter seu filho jogado aos porcos - espécie de punição pelo fato de ter sido 'desonrada -, a jovem sai em trabalho de parto pela fazenda, com o objetivo de chegar à casa do homem que a enganou e matar a criança em sua porta. Assim, acompanhamos o sofrimento da personagem nas dores físicas e psíquicas, encarando solitária a renegação do pai, do amante e da sociedade". Um conto, acima de tudo, extremamente corajoso.

 Dores físicas e psíquicas! Vejamos o parágrafo final da apresentação: "Ânsia eterna, trazendo histórias de classes mais baixas e das elites, de trabalhadores e princesas, de mulheres desoladas e homens frustrados, apresenta a maestria literária de Júlia e chama atenção para um âmbito rico de sua escrita, capaz de ficcionalizar lados obscuros dos afetos humanos. Seus contos trazem à tona não só críticas ao seu tempo, mas a produção de espaços múltiplos de existência que fraturam a cultura patriarcal de seu tempo, expondo feridas que esbarram até hoje em nossos dilemas sociais e pessoais".

Vejamos ainda a contracapa dessa presente edição: "Considerado um dos melhores livros, sua reedição pela Editora Vermelho Marinho fez com que a autora voltasse a ser estudada nas escolas, se tornando leitura obrigatória em diversos vestibulares. Do conto título, que já conquista o leitor pelo impacto de seu final, vamos a textos já consagrados e publicados em outras línguas, como Os porcos, publicado em francês, e que narra a história da cabocla Umbelina e sua gravidez indesejada, fruto de sua relação com o filho do patrão. O lugar da mulher na sociedade é discutido no triste A caolha, onde uma mãe faz de tudo por seu filho, que a despreza por causa de seu defeito. Além da maternidade, outros temas importantes retratados no livro são a loucura e morte. No prefácio desta obra, a mestra e doutora Gabriela Trevisan ressalta que 'Ânsia eterna, trazendo histórias de classes mais baixas e das elites, de trabalhadores e princesas, de mulheres desoladas e homens frustrados, apresenta a maestria literária de Júlia e chama atenção para um âmbito rico de sua escrita, capaz de ficcionalizar lados obscuros dos afetos humanos"'. Ao meu irmão, meus melhores agradecimentos.

Da escritora eu já conhecia A falência, um romance de leitura obrigatória do vestibular da UFPR., um panorama da economia cafeeira, da sua decadência e de seus personagens. Vejamos a resenha:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/05/a-falencia-julia-lopes-de-almeida.html


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