quinta-feira, 6 de abril de 2023

Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país. 3. André Rebouças.

Continuo hoje mais um trabalho referente aos intérpretes do Brasil. Desta vez o livro referência é Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país. O livro é organizado por André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz. É um lançamento da Companhia das Letras do ano de 2009. A edição que usarei é de 2013. Quem são os personagem trabalhados? Os organizadores respondem: "Os teóricos do racismo científico e seus críticos na Primeira República; modernistas de 1920 e ensaístas clássicos dos anos 1930; a geração pioneira dos cientistas sociais profissionais e seus primeiros discípulos". A abordagem sempre será feita por algum especialista. O livro tem uma frase em epígrafe/advertência. O Brasil não é para principiantes, de Antônio Carlos Jobim.


Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país.

A terceira abordagem do livro recai sobre um dos personagens do abolicionismo, muito singular, como veremos em seu pequeno esboço biográfico, André Rebouças. A resenha desse terceiro capítulo é da professora Maria Alice Rezende de Carvalho, professora do Departamento de Sociologia e Política da PUC/RJ. Vejamos os seus dados biográficos:

"Nasce no ano de 1838, em Cachoeira, Bahia. Muda-se em 1846 com a família para o Rio de Janeiro, onde realiza seus estudos na Escola Militar (1857), complementando-os na Escola de Aplicação da Praia Vermelha, quando recebe o título de bacharel em ciências físicas e matemáticas em 1859 e, no ano seguinte, o de engenheiro militar. [...] Trabalha para o Estado brasileiro na vistoria e aperfeiçoamento de portos e fortificações (1863), no plano de abastecimento de água do RJ. (1870) e na construção da Alfândega (1866-1871). [...] Participa da campanha abolicionista durante a década de 1880, sendo membro fundador de diversas sociedades pró-abolição. Falece no exílio, na ilha da Madeira em 1898. Cumpre acrescentar que ele era negro.

Ele era muito próximo da Coroa, a tal ponto, que fez parte da embarcação que levou D. Pedro II para a Europa, no dia posterior à proclamação da República. De Portugal mandava seus artigos fustigando a República, acreditando na restauração da monarquia. Com a Constituição de 1891 e a morte de Pedro II no mesmo ano, ele sepultou suas esperanças. Depois de alguns trabalhos na África retirou-se para Funchal, na ilha da Madeira, onde veio a falecer, por um aparente suicídio, no ano de 1898.

Era bastante pessimista com relação ao Brasil, creditando seus males como uma herança das instituições portuguesas, mas não diretamente à dinastia imperial dos Bragança. Considerou que a vinda da família real ao Brasil não foi um mal, mas o início da nossa autonomia. Mas os vícios da corte impediram a democratização da dinastia. Formou-se aqui uma aristocracia rural, calcada no princípio do trabalho escravo. Os Landlordes  foram os grandes responsáveis pela nossa permanência no atraso. A sua condição na corte era muito peculiar. Era um dos poucos negros instruídos, mas muito próximo ao Imperador. A questão agrária, acoplada à emancipação o aproximou de Joaquim Nabuco, não obstante, grandes diferenças.

Rebouças aliou a sua luta abolicionista com a luta pela democratização da terra, com a eliminação da estrutura latifundiária. Isso estava muito longe de ser um consenso entre os pensadores liberais. Havia um grande temor de que a realização de uma reforma agrária que acompanhasse a abolição desembocaria numa guerra civil. Rebouças pleiteava um reforma agrária democrática e popular.

Sua obra, Agricultura nacional: estudos econômicos, propaganda abolicionista e democrática (1883), era uma compilação de textos seus já publicados. A obra teve poucas repercussões, em parte, por ter sido ofuscada pela publicação de O abolicionismo de Joaquim Nabuco. Ele propunha, ao longo de 68 capítulos a "democratização da terra" e um Brasil livre e próspero.  Era um estudioso da questão do uso da terra. O seu modelo se inspirava nos imigrantes dos Estados Unidos e a ocupação territorial por meio de pequenas propriedades e a atuação com base comunitária entre eles. A religiosidade ajudava na construção dessa relação. Há aí um claro conflito. Organização individual da economia ou a sua organização comunitária. Como sabemos, o liberalismo sempre optou pela afirmação individual. André Rebouças foi um perdedor.

E o Brasil? Em vez de "fazendas centrais" que agregariam os pequenos produtores, numa organização comunitária e cooperativa de sua economia, fez com que os ex escravizados e trabalhadores pobres do campo ficassem atrelados e dependentes dos grandes senhores de terras. Creio que todos conhecemos muito bem esse fenômeno. Todos sentimos as suas consequências.

No terceiro volume de Escravidão, da trilogia de Laurentino Gomes, o autor nos relata peculiaridades de sua vida, como a recusa de hospedagem e alimentação em hotel e restaurante em viagem aos Estados Unidos: "Depois de algumas tentativas, compreendi que era a dificuldade da cor a causa das recusas de aposento". Quando afinal a conseguiu, foi "um quartinho muito sujo no terceiro andar" e, ainda sob a condição de que não frequentasse o restaurante público do hotel. Isso, segundo o autor, o fez descobrir que "sua identidade estava trincada". "Deu-se conta de que era também rebento do tráfico africano". Este fato é apontado como sendo o seu grande despertar para a luta abolicionista e à integração cidadã dos ex-escravizados na sociedade brasileira.

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