segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Intérpretes do Brasil. Clássicos, rebeldes e renegados. 25. Milton Santos.

Concluo hoje a análise dos "Intérpretes do Brasil", a partir do livro Intérpretes do Brasil - clássicos, rebeldes e renegados, livro organizado por Luiz Bernardo Pericás e Lincoln Secco, vamos hoje trabalhar o geógrafo Milton Santos, numa resenha de Fábio Betioli Contel. O livro é uma publicação da Boitempo Editorial de 2014. Ao todo são apresentados 25 intérpretes, em resenhas escritas por especialistas. O foco do livro são os autores que resultaram das transformações brasileiras dos anos 1920 (tenentismo, semana da arte moderna, PCB). São apresentados a primeira e a segunda geração desses intérpretes.

Intérpretes do Brasil ´clássicos, rebeldes e renegados. Boitempo Editorial. 2014.

Fábio Betioli Contel divide a sua resenha sobre Milton Santos em duas partes: na primeira mostra a sua trajetória pessoal, sua formação, seus primeiros trabalhos e o início de seu envolvimento com o mundo da geografia. Na segunda, ele apresenta o grande geógrafo, quando este já estava instalado no espaço privilegiado da USP e produziu toda uma filosofia da geografia. Não é fácil fazer uma síntese de um intelectual tão produtivo, como o foi Milton Santos, com mais de 40 livros publicados, depois de ter trabalhado em muitas das grandes universidades pelo mundo afora.

Milton Santos nasceu na pequena cidade do interior baiano, Brotas de Macaúbas, no ano de 1926. Sua formação escolar começa em sua própria casa, uma vez que seus pais eram professores. Aos dez anos cumpre, segundo ele próprio, o seu "primeiro exílio", num colégio interno em Salvador, um colégio que privilegiava a formação humanista, com forte carga nas disciplinas de filosofia e de literatura. Em 1944 ingressa na Faculdade de Direito e explica as razões dessa sua escolha: "A faculdade de direito era o lugar da formação geral, inclusive porque o direito não era ministrado como algo técnico; o direito era ensinado juntamente  com economia política [...] juntamente com sociologia jurídica, teoria do Estado, direito constitucional [...]. Isso dava uma base em humanidades que nenhum outro curso oferecia". Foi o tempo em que entrou em contato com Josué de Castro e o seu Geografia da fome (1946).

Milton Santos destaca que ao longo do seu curso de Direito foi influenciado por bons professores. Ele ingressa na vida profissional como professor de geografia em Ilhéus, onde também inicia uma outra atividade que não mais abandonará, a cooperação com jornais. Ele volta a Salvador, depois de aprovado em concurso na Faculdade Católica da cidade. Continua também com a sua atividade jornalística. Exerce cargos políticos, sempre voltados a projetos de desenvolvimento. É o tempo em que se aproxima do Partido Comunista e do governo Jango. A convite de professores franceses faz o seu doutorado em Toulouse. Em 1964 inicia o seu segundo exílio, que ele qualificou como um desenraizamento. Irá trabalhar em universidades famosas como o MIT e a Sorbonne e também em organismos internacionais como a OIT, a OEA e a própria ONU. Estes trabalhos o levam para a África. Emprego e urbanização nos países do Terceiro Mundo o fascinam.

Ao final dos anos 1970 ele regressa ao Brasil e, mesmo com todo o currículo que o acompanha, ele enfrenta dificuldades. Ele próprio nos conta: "os professores das universidades, mesmo aqueles que se fingiam de esquerda, corriam dos professores exilados, como o diabo da cruz". Ele volta para a Bahia, pois queria um filho baiano. Trabalha na UFRJ por um breve tempo e se instala definitivamente na USP., onde encontra todas as condições favoráveis para desenvolver o seu trabalho. É um tempo de efervescência cultural com a ditadura militar agonizante.

Na USP, ele busca uma filosofia para a geografia. A urbanização e o espaço geográfico continuarão sendo os temas que ele privilegia, tudo sob a ótica de uma "nova geografia". Em 1996, já com 70 anos lançará o seu livro mais importante: A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção, que, conforme ele próprio afirma, lhe consumiu 15 anos de trabalho. Ele assim define o espaço geográfico, que ele tanto estudou: "O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e de sistemas de ações, não consideradas isoladamente, mas como o  quadro único no qual a história se dá. No começo era uma natureza selvagem, formada por objetos naturais, que ao longo da história vão sendo substituídos por objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com que a natureza artificial tenda a funcionar como uma máquina. [...] Os objetos não têm realidade filosófica, isto é, não nos permitem conhecimento, se os vemos separados dos sistemas de ações. Os sistemas de ações também não se dão sem os sistemas de objetos".

Nesse tempo, também não abdica da militância política, brigando mais por ideias do que pela militância partidária. Outro importante tema de que se ocupa é o da globalização, que ele considera fruto de duas tiranias: a tirania da informação e a tirania do dinheiro. É o sistema em que "algumas poucas empresas de alcance global possuem condições de minimizar a ação republicana dos Estados e arrastar para sua órbita, direta ou indiretamente, todas as regiões produtivas, todas as populações, os excedentes e os sistemas culturais locais". Em seu livro Por uma outra globalização, ele reivindica que o homem seja o centro das preocupações civilizacionais. Continuou também a sua militância nos jornais, ocupando colunas na Folha de S.Paulo e no Correio Brasiliense. Era tido como um professor elegante, rigoroso e generoso.

Vejamos a parte final da resenha, em que Fábio procura mostrar o sentido de sua trajetória de vida: "Seu projeto de vida, nesse sentido, se completou plenamente. Além de geógrafo, Milton foi um intelectual público, na acepção que Sartre dá à palavra, isto é,  um 'guardião dos fins fundamentais (emancipação, universalização e portanto humanização do homem)'. Lutou por esses 'fins fundamentais'  a seu modo, num incansável combate por meio da práxis intelectual, a partir de suas ideias libertárias. Seu legado é também um convite. Um convite para que todos aqueles preocupados com o destino da humanidade não esmoreçam na difícil batalha de tornar o espaço geográfico guarida perfeita para a vida digna de toda a população do mundo. Sem exceções".

Tenho no meu blog um dos textos que ele publicou na Folha de S.Paulo, que considero fundamental que seja do conhecimento de todos os educadores. Uma espécie de testamento. É sobre os princípios da educação, para que ela não forme "deficientes cívicos".

 http://www.blogdopedroeloi.com.br/2015/03/os-deficientes-civicos-milton-santos.html

E, como de hábito, o último trabalho. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/01/interpretes-do-brasil-classicos_28.html

 

 

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