sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Fogo Morto. José Lins do Rego.

Fogo Morto é mais um dos romances do ciclo dos engenhos, escrito por José Lins do Rego no ano de 1943. O cenário é a cidade de Pilar, no interior da Paraíba, a terra natal do grande escritor. Duas gerações estão presentes na narrativa, que se passa entre o final do Império e as duas primeiras décadas da República. Uma geração que ainda sustenta os engenhos e a outra que assiste a sua derrocada. É um momento de graves conflitos e de muita violência. De um lado estão as volantes, a apavorar a população, e do outro está o cangaço com os seus justiçamentos. O romance mostra decadências, especialmente de pessoas que não suportam as suas realidades e se destroem interiormente.

Três personagens dominam o romance e ocupam as três partes em que o livro se divide. O primeiro é o mestre José Amaro, um artífice em sua profissão de seleiro. O couro é o seu ofício. O segundo personagem veio do Recife. É o capitão Lula de Holanda. Ele é fidalgo e moço estudado. Chega ao Santa Fé pelo casamento com a senhorita Amélia, moça de fino trato e estudada no Recife. É a filha do senhor do Engenho Santa Fé, capitão Tomás. O terceiro personagem é uma espécie de Cavaleiro da Triste Figura, ou um Cavaleiro de Leões, muitas vezes alvo de gozações e outras, de profundo respeito. É movido pelos ideais da mais absoluta justiça.

José Amaro mora no Santa Fé. Coisas de seu pai. Foi ali acolhido após um assassinato em Goiana. Coisas da compaixão. Aprendeu a profissão e foi por aí ficando. Gozava de grande reputação profissional, mas tinha um gênio do cão. Trabalhava apenas para quem ele queria. Era casado com Sinhá e tinha uma filha, Marta. Marta não arrumava namorado, fato que muito irritava o Zé. A família foi se azedando e as relações passaram a ser trespassadas pelo ódio. Marta foi internada num sanatório do Recife. José Amaro fazia incursões noturnas e assustava a todos. Por ser filho de assassino, o diziam possuído pelo demônio e o chamavam de Lobisomem. O falatório dizia maldades do mestre, até com relação a filha.

Lula de Holanda, ou Luís César de Holanda Chacon possuía até bons antecedentes familiares. Gente envolvida nas revoluções de 1848, a Praieira. O casamento o transformou em herdeiro do Santa Fé. O engenho era de propriedade do capitão Tomás. Não era muito grande, mas era extremamente bem administrado e com muita parcimônia. O dinheiro era reservado para a educação da filha e compra de ouro. Lula de Holanda era um desastre nos negócios. À frente dos negócios, tudo se agravou. Se tornou famoso no mau trato com os escravos, e todos eles o abandonaram após a abolição. Confiou o seu destino à religião e aos cuidados excessivos à sua filha. Esta foi condenada a permanecer solteira, por não haver pretendente à sua altura. As relações se azedaram profundamente. Lhe sobrou o fuxiqueiro Floripes e Pedro o boleeiro de seu cabriolé.

O capitão Vitorino Carneiro da Cunha era o politiqueiro do lugar. Não tinha medo de nada e a justiça para com todos era a sua causa. Era casado com Dona Adriana e tinham um filho, Luís, que estava na marinha. Era compadre de José Amaro, padrinho de Luís. O seu sentimento de justiça fez com que tomasse o compadre sob a sua proteção. Este fora envolvido em fuxicos e Lula de Holanda lhe reclamou a casa. Vitorino resolveria o caso. As vezes era respeitado, mas no geral, lhe tiravam troça, especialmente as crianças. Era o papa-rabo, alcunha que o irritava profundamente, especialmente, na voz das crianças zombeteiras.

José Amaro vivia a sua solidão. Sinhá o abandonara. O bêbado Passarinho passou a lhe fazer companhia. O cego Torquato e um comerciante o envolvem com o cangaceiro Antônio Silvino, que manda até bilhete para Lula de Holanda para que ele não se atrevesse a lhe tomar a casa. O cangaço chega ao Pilar e até casa de Lula Holanda que, tomado de ataques, quase não reage. José Paulino, senhor de engenho poderoso, interfere e apazigua a todos. Mas os volantes decidem fechar o cerco. José Amaro, Passarinho e o cego Torquato são violentamente torturados e o capitão Vitorino mostra todo o seu destemor e consegue a soltura dos presos. José Amaro não suporta as humilhações e busca o suicídio.

O romance ganhou o devido e merecido destaque pela construção dos personagens. O autor era profundo conhecedor dos engenhos e das relações autoritárias que neles se travavam. Isso o ajudou na construção dos personagens. O grande mote é a decadência e esta corroi internamente. José Amaro se perde em desgosto com a filha solteira e no inconformismo de amedrontar a todos, até as crianças, como lobisomem e encarnação do demônio. Lula de Holanda se refugia na religião, nela buscando compensação e força para maltratar seus escravos e para os seus desencontros, com a mulher e a tão estimada filha.

Somente o capitão Vitorino Carneiro da Cunha continua com o seu destemor. Não se rende a ninguém e continua a sua pregação por um mundo de justiça, em meio as maldades dos volantes e o espírito justiceiro do cangaço, de Antônio Silvino. Um livro da fase madura do escritor. Decadência leva à desumanização e a desumanização é a perda do outro, o ódio ao outro e a busca do isolamento. A desumanização é o grande tema do livro.








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