quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O Fascismo. Definição e características.

Li muito ao longo deste ano de 2015. Final de ano é tempo para balanços. Qual teria sido o livro mais impactante do ano? Não teria dúvidas em indicar o livro de Márcia Tiburi Como conversar com um fascista - Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro. São pequenos ensaios de filosofia, de política e, acima de tudo, de ética. Alteridade, diálogo, conhecimento e superação são as grandes palavras do livro. Vejo em Márcia Tiburi o brilho da nova geração do pensamento filosófico brasileiro. Ainda ouviremos falar muito dela.
Um livro de muita densidade filosófica, política e ética.

O livro tem uma primorosa apresentação de Rubens Casara, um juiz de direito. Sobre o livro falarei em outro post, para agora me ocupar apenas da apresentação e um pequeno toque para o prefácio, de autoria de Jean Wyllys. Sempre trago comigo a advertência de Adorno, contida em seu desassossegador texto Educação após Auschwitz, "A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação". O que constatamos é  que pouca gente se preocupa com a questão, nos turbulentos dias atuais, tão profundamente impregnados pelo ódio. A intenção do livro é dialogar, inclusive com os fascistas, para que  monstruosidades semelhantes a Auschwitz não se repitam.

Rubens Casara inicia sua apresentação contando uma fábula oriental. Um homem, enquanto dormia, teve a sua boca invadida por uma serpente, que se alojou em suas entranhas. Como consequência, perdeu sua autonomia, pois a serpente o dominava em todas as suas ações. Desta imagem ele passa para o filme O ovo da serpente, de Ingmar Bergman, dizendo que não mais precisamos nos preocupar com o ovo, onde através de fina membrana, a serpente já está perfeitamente delineada, uma vez que ela já está alojada no ventre das pessoas. Ou melhor, ela já está entranhada em nossa cultura e o seu veneno se manifesta por um peçonhento e profundo ódio. Um ódio ao outro, ao diferente.
Sem a aceitação do outro, qualquer projeto humano é possível. Amar as diferenças.

Segue uma explanação sobre a origem do fascismo, em sua terminologia e na história. A palavra vem do latim fascio, de fascis, o feixe de varas. Elas são o símbolo dos magistrados romanos, que usariam de varas para remover de seus caminhos, os obstáculos para os seus intentos, ou como diz Casara, textualmente: "exercício de poder, sobre o corpo do indivíduo que atrapalhava o caminho". É óbvio que os métodos se modernizaram. Soube depois, que as varas forenses derivam deste símbolo.

Historicamente o fascismo está ligado ao ocorrido na Itália, nos tempos de Mussolini. Mas ele não estava sozinho. "Diversos movimentos semelhantes surgiram no pós-guerra com a mesma receita que unia voluntarismo, pouca reflexão e violência contra seus inimigos", afirma Casara. Afirmação esta que já nos serve como uma primeira definição para o movimento. Mas o magistrado continua nesta definição: "Para os seus idealizadores e teóricos, o fascismo era uma ideia política com peso semelhante ao do socialismo ou do liberalismo. O discurso legitimador das práticas fascistas é de que a ideia que leva a essa prática (que em regra não se assume fascista) não teria surgido de abstrações teóricas, mas da necessidade de ação (da vontade de conquista)". O seu sonho é uma fantasia saudosista de retorno à uma pureza e ordem do passado.
Na soma das diferenças, a grande riqueza.

A apresentação segue com a indicação das principais características. Vamos a elas: Ele é uma ideologia fundada na negação. Nega-se, acima de tudo, o conhecimento e, em consequência o diálogo, o grande instrumento da superação da ausência de saber; não suporta a democracia, quando esta é entendida como o meio para a concretização dos direitos fundamentais de todos. A insuportabilidade desta democracia os leva a constantes práticas de violência; advogam um Estado total, ao qual se submetem, querendo também submeter aos outros. Negam a alteridade. O outro, o diferente é um inimigo.

Sempre se apresenta como um fenômeno natural, que lhe permite o recurso ao irracional e ao antirracional, como o emprego da violência para a submissão. Sempre desconfiam do conhecimento pois este pode abalar as suas crenças e os desestabilizar. Querem preservar a ignorância como algo imanente; junto com o ódio ao saber também vem o ódio à liberdade. Por dela abdicarem, também querem impor aos outros a sua abdicação.

A apresentação termina com a convocação para a superação do fascismo em curso na sociedade brasileira. As consequências do fascismo são bem conhecidas. O livro de Márcia Tiburi é um convite à superação, que pressupõe o uso do diálogo, inclusive com o próprio fascista, para que com ele, se  abra um espaço, nem que seja mínimo, para possibilitar a maravilha da contradição e o caminho para a superação. Termino com uma frase de D. Helder Câmara, de um livrinho que me acompanha há muito tempo, O deserto é fértil. "Se discordas de mim, tu me enriqueces".




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