domingo, 21 de maio de 2017

Oswald de Andrade - Biografia. Maria Augusta Fonseca.

O meu contato maior com Oswald de Andrade era para ter acontecido em 2011, quando o homem do modernismo brasileiro foi o homenageado da Feira Literária de Paraty, em sua nona edição. Não ocorreu, pois eu ainda estava em sala de aula. Agora, quase ao acaso, tive este feliz reencontro com o escritor.  Uma pequena compra me fez passar em frente a uma feirinha de livros  da Top Livros, no Shopping Barigui. Todos os livros a R$ 10,00. Uma breve vasculhada, e já estava com vários livros em mãos.
Bela biografia e belo entremear do escritor com o seu tempo e história. Um belo panorama cultural.


Um deles era Oswald de Andrade - biografia, de autoria da professora Maria Augusta Fonseca. O livro é de 2007, da Editora Globo. A Top Livros atua na ponta de estoque dos livros. Imerecidamente este livro fez parte de sobras. Isto me lembrou do último livro do escritor, homem sem profissão. Sem profissão é uma alusão à vida que leva o escritor no Brasil. Tanto os escritores, quanto seus livros podem facilmente entrar no imerecido ostracismo. No funeral de Oswald de Andrade havia menos gente do que na menos concorrida das recepções que dava em seus tempos de fausto.

Oswald de Andrade tem o seu nome umbilicalmente ligado ao modernismo brasileiro, à semana da arte moderna e ao companheiro daquela pioneira jornada, Mário de Andrade.  Antônio Cândido, seu compadre, e analista de sua obra, assim define  este complexo, irrequieto e provocador personagem: "Nesse homem contraditório, reside o conservador e o vanguardista, o conformista e o experimentador". Com a mesma facilidade com que cultivava amizades, também as rompia, com a sua feroz crítica.

Oswald de Andrade pertenceu a mais alta burguesia paulista O pai era político e fez fortuna com a especulação imobiliária. Não foi suficiente, no entanto, para que a ela desse um fim. Recebeu fortes influências da mãe, especialmente o fervor do catolicismo, com o qual nunca rompeu por completo, mesmo sendo adepto do materialismo em seus tempos de militância comunista. Sua vida era agitadíssima sob todos os aspectos. Com os amigos, com as finanças, e, especialmente, em seus envolvimentos amorosos, que muito escandalizaram a conservadora São Paulo.

Jorge Schwartz escreve a orelha do livro e assim faz a sua apresentação. "A biografia entrelaça vida e obra, com um pesquisa minuciosa, em fontes como depoimentos de época, correspondências, artigos jornalísticos, polêmicas literárias, políticas e pessoais, somados às próprias e surpreendentes descrições desse artista que, na melhor tradição vanguardista da identificação 'arte-vida', chegou a se converter em sua própria personagem. Mais do que desenhar um perfil individual, a autora faz um verdadeiro retrato do Brasil. Em momento algum deixa de cruzar os traços biográficos com os registros históricos de um país rural de inícios do século XX, que ingressa na modernidade pau-brasilante com todas as contradições próprias de uma nação periférica e dependente, que buscou com afinco definir sua própria identidade".

Oswald de Andrade nasceu em 1890 e morreu em 1954. Assim a sua história passa pelos reflexos da abolição e da proclamação da República, pela lenta transformação da cidade pela industrialização, pelos agitos dos anos 1920, com a Semana de Arte Moderna em que foi estrondosamente vaiado, pela Revolução e transformações de 1930, pelo Estado Novo e sua censura, pela filiação ao Partido Comunista, até a sua morte em 1954, de uma diabete mal cuidada, embora todo o zelo de sua mulher.

O livro tem 19 capítulos, espalhados ao longo de 392 páginas, com bloco de fotografias e fartas notas apontando as fontes. Passa pela sua infância de filho único mimado, pelos anos de formação, pelo seu ingresso na Faculdade de Direito, pelas suas viagens a Paris, onde frequenta os mais requintados meios culturais, pelo seu envolvimento com a Semana da Arte Moderna e com todo o modernismo brasileiro, pelas suas obras literárias, pela sua atividade jornalística e de polemista da cultura brasileira. Uma vida muito rica, embora pouco compreendida.

A vida amorosa nunca lhe deu sossego. O seu lado dionisíaco era muito forte. De rígida formação moral religiosa passa por muitos amores, que assim como vinham, também se iam. Desta forma se envolveu com Kamiá, com Landa, com a bailarina Isadora Duncan, com Deise, com Tarsila do Amaral, com Pagu, com Julieta, e com Maria Antonieta d'Alkmin, com quem se casou em "últimas núpcias" e para quem escreveu o "Cântico dos Cânticos para flauta e violão". Deveria ser alguém muito sedutor.

Toda a sua obra, bem como as críticas a ela, também são objeto de análise desta biografia. Nas páginas finais tem uma relação completa de seus livros, todos reeditados pela Record. Os que me deu mais vontade ler são os mais autobiográficos. Memórias sentimentais de João Miramar, o Rei da vela (peça de teatro), Pau Brasil, Serafim Ponte Grande e um Homem sem profissão. De maneira geral a sua obra não foi bem recebida. Podemos dizer que ele foi redescoberto, apenas com a chegada do século XXI. O livro também é rico em aspectos pitorescos de sua vida, como as duas tentativas para seu ingresso na Academia Brasileira de Letras, mais como denúncia do que vontade efetiva de ingresso. Mas isso merece um post especial.

O livro é maravilhoso e eu o tomei como um grande livro de história do Brasil, um Brasil tão novo, tão em busca de identidade, causa esta, que foi o motivo principal da agitada vida do escritor. Como gosto de epígrafes, pela sua capacidade de síntese, deixo aqui duas delas. A primeira é geral ao livro: "O homem é o animal que vive entre dois grandes brinquedos - o amor onde ganha, a morte onde perde. Por isso inventou as artes plásticas, a poesia, a dança, a música, o teatro, o circo e enfim, o cinema". A segunda é da introdução, "A vida não é em linha reta, nem em ordem direta se processam as histórias de cada homem".

Um dos grandes méritos em sua vida foi o de nunca ter tido medo de amar. Como recompensa, entre muitas outras, imagino, recebeu uma dança, com absoluta exclusividade, de Isadora Duncan, com a sua nudez envolta apenas com a mágica leveza de suaves transparências. Confesso que fui acometido por uma deliciosa pontinha de inveja.






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