quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

O Pensamento econômico de Roberto Simonsen.

Se há um estudo que me fascina é o estudo dos diferentes intérpretes do Brasil.  Há muito eu tinha vontade de fazer uma incursão no campo mais voltado para a economia. Sempre me chamou atenção a pessoa de Roberto Simonsen, que eu sabia, assim por alto, que ele não era um liberal, ao menos no sentido da ortodoxia desta palavra. Resolvi estudá-lo e tive a sorte de encontrar um livro que satisfez as minhas curiosidades com relação a ele.
Um livro primoroso. Para estudiosos. Para pessoas preocupadas com o Brasil.

O livro é uma dissertação de mestrado, produzida na Universidade de São Paulo entre os anos de 2012 - 2013 e publicada em livro em 2015. O livro tem por título Entre a história e a economia - O pensamento econômico de Roberto Simonsen. O seu autor é Luiz Felipe Bruzzi Cury, um bacharel em economia, formado pela Universidade Federal de Minas Gerais. Ele fez um trabalho de elevada qualidade, honrando devidamente o homem público e intelectual renomado de sua pesquisa.

Roberto Simonsen nasceu em Santos no ano de 1889. Formou-se engenheiro civil pela Universidade de São Paulo em 1909 e teve uma vida extremamente ativa, divida entre as suas atividades como industrial, na qualidade de proprietário da Companhia Construtora de Santos, na verdade um complexo de empresas, entre a sua atividade de intelectual como professor da Escola Livre de Sociologia e Política da USP, da disciplina de História Econômica do Brasil, como líder corporativo e que nesta qualidade alcançou a presidência da poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e ainda, a atividade política, sendo parlamentar e participante de inúmeras missões governamentais.

 O livro esmiúça o seu pensamento e as suas atividades. Ele atuou nos anos 1920, quando se dedicou mais às atividades empresariais, nos anos 1930, quando somou a atividade intelectual com a atividade classista e política  e na década de 1940, quando era reconhecido intelectual e formulador de políticas econômicas. Sempre esteve preocupado com o desenvolvimento brasileiro, que somente poderia ser alcançado pelo processo de industrialização. E esse processo não se daria pela simples inserção no livre mercado. Contrariava assim as teses da economia liberal e buscava, além de fatores da teoria econômica, também os condicionantes históricos que efetivamente colocariam o país em seu processo de desenvolvimento almejado. Intervencionismo, protecionismo e nacionalismo são palavras chaves em seu pensamento. E também necessariamente a palavra, câmbio.

O livro de Bruzzi Cury obedece os ditames de apresentação de uma dissertação acadêmica. Introdução com a formulação das questões a serem investigadas, três capítulos em que mergulha na explanação das questões propostas e as reflexões finais sobre o trabalho desenvolvido. Bibliografia e anexos complementam o livro.

O primeiro capítulo tem por título Roberto Simonsen: da modernização ao pensamento nacional, com dois subtítulos: Primeira República e Modernização e - da Revolução de 1930 ao Estado Novo: um novo tipo de atuação. A ideia que move os estudos de Simonsen é o atraso brasileiro. Daí passa a buscar as causas, que segundo ele, são mais históricas do que econômicas. Por isso a atuação do Estado se torna necessária para fazer as correções. Tinha a firme convicção de que apenas a industrialização resolveria o problema do nosso atraso histórico. Por isso todo o seu esforço para estimular a industrialização. A sua formação técnica o levou ao processo de modernização da produção pelas teorias do fordismo/taylorismo, buscando acumulação pelos ganhos de produtividade e não pela baixa remuneração do trabalhador. Era preciso formar um mercado consumidor.

Rejeitava assim a vocação natural que muitos atribuíam à economia brasileira, de que ela deveria se limitar a um país agrário exportador de seus produtos, que marcaram os diferentes ciclos da economia, desde a cana até o café. Enxergava grandes possibilidades de desenvolver os setores ligados a industrialização de carnes, da indústria algodoeira e têxtil e da madeira. Já na década de 1920 aparece a indústria de cimento, fundamental ao desenvolvimento de suas atividades à frente da Companhia Construtora de Santos. Mas ele quer mais. Da modernização ele avança para os conceitos de desenvolvimentismo, planejamento e protecionismo.

O segundo capítulo tem por título Nacionalismo, industrialismo e história, e vários subtítulos: O início da carreira de Simonsen: Da Escola politécnica à FIESP; A Escola Livre de Sociologia e Política e a História Econômica do Brasil. Roteiro de leitura A História Econômica do Brasil e o projeto industrialista de Simonsen e outras contribuições historiográficas. Simonsen foi um dos fundadores da Escola Livre de Sociologia e Política e foi professor da disciplina de História econômica do Brasil. Das aulas surgiu o livro que é uma de suas grandes contribuições para a historiografia brasileira. Me permito uma pequena intervenção de juízo. Conseguem imaginar a qualidade de suas aulas? Ele as produziu artesanalmente, tópico por tópico. Ele compôs a partitura e não apenas a executou, numa referência à Didática Magna de Comênius, que já em sua época falava que o professor precisava apenas tocar a partitura e não compô-la. Ah! A divisão social do trabalho!

Mas voltando à análise, ele também incluiu em suas aulas a economia cafeeira e os movimentos populacionais, ou mais precisamente, sobre os seus deslocamentos, de acordo com os diferentes ciclos econômicos e também, a industrialização. Um pesquisador de muita qualidade. Autores brasileiros e estrangeiros alavancavam as suas argumentações.

O terceiro capítulo tem por título Protecionismo e planejamento e os seguintes subtítulos: Simonsen e o protecionismo: momentos chave "As finanças e a indústria": Manoilescu e Woytinsky. O Tratado Comercial de 1935 e a participação de Simonsen. Planejamento: A controvérsia, antecedentes e contexto. O pós guerra e algumas questões latino-americanas. A grande questão deste momento é o seu confronto com o economista liberal Eugênio Gudin, já sob o governo de Dutra.

O que impressiona em Simonsen é a sua dedicação ao estudo e a sua militância. Certamente ele não gostava de perder em suas polêmicas, além de seu ideal de desenvolvimento do Brasil, e por isso ele estudava. Estão presentes em suas obras, palestras e conferências o que de mais moderno existia na literatura mundial. Sobre o protecionismo ele trazia os estudos de todos os países desenvolvidos, mostrando o quanto elas estiveram presentes em seu desenvolvimento, contrariando as teorias por eles propugnadas, do livre mercado e da espontaneidade das leis econômicas. Ele via a realidade como algo bem mais complexo e, em que, a intervenção se fazia necessária. As crises devem tê-lo influenciado bastante. Crises e recuperação econômica. Primeira guerra, crise de 1929, entre guerras, Segunda guerra, planos de recuperação econômica pós destruição. Era um campo em que, necessariamente, história economia e determinação teriam que se somar, se quisessem efetivamente a recuperação econômica e o desenvolvimento.

Fiquei muito impressionado com esta leitura. Ele morre em 1948, o mesmo ano da criação da CEPAL. Sempre esteve muito próximo do pensamento de Celso Furtado. Roberto Simonsen tinha autoridade para falar. Era uma referência e tinha respeito e reputação. As suas posições provocaram controvérsias. Muitos chegaram a se desfiliar da entidade em contrariedade com as suas posições. E o que é a FIESP hoje? Quantos anos faz que o país não tem uma política de industrialização, em que se busquem todos os condicionantes para que isso de fato ocorra e não apenas os caminhos mais fáceis das isenções. A FIESP de hoje se dedica efetivamente à indústria ou ela tem os seus interesses mais voltados ao rentismo? E o pior, metidos em golpes, com a ridícula figura do PATO. E os choros de hoje de Benjamin Steinbruch, (vice presidente da FIESP) pedindo socorro ao Estado brasileiro para salvar a indústria nacional. Parece patético o seu grito de socorro.

Deixo com vocês a penúltima frase de seu artigo na Folha de S.Paulo 10.01.2017. "A indústria brasileira precisa de socorro, sem preconceitos: apoio à acumulação de capital, acesso a crédito com juros civilizados, programas de compras governamentais, políticas macroeconômicas e fiscais estimuladoras de crescimento, taxas de câmbio que deem competitividade à produção e escolha de setores com prioridades e sob controle de desempenho". E mais um pedacinho do parágrafo final: "Não há outro caminho. Entregue à própria sorte e sob a patrulha neoliberal"... Nenhuma referência a salários e direitos trabalhistas em desconstrução. Ah se Roberto Simonsen ainda estivesse entre nós. Outros tempos.


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