sábado, 13 de outubro de 2012

A Nova Onda Conservadora no Brasil.

Uma das revistas que me acompanha é a Le Monde Diplomatique. Acompanhei e tenho guardadas as suas 63 edições. Dela tomo muitas informações e a partir dela compro muitos livros.
O tema de capa deste mês (número 63) é sobre a onda conservadora e me chamou mais a atenção o artigo de abertura "Novas expressões do conservadrismo brasileiro", em que o editor da revista, Luis Brasilino entrevista o renomado cientista político André Singer.
O entrevistado, a partir de afirmações do professor Roberto Schwarz, mostra que houve no Brasil uma hegemonia cultural, nunca política, de esquerda no país, entre os anos 60 e 80. Poderíamos aqui lembrar que a própria existência do golpe de 1964 teve como objetivo deter esta onda, que estava também alcançando a hegemonia política, se as reformas de base tivessem se concretizado e o governo Jango não tivesse sido golpeado. Singer, a partir de Schwarz, cita mais especificamente os movimentos grevistas do fim da década de setenta e a formação de um novo sindicalismo e as diretas já. Tenho na memória um texto extraordinário do professor Chico de Oliveira ( in: FRIGOTTO, Gaudêncio. & CIAVATTA, Maria. Teoria e Educação no Labirinto do Capital. Petrópolis: Vozes. 2001), intitulado "A nova hegemonia da burguesia no Brasil dos anos 90 e os desafios de uma alternativa democrática. págs. 51 - 60. Neste texto o professor destaca que, nesse período, foi a primeira vez em que na política brasileira se inverteu a verticalidade. Em vez de ela ser de cima para baixo, ela foi de baixo para cima. Aos dados citados por Singer ele acrescenta a luta pela anistia e pela constituinte, a organização dos movimentos populares, em especial o MST, e o surgimento do PT, único partido que não nasceu de conchavos entre políticos. Também lembraria o livro, A mosca azul - reflexão sobre o poder (BETTO, Frei. São Paulo: Rocco. 2006), em que o autor relata os encontros dos quais foi criado o PT.
Voltando a Singer, ele analisa possíveis causas dessa hegemonia e, entre elas dá um destaque especial para a igreja católica e a ascensão da teologia da libertação. Lembro aqui também João XXIII e o Concílio Vaticano II.
Como teria então se quebrado esta hegemonia? Singer cita um clássico, para buscar a resposta. Perry Anderson afirma que a ideologia neoliberal foi uma concepção de mundo que ganhou corações e mentes (um fundamentalismo?) e que chega ao Brasil, no final dos anos 80, com a eleição de Collor e especialmente de Fernando Henrique Cardoso. Esta ideologia afirma os valores de mercado, a possibilidade da ascensão individual, a exaltação da competitividade e a consequente mercantilização dos espaços e bens públicos e que encontrou nos articulistas da mídia e em livros os seus grandes propagandistas e que foram anulando os espaços que antes eram da esquerda. Creio que Singer se refere ao texto de Perry Anderson "Balanço do Neoliberalismo", no livro organizado por Emir Sader e Pablo Gentili, Pós Neoliberalismo - As políticas Sociais e o Estado Democrático. (Paz e Terra. 1995).
Singer aprofunda a análise destes espaços, citando a guinada da igreja católica para o conservadorismo, que com João Paulo II, tudo fez para alijar os espaços da teologia da libertação e o crescimento das igrejas pentecostais e neo pentecostais (embora sejam um campo muito diversificado) que de maneira geral colocam o sucesso e o êxito, sempre no plano individual e nunca na organização popular e nas lutas coletivas. Poderíamos dizer que a teologia da libertação foi substiuída pela teologia da prosperidade.Deus concede a riqueza para quem a pede, portanto, sempre de uma perspectiva individual. Também é interessante ver a igreja católica midiática e os seus padres popstars, que nunca perdem um holofote e cuja pregação nunca atinge o paraíso a ser construído já aqui na terra, apenas o paraíso celeste.
Depois analisa o comportamento da classe média tradicional, que tinha até dado uma guinada para a esquerda, na luta contra a ditadura militar, mas que rapidamente se reposiciona à direita sob o medo de perder seus privilégios através de reformas político econômicas mais profundas. Inclusive a nova dita classe média surgida com o lulismo, ciente de que o momento econômico que possibilitou a sua ascensão, pode não ser permanente e visando manter a posição conquistada, já se posiciona contra novas reformas. Desmomorizaram o seu próprio processo de ascensão e substituem a solidariedade do coletivo pelo discurso indivudual do empreendorismo.
Como isso se manifesta no atual quadro político e cultural brasileiro? Tendo como espaço de pregação e difusão a grande mídia brasileira esse novo conservadorismo se manifesta no ódio e na luta contra as políticas sociais do governo, especialmente contra o bolsa família e a sua expansão pelo "Brasil Carinhoso", pelo incômodo causado pela presença de pessoas mais pobres nos aeroportos, por já poderem andar de avião e especialmente pela dificuldade de encontrar pessoas para os serviços domésticos e a consequente elevação de preços para a sua contratação. Tudo isso motivado pela diminuição das taxas de desemprego no país.
Outra questão também analisada é o fenômeno do lulismo. Ele não roubou o discurso conservador? Como se manifesta políticamente o discurso conservador hoje. o que fez Serra em 2010? Decidiu inicialmente não enfrentar o governo Lula, depois prometeu dobrar o número de pessoas atendidas pelo bolsa família e dar aumentos mais significativos do que os dados pelo governo Lula, para o salário mínimo e para as aposentadorias.Em outras palavras, o lulismo, com as suas ambiguidades, não deixou espaço para o discurso político de direita. Não seria ele prórpio de direita?
A entrevista termina falando sobre o significado do lulismo dentro desse  novo quadro. Afirma ser o lulismo uma síntese entre o conservadorismo e o não conservadorismo que se manifesta pelo discuso da mantenção da ordem (lembro 2002 - carta aos brasileiros), o que impede a realização de mudanças mais profundas (Só para lembrar, as reformas de base já foram feitas ou estão para serem feitas? Ainda constam da agenda política?). Se pretende fazer reformas profundas ou usar apenas os mecanismos do Estado, com as suas ações em favor do bem-estar? Singer possui um livro sobre a questão: Os sentidos do lulismo, editado pela Companhia das Letras, 2012.
Singer conclui que ainda paira no ar um certo espírito popular e democrático, herança especialmente da Constituição de 1988 e que, para se manter no campo progressista, o PT e o lulismo precisam manter e aprofundar o diálogo com os setores populares dos quais se originou.
Faço então uma última colocação ou provocação, que é um termo que aprecio bastante, e ao mesmo tempo uma pauta para averiguação. Como se comportam atualmente os dirigentes petistas? Estão tendo esta mediação com os movimentos populares, trabalhando na sua organização ou se transformaram em instituições burocráticas cada vez mais distantes de suas bases? E finalmente uma última questão: as bases do lulismo petismo aceitam as decisões postas por suas cúpulas partidárias ou não seriam estas próprias cúpulas de direção partidária, eles próprios, os instrumentos da atual nova onda conservadora? Fico aqui imaginando a resposta que dariam muitos daqueles que um dia escolheram o PT como o instrumento para a realização de seus sonhos e o seu instrumento de lutas contra o conservadorismo brasileiro.