sábado, 18 de junho de 2016

Plenos pecados. A ira. Xadrez, truco e outras guerras. José Roberto Torero.

Muito pouco eu conhecia da vida de José Roberto Torero. Coisas do esporte e de roteiros para o cinema. Na literatura, apesar de já ter ganho o prêmio Jabuti com O chalaça (1995), este foi  o meu primeiro contato com sua obra. E foi muito bom. Gostei demais de ler, da coleção Plenos Pecados, o livro Xadrez, truco e outros jogos, sobre o pecado da ira. Acima de tudo muita ironia.
O pecado da ira pode até ser compartilhado com deus.


A ira talvez seja o único pecado que é cometido por Deus ou pelos deuses, mais em tempos antigos do que nos tempos atuais, dizem. Acho que não. Ou estaria profundamente enganado? Os deuses o cometem constantemente e devem se alegrar muito quando os humanos o cometem em seu nome. Ele sempre se justifica quando é para combater o mal. Como o mal nunca foi derrotado, a sua prática continua a assombrar o nosso cotidiano. A ira é um estado permanente e benfazejo no eterno combate ao mal. A ira fará a pessoa ser merecedora de muitas glórias.

Torero me fez lembrar de Saramago. O Saramago que faz uma prestação de contas com Deus, em O Evangelho segundo Jesus Cristo, com o Deus do Novo Testamento e de Caim, quando a prestação de contas se dá com o irado Deus do Antigo Testamento. Mas é evidente que nem todos tem o mesmo olhar. Raul Seixas nos confessa que, já aos onze anos, não acreditava na verdade absoluta. E quando a verdade não é absoluta, tudo é relativo e os olhares passam a ser diferentes.

Olhares diferentes. Assim é que começa a construção do belo romance. O rei e o diplomata em seus jogos de xadrez, para os inteligentes, e o truco, para o qual "não é necessário raciocínio, mas esperteza, dissimulação e sorte", veem a guerra com os seus espertos e calculados olhares, assim o general, o coronel, o capitão, o tenente, o sargento e o soldado. O rei quer que os seus aliados vençam as próximas eleições, o diplomata vender suas armas, o general ganhar títulos e medalhas, o coronel as suas promoções o capitão fazendo cálculos, o tenente e o sargento com suas maldições e o soldado com a disposição de matar o ditador do país vizinho.

Todos cometem o pecado da ira e procuram dela se alimentar. Ela sempre vem acompanhada de outros pecados, especialmente com o da ambição. A narrativa foi extremamente bem construída. O grande palco para a ira foi armado através da guerra do Paraguai, ou de forma menos explícita ao país situado a oeste. O capelão acompanha o exército, sempre fazendo sermões para manter a ira em alta temperatura contra os covardes soldados do povo vizinho.

Belas tramas vão formando o enredo e, segundo a orelha do livro "uma guerra, no entanto, não se constroi apenas com atos corajosos. Há paixões mesquinhas. Gestos infames. Feitos inglórios. Há covardia, medo, mortes. Há até mesmo amor". E a história de amor é muito bonita. É de uma timidez comovedora. A declaração de amor, por sinal plenamente correspondida, é de uma invenção criativa maravilhosa.  Merece uma cópia na vida real. Um belíssimo jogo de sedução. O soldado e a mulher das cartas.

Além da ironia há jocosidade. Ou os dois estados de ânimo sempre caminham juntos. Quanto de mediocridade não existe numa guerra e quanto desprezo por vidas humanas. A guerra do Paraguai deve ter sido uma trapalhada só. Me deu vontade de ler A retirada da Laguna, não sei exatamente o por quê.

Mas o livro termina com os mesmos personagens com os quais o autor começou o livro. Uns não voltaram, outros estavam bastante mutilados, com sinais das batalhas, com promoções, condecorações e títulos por receber. Mas os mais felizes eram o rei e o diplomata, que ao longo da guerra nunca abandonaram o seu jogo de xadrez ou truco e nem a vontade de novamente se sentirem tão irados, a tal ponto, se os interesses o ditarem, promoverem outra e nova guerra, agora contra os povos do leste. A guerra sempre é um momento de grandeza nacional.

Para não cometer injustiça com as outras obras, a definição de ira retirada do Aurélio: "Cólera, raiva, indignação. Desejo de vingança". Apenas isso.Também me lembrei dos constantes jogos de truco nas cantinas de nossas universidades. Exercícios ou jogos do que mesmo?

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