quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Como as democracias morrem. Steven Levitsky & Daniel Ziblatt.

Continuo com a minha temporada de leituras sobre os Estados Unidos. Depois do Antiintelectualismo nos Estados Unidos http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/01/antiintelectualismo-nos-estados-unidos.html foi a vez de Como morrem as democracias. O livro é de autoria dos cientistas políticos da Universidade de Harvard, Steven Levtisky e Daniel Ziblatt. O livro é de 2018 e que, com as trapalhadas do presidente Trump, rapidamente se transformou em best-seller. Na edição brasileira, um lançamento da Zahar, vem na capa uma frase que se constitui numa espécie de sub título: "Um livro perspicaz e muito bem fundamentado sobre como a democracia está sendo enfraquecida em dezenas de países - e de modo perfeitamente legal". A frase é de Fareed Zakaria, da CNN.
O livro dos cientistas políticos da universidade de Harvard.


O título e a frase em evidência nos dão o tema do livro. Observem o plural do título e a sua explicitação na frase, em "dezenas de países". O enfraquecimento, ou então, a morte das democracias, é hoje um fenômeno mundial. O mote principal do livro é, sem dúvida, a administração Trump nos Estados Unidos. Mas existem outros focos. As ditaduras que se instalaram mundo afora no período das crises decorrentes de 1929 e da ascensão dos regimes fascistas na Itália, na Alemanha, na Espanha, os regimes militares generalizados na América Latina, nos anos 1960 e 1970 e uma passagem pela situação atual, mundo afora.

O livro tem leitura fácil e fluente e nem é muito longo. Tem 270 páginas, divididas em nove capítulos, além de prefácio, introdução e referências bibliográficas. No prefácio, Jairo Nicolau (UFRJ) nos chama a atenção para dois fatores, a saber: a perda do controle dos partidos políticos pelos seus líderes e a entrada neles de outsiders e a perda da força do "institucionalismo", das regras escritas e não escritas sobre as quais a democracia se assenta. Na introdução é feita a pergunta básica que é também a razão principal do livro: A democracia norte americana está em perigo? Imprensa, instituições, questionamento de resultados eleitorais, rivais tratados como inimigos e o uso das instituições de inteligência, de justiça e de comissões de ética são o chamado laboratório para se estudar o atual momento autoritário.

Os nove capítulos do livro tem os seguintes títulos: I. Alianças fatídicas; II. Guardiões da América; III. A grande abdicação republicana; IV. Subvertendo a democracia; V. As grades de proteção da democracia; VI. As regras não escritas da política norte americana; VII. A desintegração; VIII. Trump contra as grades de proteção e IX. Salvando a democracia.

O primeiro capítulo mostra o surgimento dos autoritarismos europeus que se seguiram à primeira guerra mundial, como o surgimento do fascismo e do nazismo, frutos de alianças de acomodação de situações. Depois passa pela análise do novo ciclo autoritário que acomete o mundo nos dias de hoje. O principal foco passa a ser a América Latina.  No segundo capítulo, a partir da citação do título do livro de Philip Roth, Complô contra a América, são mostrados os heróis da democracia e os que mais se afastaram dela, dentro e fora da política. Os momentos mais difíceis foram os anos posteriores à crise de 1929 e o terrível ano de 1968 e as suas implicações. Ganham destaque também um loquaz padre católico, padre Coughin e o período do macarthismo nos anos 1950, na Guerra Fria.

O terceiro capítulo é notável. Trump é o seu personagem central. Nele é mostrado o processo eleitoral e a sempre disposição em violar a Constituição e as regras não escritas da tradição americana. Quatro tópicos ganham especial atenção: a rejeição das regras democráticas do jogo; a negação da legitimidade dos oponentes; a tolerância ou o encorajamento à violência e a propensão a restringir liberdades civis de oponentes, inclusive da mídia. Trump é apresentado como um outsider. No quarto capítulo é feito um tour nada agradável pelo mundo. Peru, Polônia, Hungria, Venezuela e Rússia são os principais países visitados.

Uma pergunta introduz ao quinto capítulo: As salvaguardas constitucionais são hoje suficientes para a manutenção da democracia? A resposta é categórica: Não. Os autores mostram que os dois pilares da democracia, a tolerância mútua e as reservas institucionais, nem sempre foram suficientes para o resguardo da democracia, como não o foram na Itália, na Alemanha, na Espanha e no Chile de Pinochet. O sexto capítulo, mais uma vez se volta para a política dos Estados Unidos. Uma bela análise do comportamento das instituições americanas, às vezes cães de guarda, outras, dóceis cachorrinhos de estimação. Mostra os poderes presidenciais e as possibilidades de obstrução do Senado. E, do ponto de vista histórico é notável a descrição da construção democrática sob as marcas da exclusão social, especialmente nos estados do sul. Apenas a partir da década de 1960 se construiu uma democracia sem exclusões sociais explícitas, embora, ainda muitas artimanhas sejam aplicadas, especialmente, com relação a inscrição de eleitores, ou melhor, a sua exclusão.

O sétimo capítulo se centra em Trump e no processo eleitoral que o colocou no poder. Os dois pilares da democracia, a tolerância mútua e as reservas institucionais simplesmente foram para a lata de lixo. Todas as instituições se radicalizaram, começando pelos partidos. Antigos adversários são agora tratados como inimigos e as campanhas ganham níveis de destruição. Temas da moral privada e das religiões passam a ser ativos agentes da política. Da mesma forma, a mídia conservadora atua com ferocidade, assim como também poderosas famílias, como a família Koch. Os partidos são radicalmente demarcados. No oitavo capítulo já encontramos Trump no poder. A sua agressividade não é pura retórica. Ações concretas, como a captura de árbitros, a retirada de adversários do jogo e o reescrever das regras, são práticas constantes. Pesadas acusações e calúnias se tornam rotina e da política se faz uma perigosa caixa de ferramentas. As grades de proteção da já fragilizada democracia estão sendo todas elas removidas.

No nono capítulo são traçadas as perspectivas de sobrevivência. Sombrias, sem dúvida. Saídas..., as famosas concertações são analisadas. O mundo superou o fascismo e o nazismo. As ditaduras mais cruéis, como as de Franco e Pinochet foram removidas. A primeira década dos anos 2000 trouxe alento ao mundo. Mas os últimos movimentos, especialmente, nos Estados Unidos, sob o comando de Trump, precisam servir de alerta para que as barbáries não voltem a se instalar e que as sociedades continuem a ser construídas sob os alicerces históricos da liberdade e da igualdade. Para tanto, são necessárias políticas públicas para a sua construção, o que parece muito difícil nos dias de hoje, dominado pelas políticas neoliberais do "livre mercado". Mas neste campo os autores não vão a fundo.

No livro encontramos muito pouco sobre a política externa americana e a "tutela das democracias" com a interferência política nos países produtores de petróleo. Também nada encontramos sobre as ameaças à democracia brasileira após 2013. Os Estados Unidos também serão o tema da minha próxima leitura. Mas uma leitura, agora bem mais contundente. Quem manda no mundo? de Noam Chomsky.


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