quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A Fábula dos Porcos Assados. O que não faz a burocracia?

FÁBULA DOS PORCOS ASSADOS.

Achei em meus arquivos esta impressionante história que revela, com muito humor, a irracionalidade da burocracia.  Uma história imperdível. Ela chegou em minhas mãos, ainda nos anos 80, pelas mãos do Dr. Olivar Coneglian, quando éramos professores na Faculdade de Direito de Umuarama.

Artigo publicado em “Juicio a La escuela”, Cirigliano, Forcade Tilich Editorial Humanitas. Buenos Aires, 1976.

“A burocracia é um meio usado pelo Estado para conseguir seus fins. Quando ela deixa de ser meio para se tornar um fim em si mesma, quando ela passa a alimentar-se de si mesma, está na hora de acabar com ela, ou ela acaba com o Estado”. Olivar Coneglian.

            Uma das possíveis variações de uma velha história sobre a origem do assado é esta: certa vez um incêndio num bosque onde se encontravam alguns porcos fez com que estes fossem assados pelo incêndio. Os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam deliciosos. Logo, toda vez que queriam comer porcos assados, incendiaram um bosque... até descobriram novo método.
Para chegar a este método, um longo caminho foi percorrido.          

 Mas o que eu quero contar é o que aconteceu quando tentaram mudar O Sistema para implantar um novo. Fazia tempo que algumas coisas não iam bem: às vezes os animais ficavam queimados ou parcialmente crus; outras, de tal maneira queimados que era impossível utilizá-los. Como era um procedimento montado em grande escala, preocupava muito a todos, porque, se o Sistema falhava, as perdas ocasionadas eram igualmente grandes. Milhões eram os que se alimentavam de carne assada e também muitos milhões eram os que tinham ocupação nesta tarefa. Portanto, O Sistema simplesmente não devia falhar. Mas, curiosamente, à medida que se fazia em maiores escalas, mais parecia falhar e maiores perdas parecia causar.

            Em razão das deficiências, aumentavam as queixas. Já era um clamor geral a necessidade de reformar profundamente  O Sistema. Tanto assim que, todos os anos, realizavam-se congressos, seminários, conferências e jornadas para achar a solução. Mas parece que não acertavam o melhoramento do mecanismo, porque no ano seguinte repetiam-se os congressos, os seminários, as conferências e as jornadas. E assim sempre.

            As causas do fracasso do Sistema, segundo os especialistas, deviam-se atribuir ou à indisciplina dos porcos que não permaneciam onde deviam, ou à inconstante natureza do fogo tão difícil de controlar, às árvores excessivamente verdes, ou à umidade da terra, ou ao Serviço de Informações Meteorológicas que não acertava o lugar, o momento e a quantidade de chuvas, ou...

            As causas eram – como se vê – difíceis de determinar porque, na verdade, O Sistema para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura; uma grande maquinaria com inúmeras variáveis fora institucionalizada. Havia indivíduos dedicados a acender: os incendiadores que, ao mesmo tempo, eram especialistas de setores (incendiadores da Zona Norte da Zona Oeste, etc; incendiador noturno, diurno com especialização matutina e vespertina, incendiador de verão, de inverno, com disputas jurídicas sobre o outono e a primavera). Havia especialistas em vento: os anemotécnicos. Havia um Diretor Geral de Assamento e Alimentação Assada, um Diretor de Técnicas Ígneas (com seu Conselho Geral de Assessores), um Administrador Geral de Florestação Incendiável, uma Comissão Nacional de Treinamento Profissional em Porcologia, um Instituto Superior de Cultura e Técnicas Alimentícias  - ISCUTA – e o BODRIO – Bureau Orientador de Reformas Ígneo-Operativas.

            O BODRIO era tão grande, que tinha Inspetor de reformas para cada 7.000 porcos, aproximadamente. E era preciso o BODRIO que propiciava anualmente os congressos, os seminários, as conferências e as jornadas. Mas isto só parecia servir para incrementar o BODRIO em burocracia.

            Tinha-se projetado e encontrava-se em pleno crescimento a formação de novos bosques e selvas, segundo as últimas indicações técnicas (em regiões escolhidas segundo determinada orientação, onde os ventos não sopravam mais do que três horas seguidas, onde era reduzida a porcentagem de umidade).

            Havia milhões de pessoas trabalhando na preparação dos bosques que logo teriam que ser incendiados. Havia especialistas, na Europa e nos Estados Unidos, estudando a importação das melhores madeiras, árvores, sementes, de melhores e mais potentes fogos, estudando idéias operativas (por exemplo, como fazer buracos para que neles caíssem os porcos). Havia também grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, mecanismos para deixá-los sair no momento oportuno, técnicos em alimentação, etc.

            Havia construções de estábulos para porcos. Professores formadores de especialistas na construção de estábulos para porcos. Universidades que preparavam os Professores formadores dos especialistas na construção de estábulos para porcos. Investigadores que forneciam o fruto do seu trabalho às Universidades que preparavam os professores formadores dos especialistas na construção de estábulos para porcos; Fundações que apoiavam os Investigadores que davam o fruto do seu trabalho às Universidades que preparavam os professores formadores dos especialistas na construção de estábulos para porcos, etc.

            As soluções que os congressos sugeriam, por exemplo, eram aplicar triangularmente o fogo após a  V-a-1 pela velocidade do vento sul, soltar os porcos 15 minutos antes que o fogo promédio alcançasse 47º; outros diziam que era necessário por grandes ventiladores que serviriam para orientar a direção do fogo e assim por diante. E não é preciso falar que poucos especialistas estavam de acordo entre si e que cada um tinha investigações e dados para provar suas afirmações.

            Um dia, um incendiador Categoria SO/DM/VCH (isto é, um acendedor de bosques especialista sudoeste, diurno, matutino, com licenciatura em verão chuvoso), chamado, JOÃO SENTIDO COMUM, falou que o problema era muito fácil de resolver. Tudo consistia, segundo ele, primeiramente, em matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal e colocando-o, posteriormente, numa jaula metálica ou armação sobre umas brasas, até que o efeito do calor e não das chamas o assasse ao ponto.

            Ciente, o Diretor Geral do Assamento mandou chamá-lo e perguntou que coisas esquisitas andava falando por ali, e depois de ouvi-lo, disse-lhe:

            - O que o senhor fala está bem, mas somente na teoria. Não vai dar certo na prática. Pior ainda, é impraticável. Vamos ver o que o senhor faria com os anemotécnicos, no caso de se adaptar o que sugere.
            - Não sei, respondeu João.
            - Onde vai por os acendedores das diversas especialidades?
            - Não sei
            - E os especialistas em sementes, em madeiras? E os desenhistas de estábulos de sete andares, com suas máquinas limpadoras e perfumadoras automáticas?
            - Não sei.
            - E os indivíduos que foram ao estrangeiro para se especializar durante anos e cuja formação custou tanto ao país? Vou pô-los para limpar porquinhos?
            - Não sei.
            - E os que tem se especializado todos esses anos em participar de congressos, seminários e jornadas para a Reforma e Melhoramentos do Sistema? Se o que você fala resolve tudo, que faço com eles?
            - Não sei.
            - O senhor percebe agora que a sua solução não é a de que todos nós necessitamos? O senhor acredita que, se fosse tudo tão simples, os nossos especialistas não teriam achado a solução antes? Veja só! Que autoridade pode avaliar sua sugestão? O  senhor, por certo, imagina que eu não posso dizer aos Engenheiros em Anemotécnica que é questão de pôr brasinhas sem chamas! O que eu faço com os bosques já preparados,ao ponto para serem queimados, que somente possuem madeira apta para o fogo-em-conjunto, cujas árvores não produzem frutos, cuja falta de folhas faz com que não prestem para dar sombra? O que faço? Diga-me.
            - Não sei.
            - O que faço com a Comissão Redatora de Programas Assados, com seus Departamentos de Classificação e Seleção de Porcos, com a arquietura Funcional de Estábulos, estatística, população, etc?
            - Não sei.
            - Diga-me: o Engenheiro em Porcopirotecnia, o Sr> J. C. da Figuração, não é uma extraordinária personalidade científica?
            - Sim, parece que sim.
            - Bem, o simples fato de possuir valiosos e extraordinários engenheiros em Porcopirotecnia indica que o Sistema é bom. E que faço com indivíduos tão valiosos?
            - Não sei.

            - Viu? O senhor tem que trazer solução para certos problemas, como fazer melhores anemotécnicos, como conseguir mais rapidamente acendedores do Oeste (que é a nossa maior dificuldade), como fazer estábulos de oito andares ou mais, em lugar de somente sete, como até agora. Tem que melhorar o que temos e não mudá-lo. Traga-me uma proposta para que nossos bolsistas na Europa custem menos ou mostre-me como fazer uma boa revista para a análise profunda do problema da Reforma do Assamento. Isto é o de que necessitamos. Isto é o de que o País necessita. Ao senhor, falta-lhe sensatez, sentido-comum! Diga-me, por exemplo, o que faço com o meu bom amigo (e parente), o Presidente da Comissão para o Estudo de Aproveitamento Integral dos Resíduos dos ex-bosques?

            - Realmente, eu estou perplexo!, falou João.
            - Bem, agora que conhece bem o problema, não diga por aí que o senhor conserta tudo. Agora, o senhor vê que o problema é mais sério e não tão simples como o senhor imaginava. Tanto os de baixo como os de fora dizem: “Eu conserto tudo”. Mas tem de estar dentro para conhecer os problemas e saber as dificuldades. Agora, entre nós, recomendo-lhe que não insista com sua idéia, porque isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo. Não por mim! Eu falo pelo seu próprio bem, porque eu o compreendo, ou entendo seu posicionamento, mas o senhor sabe que pode encontrar outro superior mais intransigente e menos compreensivo. O senhor sabe como são, às vezes, não é?

            João Sentido Comum, coitado, não falou um “A”. Sem despedir-se, meio assustado e meio atordoado com a sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu e nunca mais ninguém o viu. Por isso é que falam que, nestas tarefas de reforma e de melhoria do Sistema, falta o Sentido-comum.

Tradução de I.L. Gualazzi.

            

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