sexta-feira, 5 de maio de 2023

Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país. 15. Sérgio Buarque de Holanda.

Continuo hoje mais um trabalho referente aos intérpretes do Brasil. Desta vez o livro referência é Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país. O livro é organizado por André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz. É um lançamento da Companhia das Letras do ano de 2009. A edição que usarei é de 2013. Quem são os personagem trabalhados? Os organizadores respondem: "Os teóricos do racismo científico e seus críticos na Primeira República; modernistas de 1920 e ensaístas clássicos dos anos 1930; a geração pioneira dos cientistas sociais profissionais e seus primeiros discípulos". A abordagem sempre será feita por algum especialista. O livro tem uma frase em epígrafe/advertência. O Brasil não é para principiantes, de Antônio Carlos Jobim.

Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país.

A décima quinta resenha é sobre Sérgio Buarque de Holanda, trabalhada por Roger Wegner, professor do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz da Fiocruz, num texto sob o título - Caminhos de Sérgio Buarque de Holanda. Vejamos inicialmente alguns dados biográficos seus:

"Nasce em São Paulo em 1902. Ingressa na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro (1921). Em 1958 torna-se mestre em ciências sociais pela escola livre de Sociologia e Política (ELSP). Participa do movimento modernista de 1922.  [...] Leciona na Universidade do Distrito Federal (1936-9). Dirige o Museu Paulista (1946-56) e, na mesma época, ensina na ELSP. Assume a cátedra de História da Civilização Brasileira na Universidade de São Paulo, em 1956. Ministra aulas e conferências em universidades da Itália, Chile, França e Estados Unidos. Funda e dirige o Instituto de Estudos Brasileiros da USP (1962). Membro fundador do Partido dos Trabalhadores (1980). Assina, dentre outros, Raízes do Brasil (1936) e Visão do paraíso (1959). Falece na cidade natal em 1982".

O resenhista começa destacando que ele não vingou no Direito. Depois de viajar por seis horas em lombo de burro, no Espírito Santo, para fazer um júri, na qualidade de promotor, desistiu do Direito e da profissão. Morava, nessa ocasião, na cidade de Cachoeiro de Itapemirim. Depois anda por São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo conhece Mário de Andrade e no Rio de Janeiro Prudente de Morais Neto, Graça Aranha e Manuel Bandeira. Fora desse círculo, mantém contato com Gilberto Freyre e com Drummond. Faz parte de toda uma geração modernista.

O resenhista destaca que Sérgio Buarque era influenciado pelas duas grandes tendências que havia no movimento. A liderada por Mário de Andrade, de atualização da tradição, à moda europeia e a do "Pau-Brasil", de Oswald de Andrade, voltada ao espontaneísmo brasileiro, sem seguir a modelos. Depois de sua volta do Espírito Santo, trabalha no Rio de Janeiro como tradutor e articulista e em 1929, irá para a Alemanha, como correspondente dos Diários Associados. Dali observa a república de Weimar e a ascensão do nazismo. E, muito importante, conhece Max Weber. Com a ascensão de Vargas, volta ao Brasil e observa o fenômeno da aceleração da industrialização e da urbanização. Em sua mente começa o desenho de Raízes do Brasil.

Em Raízes do Brasil apresenta o dilema da modernização brasileira e o legado da colonização ibérica. Aparece a famosa figura do Homem cordial. Nele, o coração será o filtro da racionalidade, que privilegia amizades na esfera de suas relações. Se distancia dos princípios abstratos e universais das normas e da sua aplicação. Essa cordialidade  é inadequada para o funcionamento da democracia. Como é um conceito chave, vejamos, em outras palavras. O homem brasileiro é cordial. Se guia pelo coração e não pela razão e pela burocracia dela decorrente. O homem cordial é um impedimento para a democracia e para o desenvolvimento. É uma característica do homem rural. Como o Brasil está envolvido num processo de modernização, de urbanização e de industrialização, o homem cordial está em processo de substituição pelo homem racional.

Ao analisar este processo de modernização, ele o faz a partir das seguintes datas: 1808 (Corte) 1850 (abolição do tráfico) 1888 (abolição da escravidão) e 1930 (Vargas). Essas datas representam a corrosão do rural, a fonte do homem cordial. Este está em processo de dissolução. Vejamos o resenhista: "As mudanças se dão na direção da urbanização, imigração de europeus e industrialização, e significam a corrosão gradual do rural, que, na verdade, seria a fonte alimentadora da cordialidade". E continua:

"Desse modo, ao mesmo tempo que concentra no 'homem cordial' a marca da cultura brasileira, Sérgio Buarque afirma que essa característica está em franco processo de diluição. Contudo, o resultado final desse processo não é claro, pois a modernização não traz por si só uma racionalidade que filtre os sentimentos que transbordam do coração e transforme os brasileiros em homens de civilidade".

Em 1936, o mesmo ano da publicação de Raízes do Brasil, ele ingressa na Universidade do Distrito Federal (UDF), criada por Anísio Teixeira e assim como a USP contrata professores franceses. Sérgio Buarque será professor assistente nas disciplinas de Literatura Comparada e História Moderna e Econômica. A Universidade teve vida breve. Foi extinta em 1939. Ele irá então, trabalhar no Instituto Nacional do Livro e na Biblioteca Nacional. Vargas, ao longo do Estado Novo, incorpora muitos intelectuais nos quadros do Estado.

Depois de 1946, em sua volta para São Paulo, seus estudos se voltam para a interiorização, para a nossa marcha para o oeste. Monções e Caminhos e fronteiras são as obras desse período. Este período representa a passagem da cordialidade para a civilidade, ou para a racionalidade do mundo dos negócios.

O seu ingresso na USP é duplo. Como aluno busca o seu doutoramento e como professor, assume a cátedra de História da Civilização Brasileira. É desse período o seu Visão do paraíso. Portugueses e espanhóis sonhavam em encontrar o Eden terrestre. Já os colonizadores ingleses o construiriam com o trabalho árduo. É óbvio que isso repercute na formação. Em 1969 se afasta da USP, em solidariedade aos colegas vitimados pelo AI-5, da repressão da ditadura militar. Em 1980 está presente na fundação do Partido dos Trabalhadores e veio a falecer em 1982. 

Entre os intérpretes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda ocupa uma posição de protagonista. Figura entre os maiores. O que ele percebeu foi fundamental para uma perspectiva de futuro para o país. Este país estava se modernizando. Ele estava entrando no mundo da democracia, da racionalidade, da legalidade, com o rompimento dos vínculos da cordialidade, com a adoção de medidas universais e abstratas da chamada "burocracia". Isso é herança weberiana.

Deixo o link de um trabalho anterior sobre Raízes do Brasil.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/07/um-banquete-no-tropico-11-raizes-do.html

E o trabalho anterior, sobre Gilberto Freyre.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/05/um-enigma-chamado-brasil-29-interpretes_3.html

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