segunda-feira, 6 de junho de 2016

Cangaceiro por vingança, como meio de vida e como refúgio.

Numa lojinha de artesanato em Olinda, junto a catedral que guarda os restos mortais de D. Hélder Câmara, um livrinho muito pequeno me chamou atenção. Ele tinha por título, simplesmente o nome Lampião. Mas já na capa tinha mais anúncios: 50:000$000!! O Governo do Estado da Bahia premiará com 50:000$000 ao civil ou militar que capturar Lampião; A vida e a morte do rei do cangaço; Foto do bando que atacou Mossoró; Documento histórico e Entrevista surpreendente com Virgulino Ferreira.
 Livrinho comprado numa tenda de artesanato em Olinda.

Por menos de meia cerveja, a cerveja sempre foi padrão de moeda para mim, adquiri o livrinho. O li por ali mesmo. A entrevista anunciada na capa ocorreu na cidade de Juazeiro no Ceará, para onde Lampião se dirigiu para acertar com o padre Cícero, a ajuda para combater a Coluna Prestes. Ela foi concedida ao Dr. Octacílio de Macedo, a quem muito fala de seu espírito profundamente legalista.

A pergunta que mais mereceu minha atenção foi a seguinte: "Não pretende abandonar a profissão"? A esta pergunta Lampião respondeu com outra: "Se o senhor estiver em um negócio, e for se dando bem com ele, pensará porventura em abandoná-lo? Pois é exatamente o meu caso. Porque vou me dando bem com este "negócio" ainda não pensei em abandoná-lo". 

Este mesmo caso também está narrado no livro de Frederico Pernambucano de Mello, Guerreiros do Sol. Violência e banditismo no nordeste brasileiro. Este é um livro que estuda o cangaço como um fenômeno complexo e observa que existiram pelo menos três tipos diferentes de cangaceiros, podendo eles estar entrelaçados. São eles o cangaço meio de vida, o cangaço de vingança e o cangaço como refúgio. Vejamos a devida descrição de cada um.

"Cangaço meio de vida: - Tipo de maior frequência e expressão como modalidade criminal dentro do quadro geral do cangaço nordestino. É o banditismo de profissão, que tem como principais representantes Lampião e Antônio Silvino.
O mais famoso dos cangaceiros em retrato famoso.

Cangaço de vingança: - Tipo de ocorrência relativamente menos frequente, embora as suas características de banditismo sertanejamente ético tenham emprestado à imagem genérica do cangaço grande destaque, especialmente literário. Seus principais representantes são Jesuíno Brilhante e Sinhô Brilhante.

Cangaço-Refúgio: - Tipo de pequena expressão. Diferentemente dos tipos anteriores, este se caracteriza pela riqueza da estratégia defensiva. Como representante máximo, poderíamos apontar o cangaceiro Ângelo Roque, na fase inicial puramente defensiva em que manteve grupo próprio, e naquela imediatamente posterior à sua adesão ao grupo de Lampião. Quanto a bandidos que não tenham chegado a ser chefes de grupo ou subgrupo, todos os que arrolamos acima, ao comentar a modalidade, podem figurar aqui como protagonistas desse cangaço de vigor mediano".

Quanto ao bom negócio a que Lampião alude na entrevista, encontramos uma bela descrição de sua vida, já na fase final, entre 1936 e 1938, o ano de sua morte. A descrição está em Guerreiros do Sol, à página 300-1.
Lampião com a Santinha, a Maria Bonita.

"Na fase final de suas tropelias, entre os anos de 1936 e 1938 - quando veio a ser morto - Lampião mostrava-se bem mudado.Trocara o jornadear de penitente pelo conforto quase sedentário de bem aparelhados coitos ribeirinhos em Sergipe, onde sua agressividade diluía-se nos braços de Maria Bonita - a Santinha, de seu dizer carinhoso - a quem amava profundamente, dedicando-lhe sempre as mais calorosas palavras de elogio. Beirando os 40 anos adquiria requintes de burguês bem-sucedido. [...] Os itens das compras que encomendava nessa fase mostram que se achava  bem distante o período em que proibia terminantemente o uso do álcool em seu bando. Cachaça, genebra Gato - a zinebra do falar sertanejo - e quinado, para os cabras. Old Tom Gin, para os do estado-maior. Para ele, conhaque Macieira ou uísque do bom. Withe Horse".

Dá para perceber que vivia bem, mesmo com os incômodos do nomadismo da profissão. Vivia em relativo conforto e, não valeria mesmo a pena trocar de negócio. Tinha muitas propostas para abandonar o cangaço por parte de seus padrinhos políticos. Além disso havia toda a romantização em torno do banditismo. Lampião tinha até um padre especial que lhe atendia as confissões. Lampião foi vítima do progresso tecnológico e do decisivo empenho do Estado Novo na modernização do país.

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