segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Jango e eu. Memórias de um exílio sem volta. João Vicente Goulart.

Ainda na primeira metade do mês de janeiro, já tenho um livro como sério candidato ao OSCAR de melhor livro do ano. Trata-se de Jango e eu - Memórias de um exílio sem volta, de autoria de João Vicente Goulart. O golpe civil militar de 1964, o exílio, primeiramente no Uruguai e depois na Argentina, o relacionamento afetuoso entre pai e filho, os reais motivos do golpe e o ideário político humanista de Jango são os pontos altos deste maravilhoso e sensível livro.
No meu julgamento, candidato a livro do ano. Para ler com sentimento e emoção.


No ano de 1964, o ano do golpe, João Vicente tinha apenas sete anos de idade e seu pai 46. Jango teve carreira política verdadeiramente meteórica. Com esta idade já galgara os mais altos postos dentro da República, na qualidade de ministro, vice presidente e presidente. Foi o expoente máximo do trabalhismo brasileiro e o líder maior do Partido Trabalhista Brasileiro. João Vicente nos alerta que o livro não pretende ser um livro para a academia, mas não o deixa de ser.

Posso dizer que conheço relativamente bem o período em que Jango esteve a frente do poder, bem como o seu ideário político. Li muito sobre o conturbado momento político então vivido pelo país, como também a bela biografia, escrita por Jorge Ferreira, João Goulart - Uma biografia. Sempre tive a intuição de que Jango foi o mais bem intencionado dos presidentes brasileiros e era um homem dotado de profundos sentimentos humanos e de uma generosidade sem limites. Além de confirmar esta minha percepção, o livro de João Vicente também nos mostra o pai afetuoso que ele foi.

O livro também nos mostra, ou confirma, a enorme perversidade da elite brasileira, individualista e egoísta, sempre trabalhando contra o Brasil para obterem benefícios pessoais. Lembro de Dom Hélder Câmara, que comparava esta elite como sendo os cônsules dos interesses estrangeiros. Sempre trabalharam para que aqui não se formasse uma nação, com um povo vivendo em sua dignidade e decência. Para construir esta nação, seriam necessárias inúmeras reformas, as chamadas reformas de base, reformas estruturais na economia, na sociedade e na cultura brasileira, que diga-se de passagem, ainda estão por serem feitas. Jango nos deixou um projeto político pronto.
Em frente a casa museu de João Goulart, em São Borja.


O livro é composto de 19 capítulos, que retratam o período que vai de abril de 1964, com o início do exílio, até dezembro de 1976 com a morte ou assassinato na Argentina e o enterro realizado em São Borja, a sua terra natal, sob expressa proibição pela ditadura, ainda vigente. Jango tinha apenas 58 anos. Estava profundamente disposto a voltar ao Brasil, ajudar na sua redemocratização e lutar pelo seu ideário político da construção da justiça. Coisas da operação Condor. João Vicente crê firmemente que seu pai morreu assassinado.

Deixo os títulos dos capítulos: 1. O Uruguai é azul, em alusão a uma resposta da mãe para um filho de sete anos, que chega a um país diferente; 2. Um novo mundo - A República Oriental do Uruguai; 3. Solymar - Uma casinha, um sonho e desafios futuros; 4. Hotel Colúmbia - A preparação após Solymar para enfrentar o exílio; 5. Um endereço definitivo - Leyenda Patria 2.984, terceiro andar, Villa Biarritz; 6. Os exilados, uma alusão aos inúmeros exilados brasileiros que vinham se encontrar com Jango; 7. Uma nova vida, dia após dia, que para mim é o capítulo mais bonito do livro, quando a família se adapta ao exílio e conta os motivos pelos quais ele ocorre. Neste capítulo o pai explica para o filho, então com 12 anos, o que foram as reformas de base (Farei um post especial).

Mas, continuando: 8. Conversas com meu pai. 9. Os lugares e as lembranças, outro belo capítulo em que Jango recomenda leituras para o filho e fala sobre a visita de Lacerda e a formação da Frente Ampla; 10. As perdas, um relato sobre o endurecimento do regime no Uruguai e a morte de amigos; 11. Fragmentos: O papa João XXIII e as reformas, quando entra em cena a majestosa atuação do bispo, futuro cardeal Dom Paulo Evaristo Arns; 12. Ventos e raízes, uma penetração em algumas coisas da intimidade familiar; 13. As esquinas das cidades, que já não são mais confiáveis; 14. Enfim um passaporte, que por incrível que pareça, lhe foi conseguido pelo ditador paraguaio Stroessner e que lhe possibilita viajar para Paris; 15. Sem adormecer, sem os sonhos acabarem, onde é narrado o caso de D. Mitrione; 16. Paris, uma válvula de escape e o seu tratamento cardíaco em Lyon e os encontros com os exilados na Europa; 17. 1972, 1973: A mudança. A queda da democracia no Uruguai e a perda do sonho de liberdade; 18. Gaivotas migram em direção ao condor: peregrinação e busca por uma esperança, Uruguai, Argentina, Paraguai, Londres, Paris. 19. Londres, a última morada do infindável exílio, de João Vicente, enquanto Jango conhece uma morte prematura.

Reafirmo a minha predileção pelo sétimo capítulo e pelos capítulos finais. É um livro que se lê com sentimentos e emoções, com os olhos embaçados em lágrimas, quando a leitura precisa ser interrompida para o coração palpitar com força tanto pela emoção, quanto pelo ódio, um ódio profundo, contra aqueles que tudo fizeram e fazem para manter o povo na miséria e na opressão. Jango sempre foi um conciliador e partidário da tolerância, uma de suas maiores qualidades.  Um livro que todos os brasileiros deveriam ler.
Jazigo da família Goulart, em São Borja.


Chamo ainda atenção para a parte final do livro, em que João Vicente, debruçado sobre o caixão do pai faz as suas rememorações e mantém com o pai a sua última conversa, cena que é retratada num belo álbum de fotografias inserido no livro. O livro ainda contém importantes documentos em um anexo final. Tem também uma carta de Jango para João Vicente, quando este está em Londres. Coisa linda, do tempo em que se escrevia cartas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.