quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Pastoral Americana. Philip Roth.

"Uma moratória de comidas esquisitas, comportamentos esquisitos e exclusividade religiosa, uma moratória da nostalgia de três mil anos dos judeus, uma moratória de Cristo, da cruz e da crucificação para os cristãos, quando todo mundo em Nova Jersey e em toda parte se mostrar mais passivo no tocante às próprias irracionalidades do que no resto do ano. Uma moratória para todas as mágoas e ressentimentos, e não apenas dos Dwyer e dos Levov, mas para todo mundo na América que desconfie de todos os outros. É a pastoral americana por excelência, e dura vinte e quatro horas".
A edição de bolso, que eu li de Pastoral Americana. Não gosto muito mas só achei esta edição.


Essa frase nos dá boas pistas para entendermos o longo romance de Philip Roth - Pastoral Americana. O livro foi escrito em 1997 e faz uma retrospectiva ao mundo do pós Segunda Guerra, para se concentrar essencialmente nos anos de 1967 e 1968, anos que abalaram profundamente os alicerces das instituições e dos valores da chamada cultura ocidental, cristã e capitalista. O livro lhe valeu o prêmio Pulitzer. O livro está dividido em três partes e tem nove capítulos.

Na frase acima estão os sobrenomes dos dois personagens centrais do livro. Levov e Dwyer. Mais precisamente de Mary Dawn Dwyer e de Seymur Levov. Estes personagens se casaram e tiveram a filha Merry Levov, a outra personagem do livro. O cenário mais uma vez será Newark, o cenário comum aos romances de Philip Roth. É uma cidade dominantemente de origem judaica.
Philip Roth, sempre irreverente e iconoclasta. Valores de outros tempos que já se foram.


Os Levov são judeus suecos e Seymour era mais conhecido como o Sueco, do que pelo próprio nome. A família se dedicava à indústria do couro para depois centrar todos os negócios na confecção de luvas, um produto de grande aceitação no mercado daquele tempo. O Sueco se tornou muito conhecido em seu tempo de estudante pela sua condição de atleta. Se destacou em todos os esportes que ele praticava. Teve enormes chances de seguir carreira. Preferiu ficar com o pai. Os negócios renderam muito dinheiro. Usufruíram de muita prosperidade.

Dawn era irlandesa. É praticamente desnecessário dizer que, sendo irlandesa, era católica. Seus pais eram católicos praticantes. A fama de Dawn lhe veio da beleza. Participou de diversos concursos, chegando a ser Miss Nova Jersey e participar do concurso de Miss América. Dawn e o Sueco passaram a namorar e se casaram. O Sueco cuidou da fábrica de luvas e Dawn cuidava da pequena fazenda que tinham. Tiveram Merry, uma menina, aparentemente, absolutamente normal, fora uma gagueira da qual todos a ajudavam a se livrar. Seymour tinha um irmão, Jerry, que também entrou na história.

Aos dezesseis anos Merry se torna terrorista. Ia seguidamente para Nova York, fato que preocupava muitos os pais. Seymour lhe pedia para ficar em casa, que tivesse as suas ideias mas que ficasse próxima dos pais e que se encontrasse com os amigos da cidade. "Traga a revolução para a sua casa", lhe dizia o pai. Isso foi o suficiente para que num determinado dia explodisse o mercadinho e o posto dos correios de Rimrock e sumisse. Eram os dias 16 e 17 de julho de 1967 que quase implodiram as instituições americanas. Junto com o mercadinho Merry cometeu também o seu primeiro assassinato, um médico da cidade que, no momento, se encontrava no mercadinho. Depois cometeu mais três. O pretexto para as rebeliões era a guerra contra o Vietnã.
A versão normal do livro, pela Companhia das Letras.

O livro segue contando as histórias dos principais personagens, sem grandes novidades. As atividades de Seymour, a transferência da atividade industrial dos Estados Unidos para Porto Rico e depois para o oriente, o irmão Jerry e o seu sucesso como cardiologista e os seus cinco divórcios e as preocupações de Seymour com a filha, que simplesmente sumira. Dela tem notícias através de uma suposta colega, que simplesmente o chantageia.  Seymour a reencontra como jainista, uma crença absurda.

Na parte final vem o desmonte de tudo, num capítulo intitulado Paraíso Perdido. Seymour e Dawn oferecem em sua casa um jantar para vários convidados. A partir daí os fatos se revelam. A fonoaudióloga de Merry a ocultou em seus primeiros dias depois do crime, o Sueco teve uma relação amorosa com esta mesma fonoaudióloga, Dawn tinha um amante, o arquiteto Dr. Orcutt. Tudo para o escândalo de Lou Levov, o pai de Seymour e avô de Merry. Ao saber dos escândalos, não resiste. Tem um ataque cardíaco fulminante.
 Pastoral Americana, outra edição do livro de Philip Roth. O aparentemente sólido era muito frágil.

Na investigação do rastro dos erros existe uma passagem que merece destaque. As perguntas de Lou para Dawn, quando ela pretendia se casar com Seymour. Todas as incompatibilidades estão aí postas. O casamento entre um judeu e uma católica. Estariam aí as causas do desacerto do casal, que aparentemente vivia tão bem? Ou as causas seriam mais profundas, atingindo a própria cultura americana? As famílias se encontravam pouco, a não ser no dia de Ação de Graças, o grande dia da moratória de todos os grandes conflitos.

Cabem a Márcia, uma professora crítica e contestadora, as palavras finais do livro:..."começou a rir e rir sem parar de todos eles diante da debilidade de toda aquela engenhoca, começou a rir e rir sem parar de todos eles, os pilares de uma sociedade que, para grande satisfação de Márcia, estava rapidamente indo por água abaixo - rindo e se deleitando, como algumas pessoas, historicamente, parecem sempre fazer, ao ver a que ponto a avassaladora desordem se havia espalhado, se deliciando imensamente com a vulnerabilidade, a fragilidade, o enfraquecimento de coisas supostamente sólidas. [...] E o que há de errado com a vida deles? O que, neste mundo, pode ser menos repreensível do que a vida dos Levov"? Outros tempos, outros valores. O enigmático ano de 1968 e seus antecedentes. Me lembrei muito da pergunta constantemente feita: Mas onde foi que eu errei? onde foi que nós erramos?



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