terça-feira, 23 de setembro de 2014

Indignação. Phipip Roth.

"Por que é que você o persegue tanto até fazer ele ir embora de casa? Um momento de raiva, e veja no que deu! Que diferença fazia a hora em que ele chegava em casa? Ao menos estava em casa ao voltar! E agora onde é que ele está? Onde é que você está, meu querido? Marcus, por favor. a porta está destrancada, volte para casa!" Este é o lamento da senhora Messner, quase centenária, que perdera o marido e o filho, por causa dos excessos da pequena moralidade.
Mais um grande livro do grande escritor.

Marcos Messner é um jovem interiorano, filho único de um açougueiro kosher, isto é, um açougue que segue rituais judaicos no trato com a carne. O centro de toda a narrativa é a frase que aparece já no final do livro e aqui já destacada, com os profundos lamentos da mãe, uma eterna esposa e auxiliar do açougueiro. Em torno deste tema, da pequena moralidade, gira mais um romance de Philip Roth, seguramente um dos maiores escritores dos dias atuais. Marcus, ao concluir seus estudos básicos ingressa na pequena universidade de sua cidade, a Robert Treat, mas logo percebe que não poderá ali continuar, pois precisaria fugir da vigilância da moralidade imposta por seu pai. Winesburg será o seu caminho.

Em Winesburg, outros problemas surgirão. Como se daria a socialização de um frágil indivíduo em busca de liberdade e de autonomia. Desentendimentos com colegas de quarto, dificuldades com Olívia, a namorada que lhe fez um boquete (em 1951) e lhe suscita um imaginário repressivo conservador (Só fez isso porque seus pais eram separados), um diretor de alunos, fiel aos princípios centenários da universidade de origem batista, a necessidade de tirar notas sempre excelentes (dez) e o vislumbre de morrer na guerra da Coreia se fracassasse. Isso ocorre no ano de 1951.
Philip Roth. Um dos maiores escritores dos tempos atuais. Os dramas da existência humana.

Philip Roth, desta vez não se ocupa com as intrigas entre os professores da universidade mas com as incongruências da própria universidade. Esta descrição é magnífica. Como eram os costumes, como eram os namoros, como era a disciplina nos dormitórios e como se davam as relações e a vigilância entre os dormitórios masculino e feminino, as obrigações da universidade para além do trato da ciência, como as obrigações religiosas que a instituição impunha. Em 1951 estão presentes todos os sintomas que explodiriam depois, no ano de 1968, no mundo inteiro.

Uma das cenas extraordinárias ocorre quando Marcus é chamado ao gabinete do diretor de alunos, o dr. Caudwell. Caudwell representa a moral centenária da instituição de origem religiosa. O tema do encontro são as dificuldades de socialização de Marcus, percebidas pelo diretor. Marcus, já ateu, contesta o diretor, com um texto clássico do ateísmo, que teria ajudado o seu autor a galgar o Prêmio Nobel de literatura (1950), a palestra proferida em 1927, Porque não sou um cristão? A contra argumentação vem fulminante.

 "Admiro sua capacidade de memorizar e reter textos de difícil compreensão, mesmo se não admiro necessariamente os autores e as obras que escolhe para ler e a credulidade com que aceita sem questionamento as blasfêmias racionalistas que jorram da boca de um indivíduo tão amoral como Bertrand Russell, casado quatro vezes, conhecido adúltero, defensor do amor livre e socialista confesso que perdeu sua posição na universidade por causa da campanha antibelicista conduzida durante a Primeira Guerra Mundial, sendo por isso condenado à prisão pelas autoridades inglesas".
Bertrand Russell, idolatrado pelo jovem Marcus e destratado pelo Dr, Caudwell.

Outro relato interessantíssimo é aquele em que jovens universitários invadem o dormitório feminino em busca de material altamente combustível e revolucionário, calcinhas brancas. Este episódio termina com a expulsão de 18 jovens da universidade e a sua provável morte na guerra da Coreia. Também merece destaque o irado discurso do diretor da instituição, o dr. Lentz, "o Todo-Poderoso Bafo de Tigre", após o episódio das calcinhas brancas. O discurso é uma memorável peça da oratória conservadora. "E, se algum de vocês decidir que quer sair de vez, se algum de vocês decidir que o código de conduta humana e as regras da contenção civilizada que esta administração pretende aplicar com rigor a fim de manter a Winesburg íntegra não servem para machões como vocês - vou achar isso ótimo! Tratem de ir embora! Saiam! As ordens foram dadas! Empacotem sua insolência rebelde e deem o fora da Winesburg esta noite!"

Outro relato que merece destaque é o pacto celebrado entre Marcus e a mãe. Por este pacto Marcus não procuraria mais Olívia, pois esta já tentara o suicídio e a mãe não procuraria mais se divorciar de seu pai, decisão que tinha tomado. Sempre a questão de valores. Deixo aqui também registrada uma das frases mais significativas: "a retidão que tiranizava a minha vida".

Marcus Messner (1932 - 1952) morreu três meses antes de completar 20 anos, na guerra da Coreia, que terminou em 1953, 11 meses antes que Marcus se formasse e provavelmente ter sido o orador da turma. Isto poderia ter facilmente ocorrido se Marcus tivesse sido capaz de tolerar a igreja que comandava a universidade. Marcus fora expulso de Winesburg por ter sido flagrado, pagando a um colega para frequentar, em seu lugar, as cerimônias religiosas às quais os alunos eram obrigados a frequentar. Se ele próprio, conformadamente, tivesse ido à igreja, por quarenta vezes, nada disso teria ocorrido.
Foto de Philip Roth, na orelha da contracapa de Indignação.

Não costumo ler resenhas antes da elaboração dos meus posts. O faço depois. Uma frase me chamou a atenção. "Uma parábola pós-moderna sobre tragédias da pequena moralidade".

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