quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. 22. Mário Pedrosa.

Na continuidade da análise dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, vamos hoje trabalhar o crítico de arte Mário Pedrosa, numa resenha de Everaldo de Oliveira Andrade. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial de 2014. Ao todo são trabalhados 25 intérpretes, em resenhas escritas por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se iniciou no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.

Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014.

O resenhista Everaldo de Oliveira Andrade abre o seu trabalho traçando uma breve síntese de quem foi Mário Pedrosa, afirmando que ele passou por dois exílios: Estado Novo e ditadura militar; que ele foi importante crítico de arte; militante do PCB; crítico do stalinismo; participante da IV Internacional; fundador do PSB nos anos 1940 e do PT, no ano de 1980. Sempre abraçou as suas causas com muito entusiasmo.

Mário Pedrosa nasceu em Timbaúba, no interior de Pernambuco, filho de senhores de engenho, mas sempre foi um filho desgarrado. Seu nascimento ocorreu no exato ano de 1900. Já em 1913 ele é enviado para a Suíça, para efeitos de estudo, voltando ao Brasil em 1916. De volta, ingressa no curso de Direito no Rio de Janeiro. Anos muito ricos, especialmente no que diz respeito a relações pessoais e de participação nos fatos históricos. Lembrando que nos anos 1920 é que ocorreram as grandes transformações brasileiras. Assim participou das greves de 1917, assiste a Revolução russa e ingressa no PCB. De imediato, com a morte de Lenin, ingressa nas lutas contra o stalinismo, chegando a participar da reunião de abertura da IV Internacional (Paris 1938), passando a ser um dos dirigentes internacionais dessa organização.

No Brasil, não se entusiasma com Vargas e antevê que a burguesia brasileira não governaria sob um regime democrático. Viu no movimento de 1930 uma reorganização das classes dominantes no poder num país capitalista, pró imperialismo. Também é o tempo da Guerra Civil espanhola e dos violentos expurgos nos países sob o domínio de Stalin. A Segunda Guerra e o encontro entre Stalin e Hitler confunde todo o mundo socialista. Desliga-se da direção da IV Internacional mas continua a sua luta em defesa da democracia, da autonomia da classe trabalhadora e do livre debate, fora das interferências do poder. Nesse período escreve dois livros: Opção imperialista e Opção brasileira. Observou também atentamente as transformações no mundo do trabalho com o avanço das novas tecnologias.

A sua aproximação com a arte ocorreu já na década de 1920. Via nela um caminho de liberdade. Aproxima-se dos escritores e artistas da semana da arte moderna e dos surrealistas franceses. Não separava a sensibilidade artística da formação da consciência para a superação da alienação. Via nela uma aproximação entre a sociedade e a natureza. Como temos hoje no Paraná uma enorme polêmica com relação a retirada da disciplina de artes de alguns anos do ensino básico, eu transcrevo dois parágrafos da resenha em que é descrita a sua visão da importância da arte na formação do ser humano. Vejamos:

"Se para Mário Pedrosa arte e política seguiam juntas, os caminhos para superar o capitalismo e libertar a criação artística convergiam. A brutalidade do capitalismo e dos meios de comunicação deveria ser superada porque o materialismo grosseiro da sociedade burguesa ajudava a fazer da cultura e das artes um privilégio dos ricos. O capitalismo reproduzia a miséria cultural ao mercantilizar todas as esferas da sociedade. A sociedade capitalista transformava o homem moderno trabalhador em um homem incapaz de enxergar a riqueza artística do mundo, impedido de ter uma imaginação livre e inovadora. Seria preciso fornecer, por intermédio de uma nova educação artística, a possibilidade para desenvolver a sensibilidade e a criatividade das crianças, o sentido das emoções que dão ao homem o impulso espontâneo natural para criar o novo.

Desse modo, Mário acreditava ser possível reeducar a sensibilidade do homem por meio da forma artística, que para ele era uma questão política maior que dizia respeito a um novo destino para a humanidade. Por essa razão, o ensino de arte, como o ensino em geral, deveria ser um tema fundamental ligado à luta política emancipatória. Ele questionou o ensino tradicional das artes, que não estimulava verdadeiramente a criatividade das crianças. Era preciso cultivar a espontaneidade ou  'a ausência de ordenação e regularidade no pintar ou desenhar, o acaso das tintas, os golpes de improviso', tudo longe das regras e das convenções acadêmicas. Ficou fascinado com trabalhos artísticos dos loucos e com a criatividade livre das crianças, aos quais dedicou vários textos. A criança deveria viver plenamente essas possibilidades, não devendo temer as emoções, para que estas aflorassem e desabrochassem pela educação artística. Isso permitiria ensinar as crianças a dar forma às emoções, controlá-las e integrá-las como um fator dinâmico na formação da sua personalidade. Para Mário Pedrosa, ensinar arte às crianças preparava o caminho político para a liberdade".

Mário pedrosa também tem uma interessante crítica sobre Brasília, a moderna capital brasileira: "Fatalmente isolado do povo brasileiro, o seu governo desconhecerá, não participará senão de fora do drama de seu crescimento, do amadurecimento de sua cultura, da formação de sua personalidade. Brasília seria uma espécie de casamata impermeável aos ruídos externos, ou só de opinião, como um estado maior que se abriga em cavernas subterrâneas blindadas".

Quanto ao seu segundo exílio, a situação se agrava a partir do AI-5 de 1968. Ele é acometido de uma isquemia, mas em 1970 ele foge para não ser preso. Como muitos brasileiros, se exilará no Chile, onde tem oportunidade de fundar o Museu da Solidariedade, recebendo inúmeras obras de arte, doadas por seus amigos artistas. Depois do golpe sofrido por Allende ele se refugia em Paris, onde, por agravamento de doenças, tem a permissão para voltar ao Brasil, antes mesmo da Lei da Anistia. A sua última atividade política será a participação na organização e fundação do Partidos dos Trabalhadores, fato que viu com muito entusiasmo, em função de sua organização a partir das bases dos movimentos dos trabalhadores. Foi o filiado número 1.

Em 18 de novembro de 1981, O Pasquim publica a sua última entrevista: "Ser revolucionário é a profissão  natural de um intelectual [...]. Sempre achei que revolução é a atividade mais profunda de todas [...]. Sempre sonhei uma revolução para o Brasil".

E, como de hábito, o trabalho anterior.http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/01/interpretes-do-brasil-classicos_24.html

Adendo: 18.02.2023. Do livro - Lula - Biografia  - de Fernando Morais. Capítulo 15. Página 348. Sobre a participação de Mário Pedrosa na pré fundação do PT, em São Bernardo do Campo, as suas impressões, ficha número um e tentando convencer Antônio Cândido a se filiar. Com certeza foi dos primeiros, mas a ficha de número um é creditada a Apolônio de Carvalho.

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