Continuo hoje mais um trabalho referente aos intérpretes do Brasil. Desta vez o livro referência é Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país. O livro é organizado por André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz. É um lançamento da Companhia das Letras do ano de 2009. A edição que usarei é de 2013. Quem são os personagem trabalhados? Os organizadores respondem: "Os teóricos do racismo científico e seus críticos na Primeira República; modernistas de 1920 e ensaístas clássicos dos anos 1930; a geração pioneira dos cientistas sociais profissionais e seus primeiros discípulos". A abordagem sempre será feita por algum especialista. O livro tem uma frase em epígrafe/advertência. O Brasil não é para principiantes, de Antônio Carlos Jobim.
Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país.A vigésima segunda resenha do livro sob análise versa sobre o maior nome da sociologia brasileira, Florestan Fernandes. Ele nos é apresentado por Maria Arminda do Nascimento Arruda, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), num trabalho sob o título Florestan Fernandes. Vocação científica e compromisso de vida. Vejamos alguns traços biográficos seus, ao final do livro.
"Nasce na cidade de São Paulo em 1920. Forma-se em ciências sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo em 1944. Torna-se assistente da cátedra de Sociologia II (1945) e titular da cátedra de Sociologia I (1964-9) na mesma instituição. Leciona na Universidade de Colúmbia (1965-6), Toronto (1969-72), Yale (1977) e na PUC/SP. (1978). Elege-se deputado federal pelo Partido dos Trabalhadores em 1986 e 1990, integrando os trabalhos da Assembleia Constituinte. Colabora com diversos periódicos desde 1940. Escreve, dentre outros, A função social da guerra na sociedade tupinambá (1951), A integração do negro na sociedade de classes (1964), Fundamentos empíricos da explicação sociológica (1967) e A revolução burguesa no Brasil (1975). Morre em sua cidade natal no ano de 1995.
A resenha de Maria Arminda está em perfeita consonância com o título que deu ao seu trabalho, ou seja, o entrelaçamento entre a sua vocação de cientista e o seu compromisso com a vida, a vida de seus semelhantes, diga-se de passagem. Ela destaca a sua origem humilde, de fora de qualquer sistema e de grupos de intelectuais da época. Pelo contrário. Ele nasce de mãe solteira, é ajudado por uma madrinha e até por fregueses de bar em que trabalhava como garçom. Uma vida de constantes superações.
A sua formação se deve aos professores da USP e do ELSP. Ele é o principal artífice da sociologia brasileira. De Mannheim herda a preocupação de intervenção para que mudanças sociais ocorram, pela ação do planejamento de ações do Estado. O seu ingresso na USP se dá por meio de Fernando de Azevedo, para ser assistente de Roger Bastide e, por ação de Sérgio Milliet chega ao jornal O Estado de São Paulo. O seu grande tema sempre será a análise dos impasses para a modernização do Brasil, da superação de seu pesado legado herdado da sociedade escravocrata.
De seus exemplos pessoais de superação, forjou a essência do seu pensar. A educação pública sempre é apresentada como o grande meio para a ascensão, dentro de uma sociedade efetivamente democrática. Considerava que o Brasil não vivia uma democracia, mas sim, uma autocracia. Embora já estivesse na USP desde 1954, em sua tese para a cátedra elabora um de seus mais notáveis trabalhos A integração do negro na sociedade de classes, numa sociedade competitiva, portanto. Além de lhe serem negados os meios para competir, ainda enfrentou a concorrência da chegada de imigrantes. Para os negros sobraria permanecer à margem da sociedade e, ainda por cima, vítimas de todo o tipo de preconceitos. O Brasil mantinha as suas estruturas sociais arcaicas, sob os escombros do antigo regime.
Exerceu fortes influências sobre pensadores como Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni e Maria Sylvia de Carvalho Franco. Juntos realizam estudos e trabalhos na Escola Paulista de Sociologia, que junto com o ISEB, no Rio de Janeiro, buscam alternativas para o subdesenvolvimento brasileiro. Idealizam também o Seminário Marx. Esses pensadores se situarão mais à esquerda, em busca de alternativas.
Florestan viveu profundamente o golpe de 1964. Destroçou vida e carreira. Ele pessoalmente será atingido no recrudescimento do sistema, sendo afastado de suas funções na Universidade a partir de 1969. Jamais voltou ao seu gabinete de trabalho, na sua volta ao país, segundo um relato da filha, assinalado na resenha. Com a fundação do Partido dos Trabalhadores intensifica a sua militância política, sendo inclusive deputado constituinte muito influente na elaboração de Constituição de 1988.
Em 1975 apresenta o seu último livro A revolução burguesa no Brasil, em que afirma as suas mais profundas convicções. Vejamos a resenhista: "... o livro caminha no sentido de configurar os dilemas e impasses de uma revolução burguesa que não cumpriu a sua missão de construir a nação, de uma classe que não tornou as suas orientações valorativas dominantes, pois se combinou às formas estamentais, em suma, de um agente histórico que não foi capaz de coordenar o seu papel em consonância com a sua posição. Resulta, daí, o domínio de um 'regime de classes sociais' que excluiu os componentes políticos e socioculturais característicos, abrindo espaço para a dominação autocrática, para o imperialismo, para um capitalismo carente de realizações civilizadas".
Dele tenho outros trabalhos. Vejamos sobre A integração do negro na sociedade de classes.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/07/um-banquete-no-tropico-35-integracao-do.html
Sobre A revolução burguesa no Brasil.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/07/um-banquete-no-tropico-19-revolucao.html
E do livro Clássicos, rebeldes e renegados.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/01/interpretes-do-brasil-classicos_13.html
E como de hábito, o trabalho anterior de presente projeto sobre Gilda de Mello e Souza.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/05/um-enigma-chamado-brasil-29-interpretes_13.html
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