sábado, 13 de maio de 2023

Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país. 21. Gilda de Mello e Souza.

Continuo hoje mais um trabalho referente aos intérpretes do Brasil. Desta vez o livro referência é Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país. O livro é organizado por André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz. É um lançamento da Companhia das Letras do ano de 2009. A edição que usarei é de 2013. Quem são os personagem trabalhados? Os organizadores respondem: "Os teóricos do racismo científico e seus críticos na Primeira República; modernistas de 1920 e ensaístas clássicos dos anos 1930; a geração pioneira dos cientistas sociais profissionais e seus primeiros discípulos". A abordagem sempre será feita por algum especialista. O livro tem uma frase em epígrafe/advertência. O Brasil não é para principiantes, de Antônio Carlos Jobim.



A vigésima primeira resenha do livro em foco é sobre a professora e pesquisadora Gilda de Mello e Souza, numa resenha de Heloísa Pontes, professora do departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) sob o título Entre a arte e a ciência. Vamos começar por alguns dados biográficos seus:

"Nasceu em São Paulo em 1919. No ano de 1940, gradua-se em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP). É uma das fundadoras da revista Clima (1941). Em 1943, torna-se assistente da cadeira de Sociologia I da USP, cujo titular era Roger Bastide. Doutora-se em ciências sociais (1950). Em 1954 começa a lecionar a disciplina de Estética no Departamento de Filosofia na mesma universidade, tornando-se chefe em 1969. Em seu mandato funda a revista Discurso. Ganha o título de professora emérita da USP em 1999. Publica, entre outros, O tupi e o alaúde: uma interpretação de Macunaíma (1979), Exercícios de leitura (1980), O espírito das roupas: a moda no século XIX (1987) e A ideia e o figurado (2005). falece em sua cidade natal em 2005".

Heloísa Pontes inicia sua resenha apresentando Gilda como uma mulher elegante e intelectual brilhante. Por sua beleza, era uma mulher de cinema. Pertenceu a uma geração de intelectuais, aglutinados em torno da revista Clima. Entre eles figuravam Antônio Cândido, Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Salles Gomes, entre outros. Seu primeiro trabalho de fôlego foi o seu doutoramento sobre a moda no século XIX (1950), publicado sob forma de livro, apenas em 1987. A moda, as roupas sempre foram o grande tema de seus ensaios. Olhava as roupas, a moda com seus olhares de lince. O seu campo de atividades é assim apresentado pela resenhista:

"Descortinou dimensões variadas da literatura, artes plásticas, tetro, cinema e estética; expandiu a compreensão da pintura acadêmica e do modernismo brasileiro; adensou o olhar sobre o cinema europeu; refinou a percepção crítica, a meio caminho entre ciência e arte". Sua receptividade foi discreta e nem sempre bem vista.  Os temas abordados soavam estranhos. Vejamos: "Concebido como um ensaio de sociologia estética, à boca pequena o tema foi considerado fútil. Coisa de mulher. Na hierarquia acadêmica e científica da época, que presidia tanto a escolha dos objetos de estudo quanto a forma de exposição e explicação dos mesmos, a tese constituiu, nas palavras da autora, 'uma espécie de desvio em relação às normas predominantes'. 'Profana' e 'plebeia', a moda, na escala de valor e legitimidade atribuídos por esse sistema classificatório...".

Depois ganhou legitimidade com a expansão dos temas das ciências humanas, como a antropologia, sociologia da cultura e pela história das mentalidades, nos conta Heloísa Pontes. A mulher burguesa começa a ocupar espaços públicos, novos espaços de sociabilidade. É o que não escapa ao olhar de Gilda Mello e Souza. Ela vê uma nova situação para esta mulher. Vejamos, pelas palavras da resenhista:

"Restrita aos interesses domésticos, ela se aplicou com esmero no trato com as roupas. Pois sabia que a graça, o encanto, a elegância e o frescor eram um dos poucos recursos de que dispunha para a conquista de um lugar ao sol. Se o casamento era a meta, contraído, longe de atenuar, ampliava o interesse pelas artimanhas da vestimenta. Uma vez que a 'graça de trazer o vestido, de exibir no baile os braços e os ombros, fazendo-os melhores por meio de atitudes e gestos escolhidos, era simétrica ao talento e à ambição, exigidos pela carreira do marido'". A resenha continua:

"Desse viver nos olhos dos outros é que as roupas, os adornos, os cosméticos retiravam força e significação. Nesse mostrar-se recusando-se, as mulheres eram especialistas, tentando tirar o máximo partido do mínimo a que estavam confinadas em decorrência dos imperativos implacáveis da dupla moralidade vigente na interação entre os sexos". Muitas dessas situações ela retira da literatura, especialmente da de Machado de Assis.

De sua convivência com a intelectualidade merecem destaque a de Mário de Andrade, com quem tinha parentesco e com Antônio Cândido, com quem viria a se casar. A resenhista conclui o seu trabalho mostrando a importância de seu trabalho na busca por espaços de afirmação da mulher:

 "A formação intelectual recebida na Faculdade de Filosofia e a sociabilidade ancorada na vida universitária tornaram possível a reorientação do papel social para o qual tinham sido educadas: mães e donas de casa. O impacto dessa experiência foi enorme, sobretudo para aquelas que efetivamente tentaram inventar para si um novo destino. Mas isso se deu à custa de conflitos, inseguranças e dilemas específicos, decorrentes tanto da sensação de estarem, senão na contramão, a léguas de distância do destino socialmente esperado, quanto do dilaceramento produzido pelo ir e vir entre dois estilos de vida, um tradicional e outro mais arrojado, que não lhes conferia ainda as insígnias públicas de aprovação e reconhecimento".

Que temas! Quanta ousadia! São os avanços da história. No meu primeiro contato, muita admiração. E, junto com Antônio Cândido, o compartilhamento de uma vida de dois dos grandes intelectuais brasileiros.

Como de hábito, o trabalho anterior sobre Maria Isaura Pereira de Queiroz:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/05/um-enigma-chamado-brasil-29-interpretes_12.html

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