quinta-feira, 18 de abril de 2019

Complô contra a América. Philip Roth.

A leitura de Complô contra a América marca um retorno meu à obra de Philip Roth. Quem me levou a esta volta foi o grande livro de Jean-Louis Vullierme Espelho do Ocidente. O nazismo e a civilização ocidental. A referência mais específica foi em relação a Henry Ford e o seu envolvimento com o nazismo. O tema me interessou de imediato. Há tempos eu me propunha a investigar. Deixo aqui a resenha do Espelho do Ocidente. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/03/espelho-do-ocidente-o-nazismo-e.html .
A tragédia do nazismo vista por dentro. Dentro dos Estados Unidos.


O livro de Roth é uma ficção, mas, poderíamos dizer, uma ficção meio real. Sabemos que o presidente Roosevelt foi presidente de 1933 até 1945, quando acabara de se reeleger para o seu quarto mandato, quando então veio a morrer. Mas não pensem que teve vida fácil. Primeiro instituiu a política do New Deal, na terra do "livre mercado" e, depois, teve que enfrentar o problema da Segunda Guerra Mundial, em meio a uma forte pregação de isolacionismo e de francas simpatias pelo regime de Hitler, entre os meios empresariais e, até por parte de alguns judeus, especialmente, entre os mais ricos, como nos conta o grande escritor. 

Roth altera a história. O herói da aviação americana Charles Lindbergh se elege presidente, contando com a sua enorme popularidade e o apoio do Partido Republicano, sob a pregação de que os Estados Unidos não deveriam se imiscuir nas guerras que diziam respeito, exclusivamente, a Europa. O ataque de Hitler a União Soviética provocava verdadeira histeria eufórica entre muitos americanos. A ficção de Roth se estende de junho de 1940, até outubro de 1942. Os ataques dos japoneses a Peral Harbour, no final do ano anterior, não dão mais sustentação a sua narrativa. Os acontecimentos ao longo do ano de 1942, já são desdobramentos dos acontecimentos anteriores. A ficção é narrada em nove capítulos, ao longo de 437 páginas. Também tem um post-scriptum, onde relata a história verdadeira dos fatos e dos principais personagens envolvidos. A tradução é de Paulo Henriques Britto.

Do lado político os envolvidos são obviamente o presidente Roosevelt, mas o personagem principal será o fictício presidente Charles Lindbergh, um hitlerista convicto e que, com ele mantinha pactos de que não se envolveria na guerra. Henry Ford integrou o seu ministério. Chegou a recepcionar von Ribbentrop, o ministro das relações exteriores de Hitler. Um dos convidados para esta recepção foi o rabino Lionel Bengelsdorf, casado com Evelyn, a tia de Philipp, o narrador. Também ganha destaque um jornalista, muito popular,  Walter Winschell, que será o candidato anti-Lindbergh, pelos democratas. Ele  será assassinado em um atentado, fato que provocará pogroms, assassinatos em série e muitas desordens.

Bem, vamos ao núcleo narrativo, de quem observa todos estes acontecimentos. Será o menino Philipp, que na ocasião tinha algo em torno de sete anos. Uma criança muito atenta, sem muita compreensão das razões dos acontecimentos mas que o abalam profundamente, na medida exata em que uma criança inocente pode ser abalada. Philip é o filho mais novo de Herman e Bess Roth. Uma família de origem judaica. Eles constituem uma família pobre, sendo ele um corretor de seguros, em meio a grande depressão dos anos 1930.Tem ainda um irmão mais velho, chamado Sandy. Um primo, tornado órfão, de nome Alvin, é assumido pela família mas se alista no exército canadense para  ir a Europa combater os nazistas. Volta com uma perna mecânica e uma pequena pensão do exército canadense. Já Sandy se alistara nos programas do governo Lindbergh de integração ou assimilação de imigrantes judeus. Foi trabalhar nas plantações de fumo de Kentucki.

A tia Evelyn também ganha grande destaque. Ela se casa com um rabino famoso, sr. Bengelsdorf, que exercerá grande influência sobre a esposa do presidente Lindbergh. Passa a ser considerado uma espécie de Rasputin do governo. A intriga está sendo introduzida dentro da família Roth. Já Alvin, certamente em função dos traumas da guerra e da perda de parte de uma perna se torna um desajustado e cai numa espécie de marginalidade, no mundo do jogo. Afronta abertamente ao senhor Roth, cuspindo-lhe na cara. Estes incidentes levaram ambos a um hospital. Além disso, também o tio Monty faz parte da história. Ele se transformou num rico comerciante de frutas e verduras, chegando a ostentar o título de rei do tomate. A família contava agora com três posições diferentes com relação aos acontecimentos. A adesão de tia Evelyn, a oposição tenaz do senhor Roth e a absoluta indiferença de tio Monty. Este vivia em função do dinheiro.

O romance ganha as dimensões de tragédia, após o assassinato de Winchel e do desaparecimento do presidente Lindbergh. Nas novas eleições, Roosevelt vence, mas no governo provisório do vice, Burton Wheeler, ocorrem as políticas abertamente anti semitas e de apoio a Hitler. (Nos anos 1950 ele se tornará um dos grandes aliados do senador McCarthy). Era grande o temor de um confronto com o Canadá, já envolvido na guerra, ao lado dos aliados. Cenas de rara sensibilidade ocorrem com relação a senhora Selma Wishnow e o seu filho Seldon. A família Roth ampara Seldon, que já era órfão de pai, vítima de suicídio e que agora perde também a mãe, morta nos atentados anti judaicos. A senhora Bess ampara a este menino com muita bondade e generosidade.

A ficção de Roth não é uma mera ficção. Ao final do livro, num Post-scriptum, de esclarecimento ao leitor, lemos: "Este post-scriptum tem o propósito de fornecer referências aos leitores interessados em saber até onde vão os fatos históricos e onde tem início a imaginação histórica". Segue quase uma página de referências, entre dissertações e teses, a respeito do tema.

Philip Roth costuma, em seus livros, atacar amargamente a cultura e os costumes dos Estados Unidos.  A crítica, desta vez, não atinge o núcleo familiar e, o pequeno Philip até se dá muito bem com o seu pai e a sua mãe. Mas o entorno... Sobra para a tia, o tio, o sobrinho e, especialmente, para o marido da tia, um rabino nazista. Consegue imaginar a figura? Mas a costumeira acidez de Roth com relação a América está fortemente presente, ao constatar que os Estados Unidos não são efetivamente a América para todos os seus filhos e que estes, absolutamente, não são tratados com igualdade.

Quero ainda deixar a resenha de mais dois livros lidos recentemente. O livro de Richard Hofstadter, Antiintelectualismo nos Estados Unidos. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/01/antiintelectualismo-nos-estados-unidos.html e o livro que decorreu de uma palestra de Umberto Eco, na universidade de Colúmbia, em 1995, sobre o fascismo eterno. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/03/fascismo-eterno-umberto-eco.html. Tudo a ver. Creio não ser necessário estabelecer relações com o Brasil pós golpe de 2016 e o atual governo, pela primeira vez, explicitamente antiintelectual.

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