quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Nosso homem em Havana. Graham Greene.

Continuo com a lição recebida de Alberto Manguel. A leitura de um livro fica facilitada quando você passa a situar e datar o autor e a obra. Isso me leva a compartilhar com vocês que Graham Greene é um escritor inglês, nascido em 1904 e morto em 1991 e que o livro Nosso homem em Havana, foi escrito no ano de 1958, portanto, um ano antes da revolução que apeou do poder o ditador Fulgêncio Batista, que contava com o total apoio do governo dos Estados Unidos. Um ano antes, portanto, da revolução empreendida por Fidel Castro. O tema só poderia ser o serviço secreto, a espionagem e a contra espionagem.
Edição Biblioteca FOLHA, de Nosso homem em Havana, de Graham Greene.

Quando li O cerne da questão já fiquei impressionado com o autor, por este usar a conjuntura internacional para escrever os seus romances. No caso, o tema da colonização/descolonização da África era o cerne da questão. Agora, em Nosso Homem em Havana o grande tema passa a ser a bipolaridade e o clima da guerra fria, que se movimenta em Havana, cidade repleta de espiões, de contra espiões, de códigos a serem decifrados e, acima de tudo, de imaginação fértil para produzir relatórios, situações e inimigos. O serviço secreto da Inglaterra necessitava de um homem em Havana. Raras vezes um livro consegue ser tão irônico, tão inacreditável e tão sarcástico. Literatura de ficção e serviço secreto passam a ser atividades paralelas.

O inspetor Hawthorne recebe a difícil missão de encontrar o Nosso homem em Havana. A sua escolha recai sobre Wormold, um comerciante inglês de aspiradores elétricos, em dificuldades financeiras causadas pelos caprichos de sua bela filha Milly, a completar dezessete aninhos. Imagine uma garota ávida em gastar dinheiro. Wormold era companhia constante de um médico alemão, o Doutor. Hasselbacher, no Wonder Bar. O comerciante inglês vivia sozinho com a filha, uma vez que a sua esposa fugira com um americano para a cidade de Miami. Já naquele tempo se fugia para Miami.

O recrutamento de Wonder por Hawthorne me fez lembrar uma anedota de um cidadão de certa nacionalidade que, ao receber uma missão secreta, em que ninguém poderia saber nada sobre ele, nem mesmo o seu endereço, e que, ao tomar um táxi, dá ao taxista, que pergunta sobre o seu destino, a resposta de que isso não o interessava.  Preocupações, cautelas e códigos integravam a vida cotidiana. A remuneração era boa. Despesas para missões especiais eram facilmente aprovadas. Quanto maior o valor pedido, mais valor se dava à operação. A imaginação de Wormold o transformou num agente de sucesso. A sua remuneração satisfez os incríveis apetites consumistas de Milly.
Da coleção Os Imortais da Literatura Universal. Da Abril. Nosso Homem em Havana.


Wormold contrata agentes, monta um escritório, tem secretária, empreende missões, estuda códigos, fotografia e faz desenhos, utilizando os seus aspiradores, que se transformam num enorme sucesso. O seu imaginário passa a ser a sua vida real. A estrutura do livro é dividida em cinco partes, com interlúdios em Londres, onde os seus trabalhos são avaliados e valorados. Tudo anda muito bem. O livro Contos de Shakespeare, de Lamb se torna o grande livro de decifração de códigos. Isso é um perigo. O Dr. Hasselbacher poderá decifrá-los. Um capitão da polícia, o capitão Segura, conhecido por estar envolvido em torturas, se aproxima de Milly e a fazer parte da narrativa. Coisas do amor ou da paixão.

Alucinações, desconfianças, perseguições/proteções começam a ocorrer e que afetarão o círculo próximo ao inspetor. Até mortes passam a ocorrer, como a do próprio Dr. Hasselbacher. Até o assassinato de Wormold passa a ser planejado, num almoço em que seria homenageado e orador do evento. Competição comercial ou ações de geopolítica? A vida de Wormold se torna insustentável em Havana. Todos o aconselham a voltar para Londres. Afinal de contas, quatro mortes já haviam ocorrido e trabalho, que se possa assim chamar, nenhum.

Novas surpresas em Londres. Wormold espera ser punido, mas em vez disso, uma condecoração e um posto de trabalho em Londres lhe é oferecido. Quem será punido é a agente Beatrice, com quem trabalhou, que será transferida para Jacarta. Se existirem fracassos nos serviços secretos eles não podem se tornar públicos e nem mesmo do conhecimento a grupos internos, de oposição. Por isso o emprego e a condecoração com a Ordem do Império Britânico. Wormold, a sua filha Milly e Beatrice, ao que tudo indica, passam a ter uma tranquila vida na capital do Império, em que fora condecorado como um cidadão ilustre.

Gostaria de fazer dois destaques. O primeiro é a pergunta sobre a necessidade de um cidadão inglês em Havana? O próprio Wormold faz a pergunta e dá também a resposta: "Há acaso, em Havana, algo realmente importante, que possa interessar a um serviço secreto? - Somos, claro, um país pequeno, mas estamos muito perto da costa americana..." São velhas questões de geopolítica. A outra é o discurso feito por Beatrice em defesa dos relatórios vindos de Havana, que haviam sido acusados como destituídos de fundamento e em que foram confrontados com os interesses do país. Vejam parte do discurso e comentários:
O autor de Nosso Homem em Havana, escrito em 1958, um ano antes da revolução.


"Que é que o senhor entende por 'seu país'? Uma bandeira que alguém inventou há duzentos anos? [...] Oh, havia esquecido: há algo maior do que o próprio país a que se pertence, não há? É o que nos ensinaram com a sua Liga das Nações e com o seu Pacto Atlântico, com a OTAN, a ONU e a OTASO. Mas para a maioria de nós, isso não significa mais do que as outras letras, USA e URSS. E já não acreditamos mais nos senhores, quando dizem que desejam paz, justiça e liberdade? O que os senhores querem é garantir as suas carreiras. [...] Mas eles não nos deixaram muita coisa em que acreditar, deixaram? Nem mesmo na descrença".

Uma última observação. A edição que eu li é da Biblioteca Folha. Na contracapa existe um comentário de Clóvis Rossi, do Conselho Editorial da Folha. Nele existe uma comparação entre Wormold e  Donald Rumsfeld, além de uma pergunta intrigante: "O que pode haver de comum entre esse improvisado espião e o todo-poderoso secretário norte americano de Defesa? Simples: um e outro inventaram a existência de armas de destruição em massa, com a diferença, no caso irrelevante, de que Wormold jamais usa essa expressão (Não estava na moda há cinquenta anos). Rumsfeld o fez, pelo menos a julgar pelas informações disponíveis, para justificar a invasão do Iraque pelas forças norte americanas. Wormold, por uma razão bem mais prosaica: ganhar dinheiro para pagar os gostos da jovem e linda filha. [...] O que é certo é que as informações inventadas por Wormold causaram três ou quatro mortes apenas. Já no caso do Iraque..."

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.