segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. 13. Caio Prado Junior.

Dando continuidade na análise dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, vamos hoje trabalhar o grande clássico Caio Prado Junior, numa resenha de Luiz Bernardo Pericás e Maria Célia Wider. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial do ano de 2014. Ao todo são trabalhados 25 intérpretes em resenhas apresentadas por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.

Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014.

Caio Prado Junior é um dos maiores clássicos das interpretações do Brasil. Ele se distinguiu pela utilização do marxismo como método de suas análises. O seu grande clássico é Formação do Brasil Contemporâneo, livro do ano de 1942, uma abordagem de trezentos anos de história colonial. Nele o Brasil é visto como uma empresa comercial, voltada para o mercado externo, por ele subordinado e com base na exploração de nossos recursos naturais. Caio Prado foi simultaneamente um grande intelectual e homem de ação, militante do PCB, o famoso Partidão. Ele é oriundo de uma das famílias mais tradicionais da alta elite de São Paulo. A sua casa sempre foi frequentada por intelectuais da mais alta representatividade e que sobre ele exerceram decisiva influência. Tornou-se um leitor voraz. Estudou no Colégio São Luís e formou-se em Direito, na famosa Faculdade do Largo de São Francisco. O seu primeiro livro data do ano de 1933 - Evolução política do Brasil.

Em seus livros estão presentes os males herdados da nossa colonização sob o domínio do latifúndio, da monocultura, da escravidão em uma economia determinada por interesses estranhos a nós. A nossa independência não representou uma ruptura, mantendo assim as estruturas da monarquia portuguesa e herdando, entre os males, a permanência da escravidão. Esta monarquia já se encontrava em estado de decomposição, sendo derrubada por uma simples passeata militar. Um 1933, já conhecendo as obras básicas do marxismo, empreende viagem para a URSS, para conhecer um "novo mundo" e com ele se entusiasmando.

De volta ao Brasil participa da fundação da USP, de seus cursos de História e participa da ANL, em oposição a Vargas, participando do levante comunista (pejorativamente chamado de Intentona) de 1935. Viaja pelo Brasil, para conhecer a sua formação. Em 1942 surge o seu grande livro Formação do Brasil Contemporâneo, onde analisa a nossa economia colonial voltada para o exterior, característica ainda presente em nossa economia no ano da publicação de seu livro. Vejamos, em citação sua:

"Se vamos à essência da nossa formação veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e, em seguida, café, para o comércio europeu. Nada mais do que isto. É com tal objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura, bem como as atividades do país". É toda a lógica da economia colonial e que persistirá após a independência e, mesmo após a República.

O livro foi escrito sob a perspectiva da continuidade. Assim, em 1945 sai a publicação de História Econômica do Brasil, com três grandes tópicos sob análise: o Brasil sob o capitalismo mercantil, a estrutura agrária brasileira e o domínio imperialista. Acreditava que o Brasil "ainda não" estava preparado para a sua revolução, embora nunca fosse adepto do etapismo, defendido pelo seu Partido. Embora ainda não preparado, ela deveria começar.

Na sequência, a resenha caminha para mostrar a sua trajetória na editora e a sua atividade no Parlamento. Ele foi o fundador da Editora Brasiliense e da Gráfica Urupês e, mais tarde, da Revista Brasiliense, que ao todo teve 52 publicações. Uma verdadeira tribuna de debates brasileiros. Em 1945 não se elegeu Deputado Constituinte, mas logrou êxito como deputado estadual por São Paulo, em 1947, mandato que logo lhe foi tolhido com a cassação de seu partido pelo STF. Sempre se manteve na oposição aos governos dos anos 1950. A prisão nunca lhe foi estranha. Foi preso em várias ocasiões, entre as idades de 23 e 63 nos. 1964 marca assim, um novo ciclo nessas prisões e exílios.

Outro tópico da resenha é sobre a sua atividade intelectual e a sua relação com o Partido. Quanto ao Partido, sempre foi um militante devoto e extremamente ativo, colaborando em todos os sentidos com a sua sustentação. Na sua condição de intelectual autônomo e independente, teve divergências profundas com o mesmo, com relação ao governo Vargas, o Estado Novo, a questão rural, nunca aceitando o dogma partidário de que vivemos um período semifeudal e sim um momento do capitalismo mercantil, fato que marcaria a posição do partido com relação à Revolução. Essa parte da resenha é bastante esclarecedora com relação a essa problemática toda, fundamental para a compreensão do comportamento da esquerda em todo esse período. Em 1964, novas prisões e exílios. Em 1966, com o livro A revolução brasileira, ele mesmo se posiciona com relação a toda essa problemática. O livro teve grandes repercussões entre a esquerda brasileira.

Novos estudos, viagens (URSS, China e Cuba) e livros marcam a continuidade de sua trajetória. Escreveu sobre as suas viagens aos países do socialismo real, nunca perdendo o seu entusiasmo com relação a este "novo mundo", embora lhe fazendo algumas críticas. Morreu como um verdadeiro mártir de uma grande causa: a transformação de seu país num país justo. Vejamos o parágrafo final da resenha: "Caio Prado Junior morreu em São Paulo em 1990, aos 83 anos de idade, depois de uma longa vida de lutas políticas e intelectuais pelo socialismo e pelo desenvolvimento econômico e cultural pleno em nosso país".

Deixo a resenha de dois trabalhos anteriores já publicados no blog. A primeira é a de uma biografia sua, de autoria de Luiz Bernardo Pericás, autor também da resenha do livro da presente análise. Biografia que recomendo muito. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2018/03/caio-prado-junior-uma-biografia-politica.html

A segunda é uma resenha feita a partir do livro Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico - com foco na Formação do Brasil Contemporâneo. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/07/um-banquete-no-tropico-12-formacao-do.html

E, como de hábito, a publicação anterior. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/01/interpretes-do-brasil-classicos_7.html

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