Na continuidade da análise dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, vamos hoje ver o historiador José Honório Rodrigues, numa resenha de Paulo Alves Júnior. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial do ano de 2014. Ao todo são trabalhados 25 autores, em resenhas apresentadas por especialistas. O foco do livro são os intérpretes que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.
Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014.A resenha de Paulo Alves Junior começa citando o prefácio da edição comemorativa aos trinta anos de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, escrito por Antônio Cândido. Nele, Antônio Cândido aponta para os três maiores clássicos da interpretação do Brasil, como sendo, ao lado de Raízes do Brasil, Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Junior. O resenhista aponta, que ao lado deles, embora não faça parte do trio, José Honório Rodrigues merece um lugar de absoluto destaque, como um pensador fundamental na pesquisa, teoria e metodologia da história brasileira.
José Honório Rodrigues pode ser apontado como um pensador liberal radical, que construiu um arcabouço teórico em cima de três princípios: as aspirações legítimas do povo brasileiro, o não atendimento dessas aspirações pelas conciliações pelo alto, das quais resultou uma história cruenta da qual o povo foi a grande vítima. Como ele chegou a essa visão sobre a nossa história? Três fatores: aspirações populares sufocadas, a forma cruenta como foram sufocadas, por conciliações pelo alto, no atendimento das elites agrárias retrógadas.
José Honório Rodrigues nasceu no Rio de Janeiro, em 1913, morrendo na mesma cidade, aos 73 anos, no ano de 1987. Se formou em Direito pela Universidade do Brasil, mas o seu foco maior de estudos sempre foram as ciências sociais, e a história, de um modo particular. Os estudos de história o levaram para a Universidade Columbia, passando depois por Londres, se encantando com o Museu Britânico. Foi professor do Instituto Rio Branco e da Escola Superior de Guerra, da qual foi afastado pelo golpe de 1964. Foi ainda professor da PUC-RJ e pertenceu aos quadros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Dois são os seus livros principais: Aspirações nacionais: interpretação histórico política (1963) e Conciliação e reforma no Brasil: interpretação histórico-política (1965). Nesses livros ele aponta os fatores de retardamento de nossa história, como sendo o colonialismo e o imperialismo e a submissão colonial, mesmo após a independência, passando a haver um colonialismo interno. A nossa independência não marcou uma ruptura com o colonialismo, passando este a ser interno, num divórcio entre as elites e o povo. Mas vejamos isso nas palavras do resenhista:
"A argumentação de José Honório parte da inexistência de ruptura do regime colonial, que sobreviveu com o absolutismo do período monárquico (1822-1889), com a legislação tradicionalista e arcaica, com a relativa imobilidade administrativa, com a alienação das elites, com a fragilidade da conjuntura e com a estabilidade da estrutura, imutável e incapaz de atender às necessidades nacionais" e o resenhista arremata com o próprio José Honório: "O período colonial e sua sobrevivência determinam todo o subdesenvolvimento posterior". É o seu princípio condutor chave, as aspirações nacionais sufocadas.
Esse sufocamento será o responsável pela nossa história cruenta. As reformas necessárias não aconteceram. Assim ocorreu no período das regências, marcadas pelo sucumbir de um povo e de suas aspirações (Cabanagem - Balaida). Já as aspirações dos movimentos das elites foram atendidos (Revoluções liberais, Farroupilha). Os nossos liberais não souberam conduzir o processo histórico, fazendo-o a "ferro e fogo", retardando o nosso processo de modernização.
Nas suas interpretações do Brasil ele sempre teve presente as revoluções liberais, como a Revolução Puritana inglesa (1640-1660), a Revolução Francesa (1789-1799) e a Guerra Civil nos Estados Unidos (1861-1865). Por essas revoluções surgiram as modernas democracias ocidentais. Essa Revolução não ocorreu no Brasil porque as forças liberais foram sufocadas pelo setor agrário, que manteve as suas características do atraso. Era isso que precisaria ter sido quebrado. Vejamos o relato, a partir do resenhista:
"Fica evidente na análise da passagem do Brasil para a ordem moderna que não foi rompida, ou mesmo modernizada, a antiga ordem agrária. Ao contrário, nosso entendimento de sociedade faz com que a ordem agrária, representada pelos setores mais conservadores, fosse responsável pelos movimentos de mudança. Dessa forma, a emancipação política, o fim da escravidão, a instituição do regime republicano, a Constituição Republicana (1891) foram momentos em que o presente se tornou dependente e caudatário do passado, em vez de um rompimento revolucionário, ou mesmo radical, para superar o velho. Tal dinâmica do processo social brasileiro criou uma deformidade na sociedade. Deve-se a esta a impossibilidade de termos 'as legítimas aspirações' sendo atendidas, pois sua necessidade colidia com os interesses da oligarquia proprietária de terras. A conciliação pelo alto foi a meta sempre a ser perseguida pela elite, para que não houvesse transformações que colocariam para trás a estrutura agrária e retrógada da sociedade. Para que essa prática fosse mantida, era necessário o uso da violência sistemática por parte da elite dirigente. Sendo assim, a história do Brasil se fez cruenta pela necessidade de um poder 'fratricida' se perpetuar e, cada vez mais, se afastar do povo".
É o choque do pensamento liberal com o pensamento conservador. As mudanças fundamentais do Brasil deveriam ter ocorrido já ao longo do Império, mas o tradicionalismo agrário nunca foi contrariado. O que José Honório Rodrigues defendia, na esteira das revoluções liberais do ocidente, também trazê-las ao Brasil, fato que nunca ocorreu, em virtude da insistência cruenta da manutenção dos interesses da elite agrária, responsáveis pelo nosso atraso.
Confesso que tenho dificuldades em conversar com certas pessoas que se afirmam liberais. Eles facilmente resvalam para um extremismo conservador, beirando o fascismo. Questões sociais e a necessidade da formação de um mercado interno não fazem parte de suas agendas, ou então, ainda gostariam de tratá-las como questões policiais, o que não é novidade no Brasil. Liberais no Brasil são pessoas como o foram Joaquim Nabuco, José Honório Rodrigues, entre outros.
Como já trabalhei este historiador, deixo a resenha a partir do livro Introdução ao Brasil - um banquete no trópico. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/07/um-banquete-no-tropico-18-conciliacao-e.html
E como de hábito, a resenha anterior. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/01/interpretes-do-brasil-classicos_5.html
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