sexta-feira, 19 de maio de 2023

Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país. 26. Raymundo Faoro.

Continuo hoje mais um trabalho referente aos intérpretes do Brasil. Desta vez o livro referência é Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país. O livro é organizado por André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz. É um lançamento da Companhia das Letras do ano de 2009. A edição que usarei é de 2013. Quem são os personagem trabalhados? Os organizadores respondem: "Os teóricos do racismo científico e seus críticos na Primeira República; modernistas de 1920 e ensaístas clássicos dos anos 1930; a geração pioneira dos cientistas sociais profissionais e seus primeiros discípulos". A abordagem sempre será feita por algum especialista. O livro tem uma frase em epígrafe/advertência. O Brasil não é para principiantes, de Antônio Carlos Jobim.
Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país.


A vigésima sexta resenha do presente livro nos leva ao pensamento de Raymundo Faoro. Ele nos é apresentado por Luiz Werneck Vianna, professor do Centro de Estudos Direito e Sociedade do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ/UCAM), sob o título de Raymundo Faoro e a difícil busca do moderno no país da modernização. Antes do seu pensamentos, alguns dados de sua biografia:

"Nasce no ano de 1925 em Vacaria, RS. Muda-se em 1930 para Caçador SC. Forma-se em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1948. Atua como procurador do estado do Rio de Janeiro desde 1951. Preside a Ordem dos Advogados do Brasil de 1977 a 1979. Colabora regularmente com periódicos e revistas desde 1947. Recebe os prêmios José Veríssimo da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1959; e Moinho Santista - Ciências Sociais, em 1978, dentre outros. Torna-se, em 2002, membro da ABL. É autor, dentre outros, de Os donos do poder (1958), Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio (1974) e Existe um pensamento brasileiro? (1994). Morre no Rio de Janeiro em 2003".

A resenha de Luiz Werneck Sodré se centra na obra Os donos do poder, da segunda edição, datada de 1975. A primeira foi de 1958, que não teve tanta repercussão como a segunda. O livro, em sua segunda edição teve novas incorporações e o movimento histórico já era outro, com a efetivação do golpe militar de 1964. Recrudescera a intervenção do poder estatal, fundamento de sua principal categoria de interpretação do Brasil, qual seja, a do patrimonialismo. Nunca considerei a categoria patrimonialismo de fácil interpretação. A palavra nem sequer existe no Aurélio. Então para esclarecer fui buscar mais no Google. Vejamos:

"Patrimonialismo é uma forma de organização política onde a autoridade estatal é fundamentada principalmente no poder pessoal exercido pelo governante (ou corporação) sobre suas propriedades. Foi comum tanto nas monarquias quanto nas repúblicas pré-modernas". No Google ainda lemos: "Dá margem a atos de corrupção, nepotismo e dilapidação do patrimônio publico". Creio que os estudos de Max Weber, sobre a racionalização e a burocracia ajudam a compreender melhor o termo.

Mas vamos à resenha de Vianna, centrada no livro Os donos do poder. Vianna afirma que o livro de 1958 não teve uma boa recepção no meio universitário. Era o tempo de um certo entusiasmo com o nacional desenvolvimentismo. Faoro tinha uma visão negativa da formação do Estado brasileiro, originário da monarquia portuguesa. Faoro admirava o movimento pernambucano, precursor da independência, a Revolução Farroupilha e o republicanismo dos Estados Unidos. Ele defendia a descentralização e a representatividade, que não ocorria sob o patrimonialismo. Este promovia a cooptação.

Com o golpe de Estado ocorrido em 1964, que ele vê como um recurso às soluções autoritárias entranhadas em nossa formação, seu livro é relançado em 1975 e será recebido com um novo olhar. Ele via no patrimonialismo a via prussiana, bismarckiana de desenvolvimento capitalista, fato que ele, por óbvio, em consonância com a sua teoria, combatia. Por isso mesmo ele se engajou com muita força nos movimentos pela democratização do Brasil, fato que marcou a sua presidência na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

A essa altura da resenha, Vianna entra na análise de Os donos do poder. Considerava, inicialmente, o rei de Portugal como o grande lavrador da nação. Depois, sob o capitalismo comercial monárquico, ele passou a ser o "Senhor da espada e das trocas". Assim gerou-se o regime patrimonial, no qual o Estado era a 'grande empresa do príncipe'. Já naquele tempo tínhamos um 'capitalismo de Estado', em que a nascente burguesia era sufocada pelo poder do Estado, impossibilitando atos empreendedores da mesma burguesia e os cálculos fundados na racionalidade dos empreendimentos. A economia estava subordinada à política e a sociedade civil não se apartava do Estado. Vejamos um parágrafo bem esclarecedor da resenha:

"O regime seria, pois, patrimonial, gerido pelo rei e seus servidores, aos poucos convertidos em uma nova nobreza, sem luz própria, dependente do monarca. O Estado seria uma empresa do príncipe, marca patrimonial que vai presidir a floração de um capitalismo de Estado, sufocando a burguesia pela supremacia da Coroa. Tal construção, sólida e duradoura, será capaz de atravessar o oceano - e o capitalismo nascido nesse chão não saberá reconhecer a força da empresa individual, do cálculo econômico racional, e será politicamente orientado. Nesse ambiente, a economia não se autonomiza da política, a sociedade civil não se aparta do Estado e a esfera privada dos interesses deve sua legitimação à esfera pública. A organização do poder social dependeria menos de posições ocupadas na economia e mais da detenção de lugares de poder na administração pública. A cooptação estaria no lugar da representação, e, quando ambas coexistissem, a primeira estaria em posição de primazia". Em outras palavras, Faoro, um liberal.

A transposição desse sistema para a colônia se deu pela via da expansão mercantil politicamente administrada e que fazia a total indistinção entre o público e o privado. Isso ocorreu desde Dom João I, até Getúlio Vargas, passando por José Bonifácio e D. Pedro II. Por isso ocorreram as revoluções liberais, sempre em busca de representação. Ele sempre foi diametralmente oposto a Oliveira Vianna, mentor do Estado centralizador e autoritário de Vargas.

Nunca foi favorável ao intervencionismo pelo alto. Não se acelera o relógio do tempo. O moderno não se deu por três grandes obstáculos: o neopombalismo positivista, e as intervenções pelo alto dos golpes de 1937 e 1964.  Vejamos a parte final da resenha, que remete ao título:

"A Raymundo Faoro devemos a compreensão dessa dialética perturbadora entre moderno e modernização que ainda assombra a história da formação brasileira, dialética que, se ainda não encontra solução à vista, ao menos está, agora, mais bem compreendida". 

Tenho um trabalho anterior sobre o intérprete, a partir de Um banquete no trópico.


E, como de hábito, o trabalho anterior sobre o brasilianist, Robert Morse.


 

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