terça-feira, 3 de junho de 2014

Sobre sujeitar o sujeito. A história de Ramón Mercader, o assassino de Trostki.

Nos anos 1990 eu tive forte militância sindical. Cheguei à direção estadual da APP-Sindicato, na qualidade de secretário para os assuntos educacionais. Ali conheci as tendências, grupos que se unem em torno de algumas ideias e formam, para dizer o mínimo, coletivos bastante fechados e que dialogam (seria este o termo correto?) sempre com as mesmas pessoas e, agindo desta forma, idealizam até revoluções. Isto me incomodava muito. Ouvia falar muito de consciência de classe e que esta consciência levava à formação de sujeitos coletivos. Esta expressão, sujeitos coletivos, também sempre me intrigou bastante. Eu sempre procurava contrapor a questão de um sujeito com consciência da necessidade de ações coletivas. O sujeito tem que preservar sua autonomia.
Neste livro estão reunidos alguns textos de Adorno sobre educação.

Um dia li os textos educacionais de Adorno. Tabus acerca do magistério e Educação após Auschwitz foram os que mais me impressionaram. Estes textos compõem o livro Educação e Emancipação. Na leitura de educação após Auschwitz me deparei com algumas frases, das quais passarei a destacar algumas. Algo como "Mas aquilo que gera Auschwitz, os tipos característicos ao mundo de Auschwitz, constituem presumivelmente algo de novo. Por um lado, eles representam a identificação cega com o coletivo. Por outro, são talhados para manipular massas [...]. Considero que o mais importante para enfrentar o perigo de que tudo se repita é contrapor-se ao poder cego dos coletivos, fortalecendo a resistência frente aos mesmos por meio do esclarecimento do problema da civilização". Uma página depois, ele se torna ainda mais explícito:

"Pessoas que se enquadram cegamente em coletivos convertem a si próprios em algo como um material, dissolvendo-se como seres autodeterminados. Isto combina com a disposição de tratar outros como sendo uma massa amorfa". A realidade em que eu vivia não tinha toda esta dimensão de tragédia, mas eu deixei a direção do sindicato e voltei para a vida acadêmica.
Neste livro está o diálogo entre Ramón Mercader e o seu mentor.

Agora terminei de ler Leonardo Padura, O homem que amava os cachorros. Um dos focos narrativos do autor é a apresentação do perfil de Ramón Mercader, que sob as ordens de Stalin, cumpriu uma humanitária missão. Liquidar fisicamente Trotski, que impedia a realização dos sonhos proletários do mundo. Já usei o subjetivo de Mercader, para explicitar a metabolização de sua doutrinação como pertencente a um coletivo. Mostrarei as conversas tidas entre Kotov e Mercader. Kotov era o representante de Stalin e era o responsável para a preparação da missão de Mercader. Não interferirei no texto de Padura.
O escritor cubano, Leonardo Padura. Autor do magnífico livro O homem que amava os cachorros.

[...] - "Se puder, me conte mais, só para saber...
- Quanto menos souber, melhor.
-É que ...algum dia você você vai me dizer o seu verdadeiro nome?
Tom sorriu, terminou de engolir uma das empanadas que lhes serviram como entrada e bebeu mais vodka, olhando fixamente para o jovem.
- O que é um nome, Jacques? Ou agora é Ramón... Aqueles cachorros de que você gosta tanto têm nome, mas e daí? Continuam a ser cachorros. Ontem fui Gregoriev, antes era Kotov, agora sou Tom  aqui e Roberts em Nova York. Sabe como me chamam em Lubianka?... Leonid Alexandrovitch. Escolhi este nome para que não soubessem o meu, porque iam se dar conta de que sou judeu, e os judeus não são muito queridos na Rússia... Sou o mesmo e sou diferente em cada momento. Sou todos e não sou nenhum, porque sou mais um, pequenininho, na luta por um sonho. Uma pessoa e um nome não são nada... Olha, tem uma coisa muito importante que me ensinaram assim que entrei na Tcheka: o homem é irrelevante, substituível. O indivíduo não é uma unidade excepcional, mas um conceito que se soma e forma a massa, esta sim real. Mas o homem enquanto indivíduo não é sagrado e, portanto, é prescindível. Por isso arremetemos contra todas as religiões, especialmente contra o cristianismo, que diz que essa tolice de o homem ter sido criado à semelhança de Deus. Isso nos permite ser ímpios, desfazer-nos da compaixão que gera a piedade: o pecado não existe. Sabe o que isso significa?... É melhor que nem você nem eu tenhamos nomes verdadeiros e que nos esqueçamos de que alguma vez tivemos um. Ivan, Fiodor, Leonid? É tudo a mesma merda, é nada. Nomina odiosa sunt. Importa o sonho, não o homem, e menos ainda o nome. Ninguém é importante, todos somos prescindíveis... E, se você chegar a tocar a glória revolucionária, fará isso sem ter um nome real. Talvez nunca mais o tenha. Mas será uma parte magnífica do maior sonho que a humanidade já teve - e, erguendo o copo de vodka, brindou: saúde para os inomináveis".

E, em nome do sonho e da humanidade o crime foi perpetrado. Mais... Só lendo o livro.Só adianto o final. Eles se encontram novamente e..., conversam, rememoram... outro dia eu falo de Foucault, dos sujeitos sujeitados.

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