terça-feira, 14 de junho de 2016

FHC e Lula: Uma continuidade. PT e PSDB iguais. O Olhar de Francisco de Oliveira.



Um texto meu de 2006 para a revista Ciência e Opinião da Universidade Positivo.


FHC e Lula. Uma Continuidade. PT e PSDB  iguais. O olhar de Francisco de Oliveira.

Estranho! Estranho! Que disparate é este? Vejo dois reis – e somente um burro.
(Nietzsche, no quarto livro do Zaratustra, referindo-se ao encontro com dois reis: o da esquerda e o da direita e que carregam no mesmo burro os seus sonhos).

Pedro Elói Rech. Mestre em História e Filosofia da educação. PUC-SP.- Professor de Teoria Política e Filosofia no UNICENP.

Apresentação:

            Entre o tão rico quadro de debates sobre a realidade brasileira e nas exigências formais para este texto, optamos por fazer um acompanhamento do pensamento do eminente sociólogo da USP, o professor Francisco Oliveira, um dos fundadores do PT e agora contundente crítico do mesmo. Dividimos o texto em duas partes: primeiramente acompanhamos as críticas de Oliveira feitas em pronunciamentos e pela imprensa e na segunda acompanhamos um ensaio seu intitulado “O Ornitorrinco”. Concluímos com algumas críticas que complementam as visões relativas ao governo Lula.

O Pensamento de Francisco Oliveira na imprensa e no - O Ornitorrinco.

            Um dos seus primeiros artigos foi publicado pela Folha de S.Paulo no dia 18 de maio de 2003. O seu título é uma interrogação: O enigma de Lula: ruptura ou continuidade? E a sua conclusão é uma espécie de absolvição. In dúbio pro reo.
            O artigo, meticulosamente trabalhado, examina o processo eleitoral de 2002, que conferiu a vitória a Lula, passando pela análise da derrota do grupo de FHC. O tom inicial é até certo ponto eufórico, com a expressiva vitória de Lula e a eleição de uma forte bancada do PT para o Congresso, que poderia significar, além do fim da era FHC, também o de um longo ciclo da “via passiva” brasileira, uma vez que os votos dados a Lula, foram dados para a promoção de mudanças.
            A vitória de Lula se deu fundamentalmente em função do fracasso do segundo governo FHC e representou, nas palavras do sociólogo “um caleidoscópio de protestos, promessas, possibilidades, frustrações, insegurança, falta de horizontes. É uma soma negativa, como na álgebra, onde menos com menos dá mais” (Folha de S.Paulo. 18.05.03). Este caleidoscópio não se desfez com a eleição. Ele permanece no governo Lula e exige constantes acordos ad hoc, numa administração de problemas diversos e divergentes, reduzindo os espaços políticos dos horizontes amplos e das possibilidades, para uma mera e difícil administração do cotidiano.
            Oliveira afirma que o enigma Lula começou a ser decifrado com as primeiras nomeações para os cargos mais importantes de seu governo, como o Ministério da Fazenda e para a presidência do Banco Central (Palocci e Meirelles). Já acidamente percebe que “aquela soma negativa não se constituiu em hegemonia, mas apenas em vitória eleitoral” (Ibidem).
            O artigo segue analisando o que foi o governo FHC, as dificuldades do governo Lula em construir um projeto de hegemonia e que se isto não se concretizasse, ao menos no curto prazo o novo governo seria “a continuação da política econômica de FHC, enfeitada com uma política social tipo Fome Zero” (Ibidem). O que dava ainda certas esperanças para o articulista eram as bases sociais de apoio a Lula, como a Igreja católica, ONGs. cívico-republicanas, as centrais sindicais, os movimentos sociais e o MST em particular. Estas forças seriam a expressão de um movimento ético político sobre o qual se poderia ainda construir uma hegemonia. Daí a conclusão: in dúbio pro reo.
            Pouco tempo depois, no entanto, as dúvidas já tinham se dissipado. Em solenidade promovida pela Câmara Municipal de São Paulo e realizada no auditório de história da USP., o sociólogo recebeu o título de cidadão honorário paulistano. Em seu discurso na solenidade já foi contundente ao inverter o famoso slogan de campanha, envolvendo as palavras medo e esperança, ao afirmar que esta fora efetivamente vencida pelo medo. É o que nos relata a reportagem da Folha de S.Paulo do dia 14 de junho de 2003. A reportagem mostra o tom já desprovido da esperança no seu discurso porque o governo Lula já reforçara a porta fechada para o crescimento com inclusão social (em alusão a continuidade da política econômica de FHC). Vejamos a reprodução de uma parte deste discurso: “A vontade política, na qual se colocou o acento da mudança, está sendo enquadrada pelos rigores da nova forma do capital. Com a financeirização desaparece a porta. Ela está fechada com o cadeado dos juros, com a exportação de 9% do PIB como serviço da dívida externa” (Folha de S.Paulo. 14.06.03).
            A reportagem destaca outros momentos do discurso em que critica o crescimento ocorrido entre as décadas de 50 e 70, por ter promovido concentração de renda em vez de sua distribuição. Critica ainda as políticas sociais do governo, classificando-as como políticas de exceção, de compensação daquilo que o Estado não pode dar, em virtude da diminuição da sua capacidade de ação e de sua subordinação aos interesses da economia, já no estágio da sua financeirização.
            A próxima entrada de Oliveira na crítica ao cenário nacional irá ocorrer quando Lula inicia o seu programa de reforma previdenciária, contra a qual jogou pesadamente. Participando de um fórum de debates, organizado pelo ANDES (o sindicato dos professores das universidades públicas) lança a questão que permanecerá no centro de todas as suas críticas que desenvolverá posteriormente, a do surgimento de uma nova classe social, a dos administradores dos fundos de pensão, a quem acusa como os maiores interessados nesta reforma. Neste fórum afirma que esta reforma não atende aos interesses republicanos, mas sim aos dos fundos de pensão. Destaca a importância da seguridade social na reconstrução das economias do pós-guerra, dizendo que elas são “parte da política econômica de qualquer país. Se não tiver, quem vai para o brejo é a economia” (Folha de S.Paulo. 17.07.03). A frase se relaciona, obviamente, ao caráter distributivista destas medidas.
            Afirmou ainda, que toparia esta reforma se o dinheiro economizado se destinasse diretamente aos milhões de miseráveis do país, mas não com o programa Fome Zero, que considera ridículo. A parte certamente mais polêmica desta sua fala é quando considera que as ações do governo se constituem numa traição ao povo: “Uma sociedade que busca anular-se indo para a incerteza do mercado não merece esse nome. Nem esse partido (o PT) merece esse nome” (Ibidem).
            Quando foi lançado o seu ensaio sobre o Ornitorrinco, o sociólogo concedeu uma entrevista de página inteira para a Folha de S.Paulo. Desta vou aproveitar inicialmente as duas manchetes dadas para a mesma. A primeira: - Elite do sindicalismo nacional provocou a aproximação entre o PT e o PSDB e levou ao continuísmo – e a segunda: - Nova classe social comanda governo Lula, diz sociólogo (Folha de S. Paulo.2003. 22.09.2003). Recorro a elas por serem bem ilustrativas. A entrevista se refere a este ensaio, que passaremos a analisar.
            Em 1972, na revista – Estudos do CEBRAP – número 2, Oliveira publica um ensaio sob o nome de “A economia brasileira: crítica a razão dualista”, que em 1981 foi transformado em livro. Em 2003 foi novamente publicado, desta vez junto com “O Ornitorrinco. Sobre o primeiro ensaio o próprio autor nos conta que ele procura dar respostas a perguntas formuladas pelo CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) “acerca do processo de expansão socioeconômica do capitalismo no Brasil” (Oliveira, 2003. p.27).
            Quanto ao segundo ensaio “O Ornitorrinco”, este nos chama particular atenção já em virtude de seu título. O motivo desta escolha se deve a uma comparação deste animal com a economia brasileira e os seus resultados sociais, desenvolvida nos últimos anos, envolvendo inclusive o governo Lula, agora já claramente definido como continuidade de FHC. O ensaio inicia com a definição de ornitorrinco, retirada de uma enciclopédia.

 Mamífero monotremo, da subclasse dos prototérios, adaptado à vida aquática. Alcança 40cm. de comprimento, tem bico córneo, semelhante ao bico de pato, pés espalmados e rabo chato. É ovíparo. Ocorre na Austrália e na Tasmânia. Encicl. O ornitorrinco vive em lagos e rios, na margem dos quais escava tocas que se abrem dentro d’água. Os filhotes alimentam-se lambendo o leite que escorre nos pêlos peitorais da mãe, pois esta não apresenta mamas. O macho tem um esporão venenoso nas patas posteriores. Este animal conserva certas características reptilinas, principalmente uma homeotermia imperfeita. Grande Enciclopédia Larousse Cultural (Oliveira. 2003. p. 123).

O Aurélio nos dá um acréscimo. “...São ovíparos, constituindo uma forma de transição entre reptis e mamíferos” (Ferreira, 2004. p.1451). Convenhamos, um estranho animal. Oliveira, em nota de rodapé, explica que  em 2001, quando participava da banca de doutorado de um amigo, lhe veio o estalo. “A sociedade e a economia brasileira que ele (o doutorando) descrevia, em seus impasses e combinações esdrúxulas, só podiam ser um ornitorrinco” (Oliveira, 2003. p. 125). Um animal travado em seu processo evolutivo.
O ensaio tem dois subtítulos: o primeiro: “De Darwin a Raul Prebisch e Celso Furtado” e o segundo: “Sob o signo de Darwin: o ornitorrinco”. Não vamos aqui entrar no mérito do ensaio, mas nas suas enormes repercussões políticas. Pelos subtítulos fica claro que se trata de uma análise da evolução da economia e da sociedade brasileira. As principais categorias de interpretação são de Marx e as dos economistas ligados à CEPAL (órgão de cooperação econômica da ONU para a América Latina e o Caribe), de Prebisch e Furtado, e outros pensadores do CEBRAP, com quem Oliveira estabelece as suas interlocuções.
Já vimos a descrição deste ornitorrinco bicho. Vamos agora vê-lo na economia e depois na sociedade brasileira. Oliveira o descreve respondendo a pergunta: como é o ornitorrinco?

Altamente urbanizado, pouca força de trabalho no campo, dunque nenhum resíduo pré- capitalista; ao contrário, um forte agrobussines. Um setor industrial da Segunda Revolução Industrial completo, avançando titibate, pela Terceira Revolução, a molecular-digital, ou informática. Uma estrutura de serviços muito diversificada numa ponta, quando ligada aos estratos de altas rendas, a rigor, mais ostensivamente perdulários que sofisticados; noutra, extremamente primitiva, ligada exatamente ao consumo dos estratos pobres. Um sistema financeiro ainda atrofiado, mas que, justamente pela financeirização e elevação da dívida interna, acapara uma alta parte do PIB... (Ibidem. P.132-3).

                Onde estaria exatamente o estranho animal? Ele é absolutamente moderno, e simultaneamente, extremamente atrofiado. Moderno porque é urbanizado e por já ter alcançado, na linguagem do sociólogo, a revolução molecular-digital e que dispõe de uma gama de serviços altamente sofisticados, tendo como contrapartida o extremo atraso dos setores mais pobres da população, ou seja, a absoluta maioria. É o seu lado ainda primata.
            A análise continua, procurando as causas que produziram este bicho, encontrando-as, entre outras, à subordinação financeira externa, ao ingresso dos capitais especulativos, ou aquilo que, em síntese se chamaria de financeirização da economia. Isto será acompanhado por enormes mudanças nas relações de trabalho, em que diminuem enormemente as suas relações formais, com a sua precarização e o seu desaparecimento, devido a revolução molecular-digital e pelo aumento da produtividade do próprio trabalho. Isto nos conduz de novo ao estranho animal, agora em sua fisionomia, ou melhor, em seu corpo inteiro, no aspecto social. O lado moderno deste bicho nos é agora mostrado no luxo dos teatros municipais de São Paulo e do Rio de Janeiro e o seu aspecto primata, pelo que ocorre no lado externo destes mesmos espaços. Em suma, neste quadro os trabalhadores perderam o seu trabalho e arrumaram ocupações. Vejamos a descrição.

Grupos de jovens nos cruzamentos vendendo qualquer coisa, entregando propaganda de novos apartamentos, lavando-sujando vidros de carros, ambulantes por todos os lugares; os leitos das tradicionais e bancárias e banqueiras ruas Quinze de Novembro e Boa Vista em São Paulo transformaram-se em tapetes de quinquilharias; o entorno do formoso e iluminadíssimo Teatro Municipal de São Paulo – não mais formoso que o Municipal do Rio de Janeiro, anote-se – exibe o teatro de uma sociedade derrotada, um bazar multiforme onde a cópia pobre do bem de consumo de alto nível é horrivelmente kitsch, milhares de vendedores de coca-cola, guaraná, cerveja, água mineral, nas portas dos estádios duas vezes por semana (Ibidem. p. 142-3).

            Bem, mas vamos à parte polêmica do texto, que é a que alcançou maiores repercussões. Ela está nas duas manchetes que já apresentamos e que são as de que uma nova classe social comanda o governo Lula e que o PSDB e o PT são partidos idênticos e que por isso mesmo Lula é uma continuidade do governo FHC. Vamos à análise.
            Oliveira busca as origens do PT nos movimentos sindicais da década de 70, nos chamados sindicatos “autênticos”, ou oposições sindicais e que à moda européia reivindicavam conseguir melhorar as suas rendas, via salário, benefícios indiretos e seguridade social. Os sindicatos do ABC em São Paulo e os dos bancários e petroleiros no resto do país se integram nestas categorias. Muitos destes sindicatos são os de empresas estatais e estas, entre as concessões de benefícios, criaram os chamados fundos de pensão. Ao longo da década de 80 houve um enorme refluxo na situação dos trabalhadores, o mesmo ocorrendo no governo FHC, como já vimos. Este refluxo trouxe uma grande mudança na representação dos trabalhadores. Que mudanças são estas?  As elites dos antigos trabalhadores, seus dirigentes sindicais passam a ser os administradores dos fundos de previdência, como o PREVI, dos funcionários do Banco do Brasil, o maior de todos. Vejamos a sua nova posição.

Fazem parte de conselhos de administração, como o do BNDES, a título de representantes dos trabalhadores. A última floração do Welfare brasileiro (o estado de bem-estar da social democracia) que se organizou basicamente nas estatais, produziu tais fundos e a Constituição de 1988 instituiu o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) – o maior financiador de capital de longo prazo no país. (...) Trabalhadores que ascendem a essas funções estão preocupados com a rentabilidade de tais fundos, que ao mesmo tempo financiam a reestruturação produtiva que produz o desemprego (Ibidem. p. 146).

Em nota de rodapé o sociólogo diz que em recente festa de aniversário do dirigente financeiro da campanha presidencial do PT (trata-se de Delúbio Soares) a imprensa contou entre 15 e 18 aviões executivos, inclusive pequenos jatinhos, presentes no evento. Como os trabalhadores não costumam ter jatinhos somos obrigados a interrogar sobre os motivos da presença dos empresários nesta festa. A resposta parece óbvia. Aproximar-se dos controladores, ou dos operários operadores dos fundos de pensão, principais agentes da financeirização da economia.
A pergunta que necessariamente decorre desta nova situação e que não pode calar será esta. Pode este partido, com os seus dirigentes que, conforme Oliveira nos alerta, apoiado numa expressão de Robert Kurz, transformaram-se em “sujeitos monetários”, podem estes dirigentes ainda buscar horizontes socialistas ou mesmo ideais distributivistas da social democracia? Não. Eles optarão pelos caminhos do mercado. E será esta palavra – mercado – que abrigará tanto os dirigentes do PT, quanto os do PSDB sob a mesma visão econômica e ideológica. São idênticos no exercício de suas funções e na sua visão política. Vejamos:

É isso que explica recentes convergências pragmáticas entre o PT e o PSDB, o aparente paradoxo de que o governo Lula realiza o programa de FHC, radicalizando-o: não se trata de um equívoco, nem de tomada de empréstimo de programa, mas de uma verdadeira nova classe social, que se estrutura sobre, de um lado, técnicos e economistas doublés de banqueiros, núcleo duro do PSDB, e trabalhadores transformados em operadores de fundos de previdência, núcleo duro do PT. A identidade dos dois casos reside no controle do acesso aos fundos públicos, no conhecimento do “mapa da mina”. Há uma rigorosa simetria entre os núcleos dirigentes do PT e do PSDB no arco político, e o conjunto dos dois lados simétricos é a nova classe (Ibidem. p.147-8).

Oliveira continua sua análise dizendo que a mesma simetria ocorre também quando se trata da questão ideológica e isto se deve a origem de suas matrizes. Assim o núcleo de formulação de políticas de governo de FHC se originou na PUC- Rio, classificado por Oliveira, como o templo do neoliberalismo. Malan é o seu grande representante. O PT por sua vez encontra o seu núcleo formulador destas políticas na Escola de Administração da FGV em São Paulo. O maior representante teria sido Celso Daniel, que fora o primeiro coordenador do programa de Lula. Ali se formaram também Gushiken e Berzoini. Mântega foi professor da instituição. Apenas Palocci por aí não passou. Em cima destas questões Oliveira conclui que “a nova classe tem unidade de objetivos, formou-se no consenso ideológico sobre as novas funções do Estado, trabalha no interior dos controles de fundos estatais e semiestatais e está no lugar que faz a ponte com o sistema financeiro” (Ibidem. p. 148). Oliveira ainda afirma que não está fazendo nenhum julgamento ético desta realidade, mas apenas a sua constatação.
            Sem pretender fazer inferências nas análises do sociólogo, queremos apenas apontar algumas indicações para melhor compreender o neoliberalismo, que é apontado como a grande matriz ideológica das novas concepções de economia e de Estado, que identificam estes governos e partidos. O neoliberalismo tem os seus fundamentos no liberalismo clássico de John Locke e Adam Smith e a sua reafirmação histórica no século XX, com o livro de Friedrich Hayek, O Caminho da Servidão, lançado em 1944 e o de Milton Friedman, lançado em 1962, Capitalismo e Liberdade e posteriormente relançado em 1979, em parceria com Rose Friedama e, nestes novos tempos, transformado em grande bestseller, sob o nome de Free to Choose Liberdade de Escolher. O novo liberalismo econômico. A escola monetarista de Chicago seria o seu centro irradiador e a sua aplicação em práticas de governo ocorreria ao final dos anos 70 e início dos 80, com a eleição dos governos de Thatcher (1979), de Reagan (1980) e de Khol em 1982. O seu impulso maior ocorre com o fim do império soviético em 1991, quando com o fim da bipolaridade é anunciado o fim da história e a implantação do pensamento único. Os seus dogmas seriam impostos através do FMI e do Banco Mundial, e afirmados, no caso específico para a América Latina, no Consenso de Washington (Que apropriação semântica!?).
            Em suma, o que afirma Oliveira, que já havia teorizado sobre as razões do subdesenvolvimento brasileiro, agora, em seu O Ornitorrinco? Que o nosso subdesenvolvimento adquiriu uma nova forma sob a terceira revolução tecnológica e a financeirização da economia e que estas entravam de vez o crescimento econômico com distribuição de renda, que deveria ser o processo evolutivo normal e que impede o processo de evolução social, definitivamente truncado, produzindo este pequeno monstrinho e desautorizando a teoria evolucionista de Darwin. Este processo se iniciou com o governo do PSDB, de HFC e continua no governo do PT, de Lula, em virtude de que as suas políticas procedem da mesma matriz ideológica. Esta matriz  gera uma visão macro econômica que tem na fixação de metas inflacionárias baixas, na desvalorização cambial, na alta taxa de juros, na obtenção de elevado superávit primário, somente atingível por um forte contingenciamento de verbas públicas (responsabilidade fiscal), as suas metas básicas, que impedem os investimentos públicos e que encilham o crescimento. Esta era foi inaugurada por FHC e que agora, o governo Lula, por sua continuidade, teria fechado de vez as suas portas, por não ter promovido mudanças.   
        
            Como conclusão, trazemos apenas mais algumas afirmações que apontam para a mesma direção deste impeditivo de crescimento. A primeira é sobre as convicções de Lula sobre a sua política econômica. Quem nos fala será outro fundador do PT e assessor especial da Presidência até 2004, Frei Betto. Ressalte-se que Frei Betto não considera os governos FHC e Lula, como iguais. Ele continua na defesa de Lula, mesmo discordando da política econômica. A fala de frei Betto está contida na revista Fórum, quando responde a indagação sobre a sua saída do Governo.

Ao longo de 2003, oral ou por escrito, comuniquei ao presidente minha crítica à política econômica. Muitas vezes ele se mostrava inquieto, dando a entender que era uma fase de ajuste e que depois haveria uma mudança de rumo, uma flexibilização. Quando comuniquei, em maio de 2004, minha saída, ele já tinha uma postura de defesa da política econômica. Eu é que não estava entendendo quão benéfica era ela e mais tarde entenderia os resultados (Frei Betto, 2006. p.12).

            A outra afirmação é de Carlos Lessa, que foi afastado por Lula do cargo que lhe dera de presidente do BNDES e que segue na mesma direção da de Chico Oliveira, sobre os entraves ao crescimento provocados pelo tucanopetismo. Vejamos Lessa, em artigo publicado na Folha de S.Paulo.

A economia precisa crescer e romper com a estagnação cruel da última década. A opção tucana e petista não foi com o povo. Comprometeram o Brasil com o pagamento de juros da dívida pública, que em 2006 beneficiará os donos da dívida com R$ 180 bilhões. Estima-se que 70% desse pagamento vão para 20.000 famílias. Em contraste com o bolsa-família em 2006, serão gastos pouco mais de 7 bilhões para mais de 11 milhões de famílias. Isso é possível com a taxa de juros escandalosamente elevada pelo Banco Central para a felicidade do “mercado financeiro”. O Brasil não cresce e o desemprego é brutal (Lessa. Folha de S.Paulo.27.04.06).

                Vê-se claramente que o crescimento evolutivo deste ornitorrinco continua truncado. A última afirmação, a retiro também de um dos fundadores do PT, há muito com ele rompido e que se constitui num de seus mais agudos críticos, não só do governo Lula, mas também do próprio Lula. Retiro estas afirmações de uma entrevista concedida ao O Estado de São Paulo. Nela ele aponta dez pontos que seriam fundamentais para uma mudança radical de rumos para a Nação brasileira, usando este termo Nação, já em contrapartida ao mercado em que diz nos ter-mos transformado. Na questão econômica chama a atenção para a imobilização do Estado como agente de desenvolvimento, uma vez que 40% dos recursos da União são gastos com os encargos da dívida financeira, restando 5% para os investimentos. Os restantes 55% seriam despesas correntes fixas. Benjamin traça um interessante quadro comparativo sobre o significado deste comprometimento.

A desproporção com os gastos do serviço da dívida, em relação aos demais gastos do Estado é chocante. Dois meses d pagamento de juros correspondem ao dispêndio anual do SUS. Um mês corresponde ao gasto anual com educação. Quinze dias, aos recursos alocados no Programa Bolsa-família. (...)  Um dia de pagamento de juros ultrapassa com sobras o gasto,no ano, destinado a construção de habitações populares. Um minuto corresponde a alocação anual de recursos com a defesa dos direitos humanos. É um descalabro (Benjamin. O Estado de S. Paulo.07.05.06).
           
César Benjamin desenvolve excelentes reflexões sobre a relação existente entre a responsabilidade fiscal e a responsabilidade social, tema que precisa urgentemente constar na pauta das discussões econômicas e sociais brasileiras. Como final, mesmo, apresento a epígrafe da introdução ao livro de Oliveira, escrita por Roberto Schwartz. Ele recorre a Oswald de Andrade, que já em 1946 apresentou o ornitorrinco da seguinte forma:
“Venceu o sistema de Babilônia
E o garção de costeleta” (Oliveira. 2003. p. 11).

P.S. Já no limite para a entrega deste texto, me deparo com um debate realizado no CEBRAP, no dia 26 de maio de 2006, em que compareceram o cardeal tucano Bresser Pereira e o cardeal petista, ministro Tarso Genro. O tema do debate era: “Brasil: desafios para os próximos 10 -15 anos”.
Vejamos algumas afirmações de Genro: “redução drástica de despesas da União, com corte de salários, pensões e aposentadorias como medida exemplar” e “remover o conceito arcaico de direito adquirido”. Por outro lado vejamos uma afirmação de Bresser Pereira: “o novo desenvolvimentismo, é fortemente a favor do ajuste fiscal. É mais rígido que a ortodoxia”. Se isto não confirma a identidade destes partidos, vejamos esta outra afirmação de Genro. “A relação PT – PSDB em cima de um pacto de governabilidade não só não é impossível como é necessária”.
Os dois afirmaram que somente com estes ajustes seria possível o início de um novo ciclo de crescimento no Brasil (Dados extraídos da Folha de S.Paulo de 27.05.06).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FERREIRA. Aurélio. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Curitiba: Positivo. 2004.
OLIVEIRA. Francisco. Crítica à Razão Dualista. O Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo Editorial. 2003.

JORNAIS E REVISTAS:

BENJAMIN, César. Uma receita para superar o lulismo. In: O Estado de S. Paulo. 07.05.06.
BETTO. Frei. Se não for com Lula, não será sem ele. In: FÓRUM. Ano 4. Número 35. Fevereiro de 2006. pp. 8-13.
LESSA. Carlos. Povo e Nação. In: Folha de S. Paulo. 27. 04.06.
OLIVEIRA. Francisco. O enigma de Lula: ruptura ou continuidade? In: Folha de S.Paulo. 18.05.03.
_________, Medo venceu a esperança, diz Oliveira. In: Folha de S.Paulo. 14.06.03.
_________, Sociólogo aponta interesse privado na reforma. In: Folha de S. Paulo. 17.07.03.
_________, Nova Classe Social comanda Governo Lula, diz sociólogo. In: Folha de S.Paulo. 22.09.03.


           





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