Na continuidade da análise dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, vamos trabalhar hoje um dos maiores folcloristas brasileiros, Câmara Cascudo, numa resenha de Marcos Silva. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial, do ano de 2014. Ao todo são trabalhados 25 autores em resenhas de especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB), quando se inicia no Brasil a denominada modernização conservadora. São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.
Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014Devo reconhecer que pouco conhecia de Câmara Cascudo, talvez um pouco mais do que identificá-lo como um estudioso do folclore brasileiro, mais precisamente do folclore nordestino. Numa viagem a Natal ouvi muito falar dele e, depois, numa promoção, (Primeira Bienal do Livro de Curitiba - 2003) comprei livros seus e entre eles, o seu clássico Vaqueiros e cantadores. Mas vamos às primeiras informações. Luís da Câmara Cascudo nasceu em Natal no ano de 1898 e morreu nessa mesma cidade em 1986. Ele se formou em Direito na cidade de Recife. A sua formação é ampla, passando por vários campos do conhecimento e a sua literatura passou por vários gêneros da escrita. Além disso foi etnógrafo e músico.
Marcos Silva, em sua resenha, destaca dois de seus livros como os representantes maiores de sua obra. Alma patrícia (1921) e Vaqueiros e cantadores (1937). A primeira é dedicada ao passado e à alma de seu estado, o Rio Grande do Norte, através de seus escritores, lhes fazendo uma avaliação. Mas a sua obra maior e madura, Vaqueiros e cantadores, é um retrato de sua infância, relatados por alguém que se transformou num grande memorialista. Nela está a memória de um sertão, memória que estava se perdendo no tempo, sem registros. A obra é extremamente erudita, ao mostrar as origens das cantorias dos vaqueiros. Esses seus trabalhos originários desembocariam numa outra obra sua, talvez a mais conhecida, Dicionário do folclore brasileiro (1958).
De seu livro Vaqueiros e cantadores, tomo três parágrafos da orelha da contracapa do livro, de autoria de Neide Magalhães Fonseca. "A pessoa de Luís da Câmara Cascudo no cenário cultural brasileiro é da maior importância. Sertanejo de corpo e alma, registra toda uma tradição popular que não pode morrer sem levar consigo o que o Brasil tem de mais bonito e natural em sua arte: a cantoria e a poesia sertanejas.
Essas formas que o homem do sertão encontrou para se manifestar revelam sua alma molhada dos mais puros sentimentos, em contraposição ao seu corpo e à sua terra que o sol mantém secos. Os sertanejos se reúnem ao redor de um tocador de viola e entoam seu canto, sua fala, sua queixa. Personalizam animais e dão a eles uma alma tal qual a sua, forte e capaz de valentias contra o rigor da Natureza e dos outros homens.
Este livro, que surgiu do trabalho incansável de Câmara Cascudo e, sobretudo, de seu amor e sua devoção à arte popular, encarna a memória do sertão do Brasil. Colheu, o autor, material rico e vasto que, felizmente, aqui está registrado, especialmente a parte poética. Graças a ele, um pouco do que ainda existe chega ao conhecimento de quem, achando-se distante dessa realidade artística, vota a ela um reconhecimento especial por seu valor como integrante inerente da História de um povo".
Vaqueiros e cantadores. Luís da Câmara Cascudo. Itatiaia. 1984.Marcos Silva, depois de destacar a importância de Câmara Cascudo, assim termina a sua resenha: "Graduado em Direito, professor da UFRN (que ajudou a fundar, inclusive com sua ação antecipada a esse nascimento, em diferentes frentes culturais do RN - docência no Atheneu, publicações, incentivo à produção literária e musical), Câmara Cascudo se definiu como um incurável provinciano. Até era. Mas sua vida e sua obra demonstram que província e mundo não se constituem em instâncias isoladas. É por essa razão que o fino analista dos poetas orais nordestinos também se manifestou com igual fineza em diálogo com Dante, Cervantes, Descartes, Montaigne e tantos mais. Longe, perto: 'Va pensiero' (Verdi, Nabuco)". Trata-se de uma referência a outras obras do autor, em diálogo com esses grandes clássicos.
Na ocasião em que comprei Vaqueiros e cantadores, comprei também Superstição no Brasil e Locuções tradicionais no Brasil, todos pela Editora Itatiaia Limitada, a editora da Universidade de São Paulo. E, como aperitivo, a delícia do primeiro parágrafo da apresentação, e mais um cadinho do segundo, após a extraordinária frase em epígrafe. TANTO PEGO BOI NO "FECHADO" - COMO CANTO DESAFIO...
"Reúno neste livro quinze anos de minha vida. Notas, leituras, observações, tudo compendiei pensando um dia neste "VAQUEIROS E CANTADORES". Em parte alguma dos meus depoimentos de testemunha a imaginação supriu a existência do detalhe pitoresco. O material foi colhido diretamente na memória duma infância sertaneja, despreocupada e livre. Os livros, opúsculos, manuscritos, confidências, o que mais se passou posteriormente, vieram reforçar, retocando o 'instantâneo' que meus olhos meninos haviam fixado outrora. É o que fielmente se continha em minh'alma. Dou fé.
Vivi no sertão típico, agora desaparecido. A luz elétrica não aparecera. O gramofone era um deslumbramento"....
Como de hábito, o post anterior. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/01/interpretes-do-brasil-classicos.html
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