terça-feira, 17 de outubro de 2017

Confesso que perdi. Juca Kfouri.

Como gosto do Juca Kfouri e também de memórias, não tive dúvidas em comprar e ler este seu livro, Confesso que perdi. memórias. O fato de gostar de Juca Kfouri se deve ao seu espírito crítico e ao seu bom humor, que sempre acompanhei, especialmente pela Folha de S. Paulo e depois pelo rádio, na CBN. Não o conheci nem na Placar e nem na Playboy, onde ele permaneceu por mais tempo.
 O belo livro de memórias de Juca Kfouri. Confesso que perdi - memórias.

O livro tem vinte e um pequenos capítulos e um breve epílogo. Futebol e política, como ele diz, se misturam que nem água e sabão, ocupam todos os espaços ao longo destes capítulos. Tanto na política como no futebol ele fez opões claras, sendo que a do futebol vai para além da opção. O Corinthians é uma verdadeira paixão. Quanto à política a sua opção é pela democracia e pela esquerda. O seu jornalismo tem a marca da transparência. Achei um tanto curiosa a sua aproximação com FHC.

Começou cedo no jornalismo, onde fez sucesso, para além do esperado, como confessa. A sua família de alta classe média lhe proporcionou boa formação, tendo optado pelo curso de ciências sociais na USP. Este curso o colocou na Aliança Nacional Libertadora, na prisão, e o levou para a luta pela redemocratização e para a democracia corinthiana. A primeira matéria de impacto jornalístico foi o desvendar da máfia da loteria esportiva. Aí teve o seu primeiro contato com Aécio Neves, então diretor do setor de loterias da Caixa, já no governo Sarney. A impressão não foi boa.

Lamenta duas derrotas que teve nestes primeiros anos de atividades jornalísticas: A luta pelas diretas e a democracia corinthiana. Este tema o puxa para as mazelas da cartolagem do futebol brasileiro, das quais se ocupou ao longo dos muitos anos em que esteve à frente da Revista Placar. Da Playboy lembra das grandes entrevistas que fez, merecendo destaque todo especial a que foi feita com Pelé. A sua atuação crítica lhe rendeu muitos dissabores, mas a sua competência profissional sempre o fez ter ótimos empregos. Passou por praticamente todos os órgãos da imprensa brasileira, como a editora Abril, a Folha de S.Paulo, a rede Globo, a CNT., o SBT., a TV Cultura, a CBN, ESPN e o UOL.

Sempre foi escalado para as grandes coberturas, como as copas do mundo e para as olimpíadas, das quais conta preciosos detalhes de bastidores. Já nos capítulos finais Juca aumenta as críticas aos organismos dirigentes do futebol brasileiro e mundial, com destaque para o capítulo 16 em que fala da FIFA, de seus chefões e chefinhos e dos escusos acordos entre João Havelange, Ricardo Teixeira, dos diretores da Adidas e da ISL. Fala da sequências das copas de 2010, 2014 e 2018 e do conluio celebrado entre as construtoras e as máfias do futebol. Vê com satisfação o envolvimento do FBI e da justiça suíça no afastamento e prisão de muitos dirigentes.

Carlos Nuzman também merece sua atenção, dizendo que ele "sempre considerou João Havelange como modelo, disputou o amor dele com Ricardo Teixeira e, aparentemente, se deu melhor, porque ainda não teve maiores complicações  na justiça". Se tivesse esperado mais um pouco para escrever, isto já estaria desmentido. Conta ainda sobre três coberturas de olimpíadas que fez e que foram inesquecíveis: a de Barcelona em 1992; a de Londres em 2012 e a do Rio de Janeiro em 2016.

Logo que vi o livro, impliquei com o seu título. Como pode um jornalista tão considerado e bem sucedido usar um título não negativo: Confesso que perdi. Mas aí entra a elevada preocupação social que sempre caracterizou tão bem a sua vida. Depois de relatar um sério caso de saúde que teve, ele arremata: "Dar uma simplificada na vida acabou sendo o caminho escolhido. Menos confusão, mais curtição, embora o país não ofereça as condições para desfrutar de coisa alguma, cada vez mais injusto, cada vez mais intolerante, cada vez mais burro". Também fala do impedimento da presidente Dilma: "O espetáculo dantesco de cinismo e hipocrisia quando a Câmara dos Deputados votou o impeachment foi dessas coisas de envergonhar a própria vergonha. Um bando de corruptos amaldiçoando a corrupção.....".

No epílogo puxa três parágrafos iniciados com derrotado para se justificar: "Derrotado, sem dúvida, porque nem o Brasil, nem o futebol brasileiro, nem o jornalismo tupiniquim são hoje a coroação de meus sonhos de juventude".
"Derrotado porque, como dizia o grande Darcy Ribeiro, sinto orgulho de minhas derrotas e morreria de vergonha se estivesse ao lado vencedores".
"Derrotado, porque, apesar de profissionalmente vitorioso, por jamais ter transigido em meus princípios e de ter um padrão de vida que nem sequer sonhei ao começar a carreira de jornalista, e de vitorioso pessoalmente, por causa das pessoas que me cercam, vivo num país infeliz e injusto e que, no que se refere ao futebol, poderia ser a NBA desse esporte mas é apenas exportador de pé de obra".

Também Sócrates ganhou um capítulo especial e sobra espaço ainda para as cinco máximas que o acompanharam ao longo de sua exitosa vida profissional e, presumo, também pessoal. São elas: "Imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados", e "Quem se curva diante dos opressores mostra o traseiro para os oprimidos", duas frases de Millor Fernandes; "Viver é muito perigoso" de Guimarães Rosa"; "Não há derrotas definitivas para o povo", de D. Paulo Evaristo Arns e "Desesperar jamais", de Vitor Martins, parceiro de Ivan Lins.

Um livro cheio de leveza e de beleza, que são marcas do grande jornalista e também de muito aprendizado, de um humano aprendizado, tão raro em tempos de tanto obscurantismo. Grande Juca. Admiração ainda maior.

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