terça-feira, 24 de janeiro de 2017

A Construção Política do Brasil. Bresser Pereira.

Sempre respeitei Luiz Carlos Bresser Pereira como um grande intelectual. Seu livro Desenvolvimento e Crise no Brasil sempre me acompanhou em minhas atividades acadêmicas. Depois de se envolver mais diretamente em política, chegando a ser ministro de Estado por três vezes, nos governos Sarney e FHC, deixei de acompanhá-lo mais de perto e o reencontrei por seus artigos e entrevistas. Como as apreciei bastante, em 2015 comprei o seu livro, A Construção política do Brasil - Sociedade, economia e Estado desde a independência, mas como não tenho mais obrigações acadêmicas a cumprir o deixei na fila de espera.
Da colonização até 2014. A construção política do Brasil. Editora 34.

Agora, depois de ler Entre a história e a economia - o pensamento econômico de Roberto Simonsen, julguei oportuna a sua leitura, já que estava envolvido no clima de estudar o Brasil e a sua economia. Mais uma vez Bresser Pereira se mostrou brilhante e, com certeza, o seu livro estará incluído nos trabalhos de formação, de cuja atividade ainda não declinei. Bresser Pereira é formado em Direito, mas sempre esteve ligado à área econômica, dedicando a sua vida à academia (FGV), à administração de empresas e à atividade pública. Seus grandes referenciais teóricos são Marx, Max Weber e Keynes. Ele se autointitula como um cientista social, para além de economista, portanto.

O livro é de extrema erudição, com profundo conhecimento dos intérpretes do Brasil, e tem abrangência desde o período colonial, até o ano de 2014, ao período que antecedeu as eleições daquele ano. Como está afirmado no sub título, ele analisa a construção da sociedade, da economia e do Estado. Possui 461 páginas divididas em 23 capítulos, que acho importante serem apresentados:

1. Uma periodização; 2. As origens coloniais do atraso; 3. Ciclo Estado e Integração Territorial; 4. Império, constitucionalismo e federalismo; 5. A Primeira República; 6. Começa a Revolução Capitalista Brasileira; 7. A retomada do desenvolvimentismo após 1945; 8. O Pacto Nacional-Popular de 1930; 9. A crise do Pacto Nacional-Popular de 1930; 10. A crise dos anos 1960; 11. O Pacto Autoritário-Modernizante de 1964; 12. Interpretação da dependência; 13. O modelo exportador de manufaturados; 14. Auge e declínio nos anos 1970; 15. A transição democrática (1977-1984; 16. Crise financeira e fim do grande crescimento; 17. A crise do Pacto Democrático-Popular de 1977; 18. A democracia brasileira; 19. Pacto Liberal-Dependente de 1991; 20. O Plano Real. 21. A armadilha do câmbio e dos juros; 22. O pacto que não houve; 23. Balanço do terceiro ciclo. Tem ainda uma conclusão, com questionamentos e encaminhamentos.

A periodização se refere ao Brasil independente e compreende três ciclos, que são apresentados no primeiro capítulo. Estes ciclos são antecedidos por um longo período colonial (1532-1822), fundamental para a compreensão do que acontece até nos dias de hoje. O primeiro ciclo é o do Estado e a Integração Territorial que corresponde ao período do Império, marcado por um Pacto Oligárquico; o segundo, o Ciclo Nação e Desenvolvimento (1930 até 1977), marcado primeiramente por um Pacto Nacional-Popular e depois Autoritário-Modernizante, quando se constroi o capitalismo brasileiro e o terceiro, o Ciclo Democracia e Justiça Social. Lembrando que a narrativa do livro se encerra com o final do ano de 2014.

Minhas preferências recaíram sobre o capítulo de número dois, onde Bresser examina os grandes intérpretes do Brasil e oferece um belo quadro sobre o desenvolvimento do capitalismo mundial, a partir das cidades do norte da Itália, com as atividades comerciais, até se consolidar nas nações que primeiro se industrializaram, como a Inglaterra, a França a Holanda e a Bélgica e, depois, nos países de industrialização tardia. Faz também uma notável comparação entre o desenvolvimento dos Estados Unidos, onde imperou a colonização de povoação e a do Brasil, onde prevaleceu a colonização mercantil. O monopólio e a escravidão cravaram na nação uma espécie de pecado original, ou então, lhe deixaram uma marca definitiva de privilégios que insistem em permanecer.

Também é interessante ver entre nós a presença do eterno conflito entre os nacionalistas e os liberais, com destaque para Manoel Bomfim, Monteiro Lobato e Roberto Simonsen entre os nacionalistas e Eugênio Gudin, entre os liberais, passando pelos famosos embates entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin, nos anos 1940. Nos lembra também, que aqui se construiu primeiramente um Estado e, somente depois, uma nação. Foi então que se desenvolveu o processo de industrialização, pressuposto do desenvolvimento. Este processo foi financiado pelo café.

A análise desse processo, do segundo ciclo, creio ser bastante conhecido, também mereceu um belo estudo, com destaque para o processo da modernização conservadora, sempre presente em nossa história. Quero ainda destacar a bela incursão em nossa história recente, caracterizada por ele, como o ciclo Democracia e Justiça Social, a partir de 1977, quando começa a redemocratização, com as Diretas Já e a Constituição social-democrata de 1988. No capítulo 19 e 20 é feita uma bela análise do governo FHC, quando o Brasil abandonou o conceito de Nação, assumindo o imperialismo liberal do norte e os mercados globalizados, que eliminaram as fronteiras do nacional. Neste período a China transformou-se na grande fábrica do mundo, enquanto que o Brasil se contentava em ser a sua grande fazenda, se desindustrializando e vivendo a sua tão antiga doença, a doença holandesa, limitando-se a produzir bens primários.   Assumimos a dependência.

Também gostei muito do capítulo 21. A armadilha do câmbio e dos juros altos. São estes os dois fatores que efetivamente travam o desenvolvimentismo social que estamos perseguindo. São estes os dois fatores que promovem a nossa desindustrialização. Vejam estes números: Em 1984 a indústria representava 35,8% do PIB brasileiro, enquanto que em 2011 já representava apenas 15,3%. Se em 1986 contribuía com 27% do total dos empregos, em 2009 ele caiu para 17,9%  (pág. 383). Está aí uma evidência.

Quero deixar registradas, ainda, duas ideias me mereceram mais a minha atenção. A primeira é uma convicção ideológica sobre  liberalismo, crença no liberalismo político e descrença no econômico. Vejamos: "... Isso significa que, primeiro, não se deve confundir o liberalismo político (a garantia dos direitos civis) com o liberalismo econômico; enquanto o liberalismo político é uma conquista da humanidade, o liberalismo econômico é uma forma equivocada de organizar o capitalismo" (pág. 133). A segunda é uma constatação de que a elevada taxa de juros e a sobreapreciação do câmbio são hoje o grave entrave para a realização do que ele chama de Ciclo Democracia e Justiça Social.

E uma observação final. Em fins de 2014 ele tinha absoluta convicção de que a democracia brasileira, que se iniciou com o pacto pela redemocratização, a partir de 1977, veio para se estabelecer definitivamente entre nós. Creio que ele não conheceu suficientemente bem os seus colegas do Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB, partido do qual ele se desfiliou em 2011, para fazer esta afirmação. Quanto ao mais, trata-se de um livro simplesmente magistral, que ajuda a conhecer bem o Brasil e também os brasileiros. Livro onipresente para estudos e consultas. Um livro para estudiosos.

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