segunda-feira, 15 de maio de 2023

Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país. 23. Costa Pinto.

Continuo hoje mais um trabalho referente aos intérpretes do Brasil. Desta vez o livro referência é Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país. O livro é organizado por André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz. É um lançamento da Companhia das Letras do ano de 2009. A edição que usarei é de 2013. Quem são os personagem trabalhados? Os organizadores respondem: "Os teóricos do racismo científico e seus críticos na Primeira República; modernistas de 1920 e ensaístas clássicos dos anos 1930; a geração pioneira dos cientistas sociais profissionais e seus primeiros discípulos". A abordagem sempre será feita por algum especialista. O livro tem uma frase em epígrafe/advertência. O Brasil não é para principiantes, de Antônio Carlos Jobim.

Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país.

O vigésimo terceiro intérprete analisado no presente livro é Luiz de Aguiar Costa Pinto, ou simplesmente Costa Pinto. Ele é resenhado por Marcos Chor Maio, professor e pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz da Fiocruz, com o título Relações raciais e desenvolvimento na sociologia de Costa Pinto. Antes, vejamos alguns dados biográficos seus:

"Nasce em 1920, em Salvador, Bahia. Ingressa na Faculdade de Medicina desse estado, mas com a morte do pai, médico renomado, abandona o curso. Em 1937, muda-se para o Rio de Janeiro. Estuda ciências sociais na faculdade nacional de Filosofia (FNFI) da Universidade do Brasil, atual IFCS/UFRJ. Formado em 1942, torna-se assistente de Jacques Lambert na cadeira de Sociologia. Professor da FNFI, também passa a lecionar na Faculdade Nacional de Ciências Econômicas da mesma universidade em 1946. De 1948 a 1952, pesquisa sobre demografia e sociologia das profissões no Instituto Mauá. Em 1949, debate o estatuto científico do conceito de raça no Fórum da Unesco, incorporando-se à pesquisa da entidade sobre relações raciais no Brasil de 1950. É autor  de Lutas de família no Brasil (1949) e O negro no Rio de Janeiro (1953), entre outros. Morre em 2002, em sua cidade natal".

Marcos Chor Maio inicia a sua resenha destacando os temas mais gratos do resenhado, manifestados em seu livro de 1953, O negro no Rio de Janeiro: relações de raça numa sociedade em mudança. Fazer "uma ampla investigação em solo brasileiro sobre as tensões sociais resultantes das transformações da estrutura social de uma sociedade tradicional que caminhava em meio a contradições em direção a uma economia moderna. O país era um caso exemplar para o entendimento do que se passava nas áreas consideradas periféricas".

Era o campo de preocupações típico da sociologia dos anos 1950-60. Estudar as mudanças em curso, originárias da industrialização e urbanização, mas que não alteravam o nosso quadro de país subdesenvolvido. Não obstante, via o quadro com otimismo, com possibilidades para o desenvolvimento. Acreditava que o Brasil tinha exemplos a oferecer. Não tínhamos o racismo explícito do apartheid dos Estados Unidos e da África do Sul, e por isso poderíamos contribuir para evitar os efeitos mais perversos do racismo em nossas relações.

O fato de vir de uma família influente e abastada não o impediu, após a sua vinda ao Rio de Janeiro, de somar-se às forças que propunham mudanças no Brasil. Participa da UNE e da Juventude Comunista, lutando contra o nazismo, intensificando a sua militância na redemocratização do país em 1946. Participa da formação da Universidade do Povo, ligada ao Partidão. Aproxima-se de pessoas como Arthur Ramos, Jacques Lambert e Donald Pierson. Foi impedido de ir aos Estados Unidos para, em  Chicago, fazer o seu doutorado, por suas vinculações com os comunistas. É o período em que escreve artigos para a revista da ELSP e ingressa na Universidade do Brasil, como professor.

Em 1950 realiza, junto com um professor e estudantes da Universidade Columbia, estudos no interior da Bahia e no Recôncavo Baiano, para depois realizar o seu estudo mais significativo, qual seja, o das relações raciais no contexto da industrialização. Duas serão as suas conclusões, a coexistência de dois mundos e as disparidades sociais entre os negros e brancos.

A coexistência se relaciona, de um lado, com um capitalismo em processo de modernização pela industrialização e de outro, a permanência das sociedades agrárias. Como resultado teremos uma marginalidade estrutural. Quanto às disparidades, constata que, mesmo com a mobilidade social ocorre a proletarização. Por outro lado, o preconceito racial passa a se acentuar. Eles não eram tão visíveis quando eles não competiam no mundo do trabalho, quando a desigualdade era absoluta. A mobilidade faz aflorar as atitudes racistas. Vejamos, nas palavras do resenhista:

"Com o desenvolvimento capitalista, situações de competição e de mobilidade social levam setores dominantes, ameaçados pela perda de suas posições sociais, a assumirem atitudes racistas." O movimento da mobilidade também é observado por Costa Pinto entre os negros. Vejamos: "Com a expansão do capitalismo e o processo de mobilidade  social vertical, ocorre uma diferenciação interna entre os negros, com o surgimento de uma pequena classe média, constituída particularmente de intelectuais, formando uma 'elite negra'. A nova forma de ascensão dos negros não é mais individual e não se interessa em 'branquear-se', como acontecia na sociedade tradicional, paternalista, especialmente no século XIX". Do outro lado surge 'o negro proletário'. Inicia-se o processo de politização da questão racial.

Vejamos a parte final da resenha do professor Maio: "Costa Pinto sugere que, com o processo de mudança social que gera situações de competição e de mobilidade social, assiste-se ao surgimento de atitudes reativas, com base no preconceito racial, por parte dos setores sociais dominantes, ameaçados de perder suas posições sociais.  Indo além, considera que a modernização, não obstante suscitar limitadas possibilidades de ascensão social, contribuiu para o estabelecimento de distinções internas entre os negros com a emergência de uma classe média que assume uma identidade racial como forma de organização social e política de enfrentamento do racismo. Enfim, para Costa Pinto modernidade pode suscitar racialização, e não o seu cancelamento".

O que dizer então, sobre a questão racial, após a implantação de políticas afirmativas e de definição de direitos com a Constituição de 1988?  devo ainda dizer que o foi o meu primeiro contato mais sistemático com este intérprete.

Como de hábito, o trabalho anterior, sobre Florestan Fernandes.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/05/um-enigma-chamado-brasil-29-interpretes_14.html




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