sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. 15. Florestan Fernandes.

Na continuidade da análise dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, vamos hoje trabalhar o grande clássico da sociologia brasileira, Florestan Fernandes, resenhado por Haroldo Ceravolo Sereza. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial do ano de 2014. Ao todo são trabalhados 25 autores, em resenhas apresentadas por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo editorial. 2014.

Florestan Fernandes é, seguramente, um nome maior entre os nossos intérpretes. Graças aos seus estudos e trabalhos, a sociologia ganhou no Brasil o status de ciência. Florestan nasceu em São Paulo no ano de 1920 e também morreu nessa cidade, no ano de 1995. Sua origem é a mais humilde possível, semelhante a maioria do povo brasileiro. Bernardo Ricúpero assim o apresenta: "Não vem de família patrícia, como Oliveira Viana, Gilberto Freyre e Caio Prado Junior, tampouco de camadas médias, casos de Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro, oriundos de seus dois ramos principais, famílias tradicionais decadentes e imigrantes em processo de ascensão social".

A formação inicial de Florestan tem a marca da exclusão social, uma vez que foi vítima do trabalho infantil, como engraxate nas ruas de São Paulo, para ajudar a mãe no sustento da família. Florestan nunca conheceu o seu pai. Seus estudos regulares chegaram apenas até o terceiro ano, completando-os depois no ensino supletivo (atual EJA). Isso não o impediu de ser um aluno brilhante na USP. Tão logo se formou, já foi convidado para ser professor assistente do grande sociólogo francês Roger Bastide, com quem tem trabalhos publicados sobre as questões raciais no Brasil. A sociologia de Florestan tem as marcas da crítica e da militância. O estudo das questões raciais o levou a um de seus primeiros livros, Brancos e negros em São Paulo.

Esse será também o tema de seus estudos posteriores e o embrião de seus dois livros fundamentais: A integração do negro na sociedade de classes e A revolução burguesa no Brasil. Se o primeiro livro ainda traz marcas da sociologia funcionalista, o segundo já tem referenciais em Max Weber, Mannheim e Marx. Os dois livros se alimentam mutuamente. Vejamos as palavras do resenhista: "Baseado na própria experiência pessoal de marginalizado, de criança que não conheceu o pai e começou a trabalhar muito cedo, morador de bairros pobres em que conviviam negros e italianos, como o Bexiga, Florestan parece ter compreendido de forma profundamente empática as privações que a 'população de cor" de São Paulo sofria". Florestan contou com a ajuda de uma madrinha, dona Hermínia Bresser.

No seu segundo grande livro, Florestan mostra que a revolução burguesa no Brasil sempre ficou muito distante da democracia. O Brasil permaneceu, isso sim, um país patriarcal e escravista, dominado pelo capital externo e nunca disposto a mudanças em suas estruturas mais profundas. Nem a abolição e nem a República contribuíram para a realização de mudanças e por isso o Brasil passou a ser dominado por um 'regime autocrático burguês'.  Gabriel Cohn assim descreve esse livro; "Deixada a burguesia, numa sociedade como a brasileira, solta à sua sorte, aquela que a leva a conformar a sociedade brasileira à sua imagem e semelhança, não tem como ser democrática, mas sempre estará sob o encanto da solução autocrática". A resenha segue apresentando esse livro. O burguês, caracterizado por Florestan, ganha a seguinte descrição do resenhista:

"A burguesia surge no Brasil, como uma entidade especializada, seja na figura do 'agente artesanal inserido na rede de mercantilização da produção interna, seja como negociante'. 'Pela própria dinâmica da economia colonial, as duas florações do 'burguês' permanecem sufocadas, enquanto o escravismo, a grande lavoura exportadora e o estatuto colonial estiveram conjugados'. O principal agente econômico, o senhor do engenho, fica fora da categoria 'burguês'. Isso porque opera mais na lógica militar e administrativa do que na de alguém que busca ganho por meio do 'risco calculado'. Seu papel era ampliar e reproduzir o sistema colonial, em que sua remuneração era antes a parte não absorvida pela Coroa portuguesa e pelas agências comerciais do que propriamente o 'lucro'. É aí que se conforma a dominação patrimonialista, uma ordem social que não é feudal, nem capitalista. E é apenas nas franjas desse ambiente que vai se formando, lentamente, um 'espírito burguês', ligado sobretudo ao comércio e ao desenvolvimento urbano".

Quanto a abolição, ela jogou os ex escravizados numa sociedade competitiva e, ao mesmo tempo, lhes negou os meios de competição, como o acesso à terra e à educação. Tudo isso foi fortalecendo os laços antidemocráticos. E o que significou o ano de 1964 dentro dessa realidade? Tudo o que antes era disfarçado, ganhou, com 1964, o caráter indisfarçado de uma ditadura escancarada explícita. Vejamos mais uma vez, o resenhista expressando o pensamento de Florestan. "Ao estabelecer uma relação direta entre a exclusão do negro e, portanto, o racismo e a ascensão burguesa no país, Florestan explicita a violência que significou a implantação da modernização da sociedade brasileira, que excluiu escravos e seus descendentes justamente do processo que prometia eliminar os mais cruéis instrumentos de dominação patriarcal. Uma violência que atingiria seu ápice durante a ditadura civil-militar (1964-1985)".

Para Florestan, a marginalização do negro na sociedade brasileira após a abolição se constituía num ato explícito de racismo. Como trabalhei a resenha de seus dois livros principais, a partir de Introdução ao Brasil - um banquete no trópico, as deixo para consulta:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/07/um-banquete-no-tropico-35-integracao-do.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/07/um-banquete-no-tropico-19-revolucao.html

E como de hábito, o trabalho anterior. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/01/interpretes-do-brasil-classicos_11.html



 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.