terça-feira, 25 de abril de 2023

Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país. 11. Mário de Andrade.

Continuo hoje mais um trabalho referente aos intérpretes do Brasil. Desta vez o livro referência é Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país. O livro é organizado por André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz. É um lançamento da Companhia das Letras do ano de 2009. A edição que usarei é de 2013. Quem são os personagem trabalhados? Os organizadores respondem: "Os teóricos do racismo científico e seus críticos na Primeira República; modernistas de 1920 e ensaístas clássicos dos anos 1930; a geração pioneira dos cientistas sociais profissionais e seus primeiros discípulos". A abordagem sempre será feita por algum especialista. O livro tem uma frase em epígrafe/advertência. O Brasil não é para principiantes, de Antônio Carlos Jobim.

Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país.

A décima terceira resenha do livro é sobre Mário de Andrade, num trabalho de Sérgio Miceli, professor do Departamento de Sociologia da USP., sob o título de A invenção do moderno intelectual brasileiro. E, como tal, um profundo modelador de toda a cultura brasileira, um "intelectual total", que deixou como legado as diretrizes da brasilidade. Vejamos alguns dados biográficos seus.

"Nasce em 1893 na cidade de São Paulo. Após formar-se no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, torna-se professor da mesma instituição em 1913. [...] Em 1922, é um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna. [...] Funda o Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo (1935) e a Sociedade de Etnografia e Folclore de São Paulo (1937). Em 1938, dirige o Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal e trabalha para o Instituto Nacional do Livro do Ministério da Educação e Saúde. É autor de Pauliceia desvairada (1922), Ensaio sobre a música brasileira (1928) e Macunaíma (1928), entre outros. Morre em sua cidade natal em 1945".

Sérgio Miceli abre a sua resenha afirmando que Mário de Andrade era o único escritor modernista de sua geração que não fora um egresso da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e o apresenta como um autodidata. Não obstante, foi o nome de maior expressão do movimento. Foi um dos maiores interventores na vida nacional, especialmente na sua parte cultural. Foi um polímata. Foi um fruto da miscigenação e dela, ele herdou seus traços mais carregados. Teve um relacionamento familiar um tanto difícil. Família de classe média instruída. Isso tudo deixou marcas em sua formação, de superação.

Como não teve patrimônio material nem títulos escolares de prestígio, buscou compensação por um amplo aparato cultural. Era uma avis rara, que tudo fez pela renovação cultural de São Paulo, em tempo de valorização de livros e de revistas. Seus contemporâneos chamavam atenção para a sua total dedicação ao mundo da cultura, o que não passou despercebido para que circulassem muitos boatos sobre a sua vida particular, de homem solteiro, com traços de misoginia e homossexualidade. A sua afirmação cultural foi tal, que praticamente todos os escritores buscavam o seu aval.

Um dos fatos que mais me chamou atenção foi a sua atuação nos movimentos políticos de 1930 e 1932, com derrotas para São Paulo. Essas derrotas foram atribuídas à ausência de lideranças. E veio a reação, com a criação de entidades para suprir essa deficiência. Assim foi criada a Escola de Sociologia e Política e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da recém criada Universidade de São Paulo e o Departamento Municipal de Cultura. São Paulo não queria mais perder no cenário político brasileiro. Mário de Andrade teve ativa participação em tudo. São as teses recém trabalhadas por Jessé Souza.

Sérgio Miceli também dá destaque a ampla correspondência por ele mantida com toda a intelectualidade brasileira, especialmente com Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Anita Malfatti. Aí foi se tecendo a modelagem de uma cultura autenticamente nacional e o modelo de intelectuais muito ativos na vida brasileira. São os anos 1920 e 1930. A sua relação com intelectuais estrangeiros, como Lévi Strauss e Roger Bastide lhe abre o campo para a antropologia e a sociologia.

Quanto a Macunaíma, o livro do nacionalismo modernista brasileiro, de 1928 merece o seguinte comentário de Miceli: "Valendo-se de processos criativos da música popular, Macunaíma se apoia nas roupagens do fenômeno musical e demais experiências da cultura popular, trajeto construtivo que garantiu ao autor o passo entre as fulgurações do povo e as interpretações em etnografia, folclore e psicanálise". E continua:

"Despido de intento mimético, o livro resulta desse cruzamento entre a pesquisa sobre a criação popular, o projeto de uma literatura nacionalista e a reciclagem de fontes documentais eruditas sobre lendas indígenas, cerimônias africanas, canções ibéricas e narrativas autóctenes. Mário juntou ao manancial heteróclito uma miscelânea de variada procedência: vida pessoal, textos etnográficos, cronistas coloniais, locuções idiomáticas e uma profusão de procedimentos retóricos. A salada de ingredientes lhe permitiu conceber um protagonista, Macunaíma, impregnado pela ambivalência física, psicológica e cultural, dilacerado entre ordens contrastantes de valores, incapaz de ajustar a cultura do povo ao ideário liberal do progresso, na corda bamba entre o Brasil e a Europa, 'um tupi tangendo um alaúde'".

Sobre Pauliceia desvairada, Miceli tece o seguinte comentário: "Os versos de Pauliceia desvairada (1922) vazam as suscetibilidades do autor diante de um trançado urbano radicalmente transformado pela presença imigrante, as energias de novas etnias e ocupações impulsionando a expansão citadina". Também outros poemas são analisados, inclusive os de publicação póstuma. Miceli assim termina a sua resenha:

"As cartas, Macunaíma e a poesia oferecem acesso privilegiado à obra magistral desse brasileiro de mil instrumentos, que sintetizou a si mesmo no verso lapidar: 'Eu sou trezentos, sou trezentos e cinquenta'".

Li Macunaíma e o resenhei para o blog:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2015/01/macunaima-uma-rapsodia-de-mario-de.html

E ainda, o trabalho anterior do presente projeto, sobre Oliveira Vianna.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/04/um-enigma-chamado-brasil-29-interpretes_24.html


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