segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Antiintelectualismo nos Estados Unidos. Richard Hofstadter.

O meu contato com este livro, Antiintelectualismo nos Estados Unidos, de Richard Hofstadter, se deu através de um comentário num post que publiquei sobre o livro de Phillip Roth, Casei com um comunista, com destaque para o período do macarthismo e o terrorismo cultural e político por ele provocado. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2018/09/casei-com-um-comunista-philip-roth.html O comentário me sugeria a leitura deste livro. Não foi difícil localizá-lo. A Estante Virtual facilita muito a vida da gente.
Um livro denso, uma espécie de história cultural dos Estados Unidos.

Mais difícil foi a sua leitura, especialmente, em função do período em que o li, no contorno das festas de final de ano. Foram várias interrupções. É um livro denso, com altos e baixos, de acordo com os meus interesses particulares em determinados focos, como o já enunciado período do macarthismo e a questão do intelectualismo num país de puritanos e homens dominantemente ligados aos negócios.

A primeira edição do livro aparece, nos Estados Unidos, em 1962 e no Brasil, em 1967. O seu ponto de partida foi uma palestra na Universidade de Michigan no ano de 1953 e a publicação de um artigo na revista da mesma Universidade. Seguiram-se outras palestras e o autor focou neste tema as suas pesquisas. Depois, uma bolsa e uma licença da universidade lhe possibilitaram a escrita do livro. Um livro extremamente denso de uma narrativa histórica dos Estados Unidos, mostrando essencialmente a relação dos intelectuais com a nova sociedade em formação. Destaco, a nova sociedade em formação, interessada no futuro, sem amarras do passado. Este passado europeu deveria ser esquecido. Uma primeira consequência desta leitura foi o propósito da releitura do livro de Alexis de Tocqueville, Da democracia na América, de 1835.

Antes de qualquer comentário mais organizado, quero expressar o que mais me tocou ao longo desta leitura. É sabido que os colonos ingleses vieram aos Estados Unidos por questões religiosas e, em vez de acompanhados por padres, os pastores foram os seus orientadores. Havia dois tipos de pastores, os com formação e os sem formação, sendo estes muito mais agressivos em suas pregações e no proselitismo na busca de seguidores. Um segundo aspecto é o de que estes colonos eram homens eminentemente práticos, que dedicavam as suas vidas ao mundo dos negócios. Pouco tempo lhes sobrava para atividades artísticas e culturais, para o trato e o polimento da sensibilidade. Antiintelectuais, portanto. Também um foco especial em John Dewey mereceu minha especial atenção.

Mas vamos ao livro de uma forma mais ordenada. As suas 545 páginas estão dividas em seis partes, divididas em 15 capítulos, a saber: Parte I. Introdução: 1. Antiintelectualismo em nossa época; 2. Da impopularidade do intelecto. Parte II. A religião do coração: 3. O espírito evangélico; 4. O evangelho e os revivalistas; 5. A revolta contra o novo e um adendo sobre o catolicismo americano. Parte III. A política democrática: 6. O declínio do gentleman; 7. A sina do reformador; 8. A ascensão do técnico; Parte IV. A cultura prática: 9. O intelecto e o mundo dos negócios; 10. Auto-suficiência e tecnologia espiritual; 11. Variações sobre um tema. Parte V. A educação numa democracia: 12. A escola e o professor; 13. O caminho do ajustamento; 14. A criança e o mundo. Parte VI. Conclusão: 15. O intelectual: Alienação e conformismo.

Na primeira parte, no capítulo primeiro, é feita uma análise do tempo presente, isto é, a década de 1950, a década do macarthismo. O medo da inteligência despertou fortes reações por parte do poder. Busca-se também uma definição de intelectual. No segundo capítulo é mostrada toda a aversão ao intelectual, um ser inútil, improdutivo e dispendioso. No aprofundamento da questão o autor passa pela questão dos intelectuais na Europa (caso Dreyfus), por sua ação no Guerra da Secessão e no New Deal. Estabelece também um confronto com o modo americano de viver e termina com o tema do protestantismo e o seu antiintelectualismo.

Na segunda parte, a religião do coração, temos no primeiro capítulo, a abordagem de temas como o espírito evangélico, as heranças do protestantismo, o clero puritano, as universidades, um revivalismo religioso, as principais denominações, os entreveros entre os pastores formados e os não formados, as denominações dos congregacionais e presbiterianos no sul, em um ambiente de selvageria e total ignorância. No quarto capítulo a abordagem passa pelas principais ordens confessionais, sendo os anglicanos, presbiterianos e os congregacionais as maiores e metodistas e batistas, os que mais cresciam. Passa ainda pela análise das diferentes confissões e o seu conservadorismo na formação dos pastores. A eles era dada uma formação eminentemente antiintelectual, sendo os batistas os maiores inimigos do intelecto. Passa ainda por uma análise da Guerra Civil e pela oratória dos sermões. No quinto capítulo, seguramente um dos mais interessantes, são abordados temas como a reação ao darwinismo, a autodefesa das crenças e as violentas reações como o surgimento da Ku Klux Khan. Na década de 1920 ocorre a aproximação entre o fundamentalismo religioso e o político. A nota sobre o catolicismo mostra que, na divisão das crenças, os católicos constituem o maior grupo (1/4 da população), a origem humilde dos padres recrutados entre as famílias de imigrantes irlandeses. Constituem o grupo de menor prestígio intelectual. Apoiaram fortemente o macarthismo, elegendo o comunismo como o inimigo maior a ser combatido.

Na terceira parte, no sexto capítulo é mostrada a formação política dos fundadores da pátria e a sua relação com o mundo do intelecto. Todos eles eram essencialmente homens práticos, proprietários e pouco dados às questões do intelecto. Tocqueville também é merecedor de algumas páginas. No sexto capítulo, as reformas políticas ganham as sua observações. São instituídos concursos públicos, o que também gera reações. No terceiro tópico deste capítulo, uma das passagens mais notáveis do livro, é mostrada toda a hostilidade ao mundo do intelecto. Os intelectuais são vistos como efeminados, sem sexo definido e tidos como homens destituídos de força, de virilidade, da energia necessária para enfrentar as lides diárias das pesadas atividades no campo e no comércio. E o pior, para formá-los, impostos cada vez mais elevados passavam a ser cobrados. Os homens cultos da Europa eram considerados como "euronucos". No oitavo capítulo é mostrado o paradoxo entre o saber teórico e o prático. Havia total desprezo ao saber teórico. A pergunta - se a terra era arada com livros ou com arados, representa uma bela síntese desses dilemas. As crises, como o New Deal, provocaram a necessidade cada vez maior de técnicos para a administração pública, especialmente. Muitas análises sobre este período são feitas.

Se a terceira parte foi interessante, existe um crescimento, ainda maior, na quarta. No nono capítulo é mostrada a relação entre o intelecto e o mundo dos negócios. E o país se definia como uma nação de negócios. Havia um desprezo pelo mundo da cultura e para tudo o que se voltava ao passado, ao que fazia lembrar a velha Europa. Poucos comerciantes e, mais tarde os industriais, foram homens que se destacaram na cultura. No décimo capítulo é mostrado o interesse dos homens de negócio no favorecimento da religião, para inibir os desejos provocados pelo intelecto, propensos à rebeldia. Surge nesta época a chamada literatura de persuasão e o uso de Deus para ajudar nos negócios terrenos. Pouco sobra de doutrina religiosa, sobrando, no entanto, em profusão o conformismo e a auto ajuda. O capítulo onze é voltado para a análise de muitos dos intelectuais americanos. Muito interessante.

A quinta  parte é toda ela voltada para a análise do sistema educacional. Ela é de fazer chorar. O desprezo pela educação é total. É o que será visto no capítulo 12. Aprendi, inclusive uma nova expressão: "jeremíadas", os lamentos do profeta. Toda a análise do sistema educacional é uma longa jeremíada, um muro de lamentações e frustrações. Creio que foi neste campo onde o antiintelectualismo mais fortemente se manifestou. Os professores são recrutados entre as famílias mais pobres e com poucas perspectivas de futuro. Em muitos casos são recrutadas pessoas com deficiências, inabilitadas para outros trabalhos. Também foi a porta aberta para as mulheres adentrarem ao mundo do trabalho. A remuneração é diretamente proporcional a esta lógica. Nas escolas serão encontrados professores incompetentes e desajustados. O capítulo 13 é dedicado à evolução do sistema, com a instituição dos sistemas nacionais de educação. O capítulo 14 é praticamente todo ele dedicado a John Dewey.

A sexta parte não é exatamente dedicada a uma conclusão como sugere o título, mas a uma explanação sobre o comportamento dos intelectuais, especialmente, ao longo do século XX. A sua passagem por Paris, na década de 1920, a sua volta e o acolhimento dos intelectuais europeus, com a ascensão do fascismo na Europa, a partir dos anos 1930. Chega até a cultura beatnik e os hipsters.


Bem. Não sei se com esta leitura conheci melhor os Estados Unidos ou o Brasil. Certamente que nós fomos mais influenciados pela cultura europeia, enquanto que eles a procuraram desprezar. Mas agora, neste Brasil de 2019, nos estamos voltando totalmente para o conservadorismo e o antiintelctualismo dos Estados Unidos. Deixo uma frase, destes primeiros dias de janeiro, do jornalista Philipp Lichtenbeck, da Deutsche Welle, que bem caracteriza este nosso triste momento: "No Brasil está em moda um antiintelctualismo que lembra a inquisição, seus representantes preferem Silas Malafaia a Immanuel Kant. Os ataques miram o próprio esclarecimento", escreve o colunista.

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