segunda-feira, 1 de maio de 2023

Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país. 13. Roger Bastide.

Continuo hoje mais um trabalho referente aos intérpretes do Brasil. Desta vez o livro referência é Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país. O livro é organizado por André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz. É um lançamento da Companhia das Letras do ano de 2009. A edição que usarei é de 2013. Quem são os personagem trabalhados? Os organizadores respondem: "Os teóricos do racismo científico e seus críticos na Primeira República; modernistas de 1920 e ensaístas clássicos dos anos 1930; a geração pioneira dos cientistas sociais profissionais e seus primeiros discípulos". A abordagem sempre será feita por algum especialista. O livro tem uma frase em epígrafe/advertência. O Brasil não é para principiantes, de Antônio Carlos Jobim.

Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país.

O décimo terceiro trabalho do presente projeto fala de Roger Bastide, o pensador francês que veio com a turma de professores franceses para a Universidade de São Paulo (USP). Ele nos é apresentado por Fernanda Arêas Peixoto, professora de antropologia (USP), numa resenha intitulada - Os Brasis de Roger Bastide. Bastide representa o grande olhar estrangeiro sobre a formação da cultura brasileira. Vejamos alguns dados biográficos seus:

"Nasce em Nimes, França, em 1898. Diploma-se em filosofia pela Universidade de Bordeaux (1920). Leciona nos Liceus de Clamecy (1923), Cahors (1924-6), Lorient (1926-8), Valence (1928-37) e Versalhes (1937-8). Em 1938, vem para o Brasil para ensinar sociologia na Universidade de São Paulo. Nesta universidade, em 1957, defende suas teses de doutorado em sociologia: As religiões africanas no Brasil (tese principal) e O candomblé da Bahia (tese complementar). Retorna a sua terra natal, em 1954 [...]. Publica, entre outros: Poetas do Brasil (1946) e Brasil, terra de contrastes (1957). Falece em Maisons-Laffitte, França, em 1974". Na sua volta a França continuou sendo professor.

A finalidade de sua vinda para o Brasil aparece logo no início da resenha da professora Fernanda Peixoto, com argumento do próprio Bastide: "Minha partida para o Brasil, onde eu esperava estudar as crises de possessão afro-americanas, não teve outra finalidade". Mas, uma vez aqui, o professor formado em filosofia, logo enveredou por um vasto campo de temas: as obras literárias, o ensaismo histórico sociológico, a crítica, os estudos sociológicos e antropológicos e depois, em plena maturidade estuda as relações entre experiência e reflexão, as relações indivíduo e sociedade, os nexos entre simbolismo e estrutura social.

Dedicou-se ainda ao folclore e a cultura popular; o barroco, as artes visuais e a arquitetura; a possessão e o candomblé; os contatos entre negros e brancos na sociedade brasileira. Estudou a chamada "interpenetração de civilizações". Foi por esses temas que ele se tornou mais conhecido. Os seus referenciais de estudo eram a sociologia dos Estados Unidos e da França. No Brasil recebeu fortes influências do movimento modernista da década de 1920 e com os intérpretes do Brasil, da década de 1930. Nesse sentido manteve contatos marcantes com Mário de Andrade e com Gilberto Freyre.

Com eles manteve aproximações e distanciamentos, que são analisados pela resenhista. Se torna conhecido como estudioso da formação da cultura brasileira, que ele observou num permanente contato, corpo a corpo, com o povo. Exerceu fortes influências sobre a formação de pensadores como Florestan Fernandes e Antônio Cândido, entre outros. Como já afirmamos, ele foi o grande intérprete estrangeiro da cultura brasileira, com a predominância de seu olhar europeu. No caso da religião, das religiões africanas de modo particular, ele as vê como a resistência africana no Brasil.

Em sua primeira viagem a Bahia, em 1944, ele faz uma viva afirmação sobre a presença africana: Ela "penetra pelos ouvidos, pelo nariz e pela boca, bate no estômago, impõe seu ritmo ao corpo e ao espírito" e se encanta com os mistérios do candomblé, a marca mais viva da presença africana no Brasil. Sobre a questão das influências africanas na cultura brasileira, estabelece uma viva interação com Gilberto Freyre, com quem também teve dissonâncias e aproximações.

A resenhista assim define a visão de Bastide sobre a origem da civilização brasileira: "A civilização africana no Brasil, nos termos de Bastide, é recriada no Brasil a partir -e apesar- do encontro entre as três civilizações mencionadas. Portanto, a África brasileira, longe de cópia de um modelo original, é reelaboração, produto também híbrido". A resenhista também apresenta um traçado geral das obras de Bastide:

"A produção dos anos 1950 é emblemática desse sistemático ir e vir de um polo a outro: no início da década, ele coordena a pesquisa sobre relações entre negros e brancos em São Paulo, patrocinada pela Unesco, com Florestan Fernandes, em que pensa as dificuldades de integração do negro na sociedade brasileira, os impasses da modernização e o preconceito (Relações entre negros e brancos em São Paulo, 1955). Em 1957, projeta Brasil, terra de contrastes, retrato de forte inspiração freyriana. Nesse mesmo momento, volta-se para nossa face africana em obras como O candomblé na Bahia, e para o acompanhamento do processo de recriação das religiões africanas no Brasil, em As religiões africanas no Brasil. O par África/Brasil - e as relações entre eles - comanda as preocupações do autor, sobretudo quando ele envereda pela seara religiosa".

Peixoto assim termina a sua análise: "As interpretações de Bastide sobre estética, arte e poesia são inseparáveis das análises que realiza sobre o candomblé. Cada um dos 'Brasis' revelados nessas análises - dos mais mestiços' aos mais 'africanos' - se completam e se esclarecem". Efetivamente, Bastide veio ao Brasil para conhecer a Bahia, mas conheceu muito, muito mais.

Também a resenha do trabalho anterior, sobre Câmara Cascudo.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/04/um-enigma-chamado-brasil-29-interpretes_28.html



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