sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A ÁGUIA QUE (quase) VIROU GALINHA.

Hoje publico mais um texto que já usei bastante. Ele tem várias versões e a história também é contada com diferentes finalidades. Não importa. Conheço uma versão do Leonardo Boff, que inclusive, tem um livro com título semelhante, mas prefiro usar esta versão, que é do Rubem Alves, que eu aprecio muito. Como esta história é totalmente auto explicativa, não me dou ao trabalho de fazer qualquer interpretação. Me desculpem, mas não sei dar a fonte do livro em que está esta história. A tenho em xerox e a página é da nº 125, mas não sei dizer de que livro. Mas vamos a Rubem Alves que primeiramente fala sobre a história, para depois contá-la, a sua maneira.
O voo soberano da água.

"O tempo está chegando quando o homem não mais lançará a flecha do seu desejo para além de si mesmo e a corda do seu arco se esquecerá de como vibrar... O tempo está chegando quando o homem não mais dará à luz uma estrela. O tempo do mais desprezível dos homens...

O tempo está chegando quando todas as águias se transformarão em galinha. A ideia desta história não é minha. Meu é só o jeito de contar..."

Sobre uma águia que foi criada num galinheiro.

"E foi aprendendo sobre o jeito galináceo de ser, de pensar, de ciscar a terra, de comer milho, de dormir em poleiros...

E, na medida em que aprendia, ia esquecendo as poucas lembranças que lhe restavam do passado. É sempre assim: todo aprendizado exige um esquecimento... e ela desaprendeu.

os cumes das montanhas.
os vôos nas nuvens.
o frio das alturas.
a vista se perdendo no horizonte. 
o delicioso sentimento de liberdade...

Como não havia ninguém que lhe falasse destas coisas, e todas as galinhas cacarejassem os mesmos catecismos, ela acabou por acreditar que ela não passava de uma galinha com perturbação hormonal, tudo grande demais, aquele bico curvo, sinal de acromegalia, e desejava muito que o seu cocô tivesse o mesmo cheiro certo do cocô das galinhas...

Um dia apareceu por lá um homem que vivera nas montanhas e vira o voo orgulhoso das águias.

'Que é que você faz aqui?', ele perguntou.

'Este é o meu lugar', ela respondeu. 'Todo mundo sabe que galinhas vivem em galinheiros, comem milho, ciscam o chão, botam ovos e finalmente viram canja: nada se perde, utilidade total...'

'Mas você não é galinha', ele disse. 'É uma águia.'

'De jeito nenhum. Águia voa alto. Eu nem sequer voar sei. Prá dizer a verdade, nem quero. A altura me dá vertigens. É mais seguro ir andando, passo a passo...'

E não houve argumento que mudasse a cabeça da águia esquecida. Até que o homem, não aguentando mais ver aquela coisa triste, uma águia transformada em galinha, agarrou a águia à força, e a levou até o alto da montanha. A pobre águia começou a cacarejar de terror, mas o homem não teve compaixão: jogou-a no vazio do abismo. Foi então que o pavor, misturado a memória que ainda moravam em seu corpo, fez as asas baterem, a princípio em pânico, mas pouco a pouco, com tranquila dignidade, até se abrirem confiantes, reconhecendo aquele espaço imenso que lhe fora roubado. E ela finalmente compreendeu que o seu nome não era galinha, mas águia...

Esta estória foi escrita na África, um profeta dizendo aos seus companheiros: 'Vejam a que estado os brancos nos reduziram: águias que andam como galinhas... É preciso voar de novo'".

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