segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. 20. Rômulo Almeida.

Na continuidade da análise dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, vamos hoje trabalhar o pensador do desenvolvimento brasileiro Rômulo Almeida, numa resenha de Alexandre de Freitas Barbosa. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial, do ano de 2014. Ao todo são trabalhados 25 intérpretes, em resenhas escritas por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.

Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014.

Alexandre de Freitas Barbosa abre a sua resenha colocando Rômulo Almeida ao lado de Celso Furtado e Ignácio Rangel como os três grandes nomes do desenvolvimentismo brasileiro. Logo depois dessa abertura ele fala do desconhecimento desse que foi o grande nome do planejamento e execução do desenvolvimentismo brasileiro dos anos 1950. Depois dessa abertura ele fala da trajetória do resenhado, que ele considera singular.

Rômulo Almeida nasceu na cidade de Santo Antônio de Jesus, no Recôncavo Baiano, em sua parte sul. Pertenceu a uma família de classe média, sendo que o seu pai dedicou sua vida ao comércio. Sua formação ocorreu na cidade de Salvador, passando por escolas de elite e terminando na Faculdade de Direito. Já formado, vai ao Rio de Janeiro, sendo professor e jornalista. Lá mantém interessantes contatos, destacando-se entre eles,  San Tiago Dantas. É o período em que ascende nele o interesse pela economia. Conhece também Roberto Simonsen, o formulador das políticas econômicas do governo Vargas. Começa então o seu sonho da utopia desenvolvimentista. Ele próprio fala de sua trajetória:

"Cheguei a ser economista numa trajetória que partia do desafio político. Fiz o curso de direito. Depois dediquei-me a estudos de educação e sociologia. Mas era preciso chegar ao âmago da estrutura social: tornei-me então economista". Da mesma forma fala também das origens do seu modo de pensar, já quase ao final de sua trajetória: "Eu formei a minha vida de servidor público federal dentro de uma consciência nitidamente nacional. Antirregionalista no momento em que era preciso unir o país, unificar o mercado. Considerávamos isto um passo necessário no processo de desenvolvimento autônomo do país. Entretanto, nunca esqueci de que era preciso que esse desenvolvimento, que no sistema de mercado levaria a uma concentração talvez insanável, necessitaria ser compensado por uma política lúcida de desconcentração. Para que o movimento imperial interno de ocupação dos espaços e da unificação territorial e econômica do país a partir do centro não resultasse num país dual". Que visão!

Entre as suas muitas atividades, participou da elaboração dos projetos da criação da Petrobras. Nos anos 1930 passou por um verdadeiro zigue-zague ideológico (integralismo inclusive), certamente motivado pela volatilidade da política brasileira da época. Ele definiu o seu passado, de quando tinha 16 anos: "Um nacionalista dotado de tremenda preparação cívica, cujo negócio era o Brasil para a frente, mas também socialista no sentido da distribuição de oportunidades e da participação do povo. Mas não era comunista, o fraseado deles me deixava tonto". Depois se definiu como economista com enraizamento social. Alimentava uma certeza um tanto absoluta, de que as elites jamais promoveriam o desenvolvimento. Considerava o governo Dutra como dotado de um "liberalismo paralisante".

Na década entre 1950 e 1960 se viu no centro do front desenvolvimentista do governo Vargas. Era um dos chamados "boêmios cívicos" que varavam noites se debruçando em projetos de industrialização e de dotação do país de infraestrutura de transportes e de energia. Ao longo do governo JK, se dedicou mais à Bahia, à sua modernização e diversificação econômica. Em 1964 estava trabalhando junto com Celso Furtado. Foi o período em que, segundo ele, os técnicos do governo foram substituídos pelos tecnocratas. Estes, sem consultar o povo "sabiam o que ele queria e precisava". Em 1965 já o encontraremos na resistência democrática, filiando-se ao MDB, disputando e perdendo as eleições ao Senado pela Bahia.

A sua vida de economista foi pautada em três princípios: planejamento, execução e reflexão. A década de 1940 foi mais dedicada à reflexão e a de 1950 ao planejamento e à execução. Jamais pensou a economia dissociada da questão social. Ao longo dos anos 1950 também se tornou um historiador, se ocupando das razões da concentração da economia brasileira a partir do estado de São Paulo. Ao defender a desconcentração, participa da criação do Banco do Nordeste e da SUDENE. Também verá no latifúndio e no patrimonialismo os maiores entraves ao desenvolvimento do país. Sempre defendeu a participação do Estado nos projetos de desenvolvimento de projetos sociais. Também se debruçou sobre as privatizações, vendo nelas, um enfraquecimento geral da economia. Com as privatizações "cresceremos menos, cresceremos mais capengas e mais dependentes".

Sobre as possibilidades futuras, ele assim as via, na síntese do resenhista: "As condições positivas são as tecnologias agrícolas desenvolvidas para o trópico; o núcleo industrial nos setores de bens de capital e intermediários; a capacidade empresarial e os recursos humanos ao menos nos segmentos modernos; a qualidade do Estado brasileiro no que tange ao padrão de organização e de métodos de gestão; o sistema federativo, com entidades espaciais descentralizadas com relativa autonomia; além da escala do mercado interno, acrescida da crescente capacidade de exportação". Também apontava para os entraves:

"Do lado das condições negativas, o ufanismo autoritário que engessa mudanças culturais e institucionais; a semialfabetização; o cartorialismo gremial, que concede privilégios por meio de diplomas; o exagero expropriativo de uma minoria; o explosivo problema urbano, que não se resolve sem mudança na distribuição e no uso da propriedade; o crescimento econômico gerador de dependência externa; a deterioração da solidariedade e da participação que pode esgarçar a cordialidade como característica nacional; a postura de superioridade com relação aos demais países da região". E, Alexandre de Freitas Barbosa, assim termina a sua resenha:

"Por fim, afirma que não está provado que o crescimento elevado do PIB exija necessariamente uma distribuição tão desigual. Ou seja, a desigualdade está na base da acumulação capitalista no Brasil (o que é diferente de condição), em relação à qual o Estado tem perdido a capacidade de acionar mecanismos corretivos. O modelo pode ser superado pelas próprias forças que ele engendra e pela reorganização da sociedade, acionando o Estado de maneira democrática, mas sem retirar-lhe a autonomia e a capacidade propositiva. É o último canto da sereia de um capitalismo autônomo, democrático, regulado e adaptado à realidade cultural dos trópicos".

Confesso ser este o primeiro contato com Rômulo Almeida. Apenas o conhecia como alguém ligado às políticas econômicas implementadas ao longo da segunda passagem de Vargas pelo governo. Efetivamente, trata-se de um pensador da economia brasileira, de um planejador e de um executor de políticas públicas através de projetos governamentais.

E, como de hábito, o trabalho anterior. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/01/interpretes-do-brasil-classicosrebeldes.html


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