segunda-feira, 24 de março de 2014

A Menina que roubava livros. O filme.


Em agosto de 2012, no dia dos pais, recebi de presente o livro a menina que roubava livros, do australiano Markus Susak. Imediatamente comecei a sua leitura. Confesso que tive uma surpresa, e diga-se, muito agradável. Desconfio destes livros transformados em best sellers. Mas a este, eu me rendi completamente. A sua força maior está na temática abordada. A menina se faz pela leitura dos livros que ela rouba, num ambiente absolutamente hostil. Até o termo roubar ganha um significado muito bonito. Ao menos um destes livros, ela rouba como um sobrevivente das famosas queimas promovidas pelos fanatizados nazistas.

Para alguém que teve a sua vida inteira ligada à educação, como foi o meu caso, também não passou despercebido o fato, de que a educação também é tema deste livro, embora não, o seu tema central. A menina se construiu pela leitura, que aprendeu sozinha, com a ajuda de Hans e de Max. Com Max ela também aprendeu o ofício de escrever e, ainda, instigada por Max, ela também desenvolveu a imaginação. Estão aí os grandes componentes de uma educação de qualidade. A leitura, a escrita e a imaginação. Ela contava de forma diferente. Está aí a presença da imaginação, da criação.
Leslie e o seu novo pai Hans. Uma relação de uma profunda ternura. Com ele aprende a ler.

O filme está em cartaz há várias semanas. Não o priorizei, exatamente por conhecer o tema e eu ainda não tinha visto todos os filmes com indicações para o Oscar de melhor filme. Mas chegou a oportunidade. O mesmo maravilhamento que eu tive com a leitura do livro, eu o tive ao ver o filme. O filme passa muita emoção e ternura e, para mim, particularmente, um desejo de uma mudança profunda nas relações humanas, que, como consta no final do filme: Elas são assombrosas. Assombrosas, é um termo, no mínimo suave, para expressar o horror que foi o sistema do nazismo, o cenário e o tema sob o qual a história do filme se desenvolve.

Vejamos a sua história. Uma mãe perseguida pelos nazistas, por ser comunista, leva seus filhos a uma família que os adotaria. O menino morre ao longo da viagem até a aldeia onde fixariam morada. Sobra Liesel Maminger (Sophie Nélisse) que encontra no casal Hubermann, os seus novos pais. Hans, um pai bonachão (Geoffrey Rush) e Rosa, uma verdadeira madrasta rabugenta (Emily Watson). No filme ela me pareceu bem mais boazinha do que no livro. A família aumenta com a proteção dada a Max Vandenburg (Ben Schnetzer), a cuja família Hans devia obrigações. Max tem que ficar absolutamente escondido e, em absoluto sigilo. Creio que fica fácil imaginar o enredo do drama, se você lembrar que isto tudo ocorreu sob a fúria do nazismo. Um outro personagem central aparece logo nos primeiros dias de sua ida a escola, o seu colega Rudy (Nico Liersch). Liesel e Rudy se afeiçoam ternamente.
Cartaz promocional do filme.

O roubo de livros começa já no enterro do irmãozinho, quando o coveiro deixa cair o manual de instrução de sua profissão. O segundo roubo ocorre após uma queima de livros, organizada pelos nazistas, em estado de delírio. É uma cena que pelo seu significado vale todo o filme. Sobra um livro. Ela o salva, sem compreender direito os riscos de seu ato. Depois os roubos são generosamente consentidos pela senhora do prefeito. Nestes livros ela tem o seu aprendizado de leitura, primeiro com a ajuda de Hans e depois de Max. Com Max a relação é ainda mais profunda. Ela o mantem vivo com as suas leituras. Max também a inicia na descrição do que se passa no seu imaginário e ela dá assim, os seus primeiros passos na escrita.

Na medida em que a guerra avança, avançam também as dificuldades dos principais personagens. O pai de Rudy é convocado para a guerra. É impossível continuar escondendo Max, Rosa vai perdendo seus clientes na sua profissão de subsistência de todos, como lavadeira e até o próprio Hans recebe a convocação para a guerra. Chegam os bombardeios. A destruição é total e, ganha força no filme, o significado das perdas. Leslie perde todo o seu mundo de afeições, Hans, Rosa e Rudy. Em compensação lhe é restituído Max, quando os horrores da guerra e do nazismo, finalmente já tinham acabado.

Enquanto os nazistas queimavam livros, Leslie se empenhava em salvar ao menos um único deles.

O filme não foi bem recebido pela Academia, nem pela crítica. Ganhou apenas uma única indicação para o Oscar, o de melhor trilha sonora. A crítica, obviamente não condena a narrativa do filme, mas por coisas do cinema, especialmente em suas questões técnicas e de direção. Eu tendo a ser condescendente com o filme, pela temática e pela mensagem que ele contem. Deveria haver, na concessão do Oscar, um prêmio para os filmes de maior benemerência, para aqueles que fazem bem pelo seu conteúdo, de luta contra injustiças e de suscitar temas históricos, de atrocidades contra a humanidade, de avivamentos de memória para fatos como estes, que serviram de cenário para o filme, não mais se repitam.

Capa do livro que inspirou o filme. O livro se transformou em best seller mundial. No Brasil foi lançado pela Intrínseca.

Saí do cinema com um sensação de um profundo bem-estar, proporcionado pela menina que se construiu e se constitui com o roubo de livros e que, apesar de todas as adversidades em seu meio, construiu ao seu redor, laços de profundo cuidado e de ternura.  Vale o livro e vale o filme. Confesso, no entanto, que fiquei profundamente decepcionado em não ver Leslie e seus novos pais falarem alemão, a sua língua. Um erro apontado pela crítica, com o qual eu concordo inteiramente.

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