terça-feira, 10 de outubro de 2017

Os Muckers. P. Ambrósio Schupp S.J.


Creio que estou vivendo uma fase saudosista em minha vida. Estou retomando memórias de minha infância e, posso afirmar, das mais longínquas. Se tinha uma coisa que me assustava muito era a frase, dita por meu pai ou minha mãe, ou simplesmente lida nos jornais, Die Mucker Kommen. Os Muckers estão chegando. Aprendi a associar tudo o que se podia imaginar de ruim, a estes Muckers, sem ter a mínima ideia de quem eles poderiam efetivamente ser.

Agora, após uma visita ao meu irmão, vi com ele alguns materiais sobre as origens da imigração alemã e, consequentemente, sobre as nossas origens familiares. Já li o livro Os imigrantes do Husnrück e encontrei, na Estante Virtual, o livro Os Muckers, de autoria do padre Ambrósio Schupp, um padre jesuíta. O livro foi originalmente escrito em alemão e recebeu tradução de Alfredo Cl. Pinto. O livro foi muito bem escrito e é afirmada e reafirmada a fidelidade absoluta aos fatos. Toda a narrativa obedece a depoimentos de envolvidos, autos de processos ou cópias da imprensa da época. Porém, os adjetivos empregados, demonstram uma clara tomada de posição.
O livro. Um importante documento histórico.

O fato ocorrido remete ao ano de 1872, junto ao morro Ferrabraz, no hoje município de Sapiranga, mas os seus antecedentes ou as suas causas remetem a problemas trazidos desde a Alemanha. Aliás, se o livro tem algum defeito, ele está justamente na não análise das causas e dos objetivos deste movimento. De acordo com a leitura, o fato ocorreu de uma forma meio espontânea, como uma consequência da ausência de padres e de pastores, somado à possibilidade da livre interpretação da Bíblia, por parte dos protestantes. Do movimento são abstraídas as causas econômicas e ideológicas.

O livro do padre Ambrósio, que foi escrito ainda no século XIX, deve ter originado, por muito tempo, a única interpretação dos fatos e por isso mesmo, a verdadeira ou oficial. Esta interessava tanto aos padres, quanto aos pastores. É sabido que os alemães que se estabeleceram em São Leopoldo, as margens do rio dos Sinos, ali chegaram em 1824, em função das difíceis condições existentes na Alemanha, especialmente em consequência das guerras napoleônicas. Trouxeram também as suas divisões religiosas, entre os protestantes e os católicos. Os protestantes também trouxeram o movimento pietista.

O livro é dividido em três partes, divididas em pequenos capítulos. As partes tem os seguintes capítulos: 1. Os fanáticos; 2. Assassinos-incendiários e 3. Os rebeldes. Só por estes títulos já dá para ver a neutralidade do livro. O livro tem uma bela introdução sobre a colonização alemã no Rio Grande do Sul, seguramente um documento de valor histórico.

Na primeira parte, os fanáticos, entramos em contato com o curandeiro João Jorge e com Jacobina, o casal protagonista de toda a história. No começo, o papel principal era exercido pelo curandeiro, mas aos poucos este papel passa a ser exercido por Jacobina, pelo seu misticismo e capacidade de convencimento. Em pouco tempo conseguiu atrair muita gente, diante dos quais começou as suas pregações e interpretações bíblicas. Cada vez mais gente e gente com certa influência afluiu ao Ferrabraz. Também entra em cena um certo personagem misterioso. O movimento começou a dividir as famílias entre os seguidores e os chamados ímpios. A divisão também atingiu protestantes e católicos. A dissolução das famílias, segundo o padre narrador, também constava da doutrina dos seguidores de Jacobina. O movimento começa a preocupar as autoridades e, tanto João Jorge, quanto Jacobina chegam a ser presos. Mas isso só fez o movimento crescer.

Na segunda parte, Assassinos e incendiários, são descritas as cenas de violência, que segundo o autor, foram promovidas pelos Muckers, numa ampla ofensiva decretada contra os ímpios. Na calada da noite os Muckers promoviam os ataques aos inimigos mais declarados, incendiando-lhes paiol e casas e assassinando mulheres e crianças. A sanha sanguinária dos principais líderes é descrita com forte carga nas tintas. Ganhou grande destaque a chamada "Noite da carnificina", em que foram lançados muitos ataques simultaneamente. As "orgias de sangue" alcançam, inclusive, picadas mais distantes, narra o autor. Providências por parte dos colonos e das autoridades passam a ser tomadas. Mas, ao que tudo indica, também havia divisão entre estas autoridades.

Na terceira parte, Os rebeldes, são narradas as providências tomadas pelos colonos e pelas autoridades para por fim ao movimento. Isto não foi nada fácil. Os Muckers se organizaram para a resistência e a organização militar do Império era deveras frágil (recém tinham saído da Guerra do Paraguai) e com problemas de toda ordem, como os comandos, a desobediência e a falta de treinamento. Várias expedições resultaram em baixas e grandes derrotas, que causavam ou sentimento de admiração ou de pavor. Finalmente, depois de impor disciplina e um pouco de treinamento, em agosto de 1874, os Muckers são rendidos pelas forças legalistas. De uma maneira geral, a paz volta aos campos ensanguentados por mais este movimento messiânico, tão presente em nossa história, principalmente entre as populações economicamente menos favorecidas. Em tempo. Também houve uma delação premiada. Jacobina havia escolhido, entre os seus apóstolos, também um Judas.
Harmonia. No livro tem esta foto da minha terra natal. Não teve participação neste episódio dos Muckers.


Assisti também o filme, Os Mucker, do ano de 1978. O filme já contém alguns elementos mais críticos, envolvendo questões econômicas e ideológicas. E o filme tem uma preciosidade. O genuíno alemão da região alemã do Hunsrück, falado entre os colonos. É fácil localizá-lo no YouTube.

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